Boteco: 10 cervejas brasileiras

por Marcelo Costa

Abrindo mais série de cervejas nacionais com uma parceria entre São Paulo e Rio de Janeiro, a Pink Lemonade, uma Berliner Weisse inspirada no soft drink famoso, colaborativa entre a 2Cabeças e a Dádiva produzida em Várzea Paulista (casa da segunda) com adição de limão, framboesa e limão. De bela coloração vermelha (que remete a um suco de goiaba) com creme branco de baixa formação e rápida dispersão (tradicional do estilo), a Pink Lemonade exibe um aroma agradabilíssimo que destaca limão e framboesa (a amora se perde levemente), unidos, com leve pegada sour na base adiantando acidez e azedume. Na boca, doçura frutada (limão, framboesa e leve goiaba) seguida de azedume (de limão), acidez leve e salgado discreto. A textura é, como era de se esperar, acética e frisante. Dai pra frente surge um conjunto muito agradável, com as frutas vermelhas combinando muito bem com o limão e o estilo sour. No final, leve amarradinho na boca típico de casca de limão (mais framboesa). No retrogosto, leve adstringência, limão, framboesa e refrescancia. Belíssima sour!

Ainda no estado de São Paulo com a segunda cerveja da série, mais propriamente Ipeúna, cidade que abriga o Brew Center Cervejas Especiais, que atende a cervejeiros ciganos como os da Tarantino Beer, que encomendaram a Tiago Falcone (Bewvertown Brewery, de Londres) a receita de uma moderna Double IPA com malte, trigo e aveia em flocos, lúpulos Chinook e Columbus mais Cryo Hops de Simcoe e Mosaic. De coloração amarela caminhando para o Juicy com creme branco de ótima formação e média alta retenção, a Tarantino Giramundo exibe um aroma com bastante cítrico (casca de laranja e frutas amarelas) e percepção de levedura. Na boca, doçura cítrica suave no primeiro toque com potência cítrica aumentando na sequencia (remetendo bastante a casca de limão e laranja). A textura é cremosa e bastante picante com amargor subsequente potente (54 IBUs com um tiquinho de pimenta do reino) abrindo portas a um conjunto que segue intenso até o final, bastante amargo, com leve harsh marcando a garganta até o final, cítrico (casca) e amargo. Na boca, sensação de quem realmente mordeu a casca do limão, com leve amarração, amargor e aspereza.

A terceira cerveja da sequencia retorna à Várzea Paulista, interior de São Paulo, mas é receita da cigana baiana Mindu Bier, de Salvador, que conquistou o primeiro lugar no I Concurso Bier Hub. Trata-se de uma American IPA com um blend de lúpulos estadunidenses e australianos. De coloração âmbar levemente alaranjada com creme bege clarinho de ótima formação e média alta retenção, a MinduIPA exibe um aroma que mostra um certo equilíbrio entre as notas frutadas cítricas derivadas da lupulagem com a base caramelada derivada dos maltes, quase como se fosse uma “IPA do Atlântico” (nem tão American, nem tão English). Na boca, doçura e frutada cítrico chegam juntos no primeiro toque ofertando caramelo, maracujá e manga, mas logo no segundo seguinte as frutas tomam a dianteira, suavemente. A textura é suave, quase cremosa, sem picância. O amargor subsequente também é bastante suave, 50 IBUs que mais parecem 25. Dai pra frente, um conjunto bastante saboroso, maltado, lupulado e refrescante. No final, caramelo e manga, percepções que retornam no retrogosto. Boa.

Partimos agora para Pinhais, na Grande Curitiba, casa da Way que assina junto com a Wäls essa Dubbel Funky, que une a premiada receita dos mineiros (que já havia ganhado uma versão com ameixa em parceria com a Anderson Valley) com a levedura Brett acrescentada e maturada pelos curitibanos (sem carbonatação, que veio direto da levedura) durante três anos. De coloração âmbar acastanhada com creme bege claro de média formação e retenção, a Wäls Dubbel Funky Way exibe um aroma que combina as notas típicas do estilo Dubbel (toffee, caramelo, ameixa) com um avinagrado bastante leve trazido pela levedura, que remete a uma suave Oud Bruin, perfeita pra quem teme o estilo, mas sente uma curiosidade. Na boca, a provocação da Brett surge um tiquinho mais intensa no primeiro toque, mas não a ponto de assustar o neófito, que poderá perceber ameixa, toffee e chocolate ao leite. A textura é levemente acida e, dai em diante, surge um conjunto que melhora muito assim que a cerveja aquece, trazendo algo de chocolate ao leite e, também, figo. O final é picante. No retrogosto, pimenta do reino, figo, ameixa, toffee e leve vinagre. Uau.

De Curitiba para Vitória da Conquista, na Bahia, casa dos ciganos da Brutos Beer, que utilizam rapadura do sudoeste do estado baiano em suas receitas, tanto na Irish Red Ale quanto nesta American IPA produzida em uma fábrica em Capim Branco, cidade de quase 10 mil habitantes em Minas Gerais, a 847 quilômetros de distância. De coloração âmbar caramelada com creme bege clarinho, quase branco, espesso e de boa formação com média alta retenção, a Brutos American IPA exibe um aroma com doçura de caramelo e rapadura se sobrepondo aos lúpulos Made in USA da receita – é possível perceber um herbal bastante sútil. Na boca, ainda que o lúpulo se destaque mais do que no aroma, é a doçura quem dá a letra tanto no primeiro toque quanto na sequencia com amargor médio (70 IBUs? Imagina. Vamos fechar em 50, e olhe lá), mas de leve prologamento. A textura é suave, quase sedosa, com leve picancia num conjunto que traz a rapadura batendo o lúpulo. O final é amarguinho e o retrogosto, amargo e suave, com discreto cítrico e doçura.

A sexta cerveja da série vem de Goiânia, uma colaborativa das ciganas Micro X (que já passou por aqui com Blanche do Cerrado, Oberkorn, Angel Tripel, RISputnik do Cerrado e 61IPA), do DF, com Dogma, de São Paulo. A ideia foi pegar a base da Angel Tripel e turbinar de lúpulo. O resultado é uma cerveja densa de coloração amarela turva com creme branco levemente bege de excelente formação e média alta retenção. No nariz, bastante aroma frutado (maracujá e manga passada) e muita percepção de levedura sobre uma base suavemente doce. Na boca, doçura frutada no primeiro toque seguida de especiarias e picancia derivadas da levedura e dos 9.1% de álcool. A textura é suave e levemente picante enquanto o amargor é potente (75 IBUs), mas equilibrado e sem muita profundidade. O final começa doce e termina levemente alcoólico. No retrogosto, bastante presença de levedura, leve frutado e doçura. Boa!

A sétima da série é a versão Oktoberfest assinada pela mineira Wäls, uma cerveja sazonal no calendário da casa, visando às comemorações inspiradas na cultura alemã de outubro (quando foi celebrado o casamento do príncipe e mais tarde rei Ludwig I, da Baviera, com a princesa Therese, da Saxônia, em 1810). Trata-se de uma cerveja de coloração âmbar translucida com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, intensa derivação de malte sugerindo pão francês, biscoito e caramelo – ainda é possível perceber algo de caramelo e herbal. Na boca, doçura caramelada suave com presença de percepção de biscoito e pão no primeiro toque. A textura é suave e o amargor, de 21 IBUs, baixo. Dai pra frente, uma boa Oktoberfest nacional, que não chega aos pés de uma tradicional alemã, mas também não faz feio. O final é maltadinho. No retrogosto, biscoito e caramelo.

De Porto Alegre, mas produzida em Forquilhinha, Santa Catarina, a Barco Sour San Diego tem como base a Barco San Diego, uma American Pale Ale, que aqui recebe doses generosas de lúpulo Citra e, também, lactobacilos, que produzem a acidificação que o estilo Sour necessita. O resultado é uma cerveja de coloração âmbar alaranjada com creme branco de boa formação e baixa retenção. No nariz, percepção suave de acidez e de frutas cítricas: limão, lichia, maçã verde e uva verde com leve remissão a vinho branco. Na boca, acidez moderada e bastante frutado no primeiro toque se abrindo em notas que remetem a limão, lichia, uva verde e vinho branco. A textura é levemente picante e frisante e o amargor, médio, 54 IBUs bem presentes num conjunto que oferece bastante refrescancia, muito frutado e leve frisancia acética. O final traz frutas cítricas e vinho branco. No retrogosto, mais refrescancia, e mais vinho branco. Boa!

Ainda em Porto Alegre, agora com a Seasons Brewery que marca presença com a Fã Coffee, receita que integra a série wood aged AngicoWorks da casa gaúcha. No caso desta Fã Coffee, uma derivação da tradicional Cirilo Coffee Stout, a cerveja foi envelhecida em barris de brandy espanhol e feita com favas de baunilha e nibs de cacau. De coloração marrom bastante escura com creme bege claro de boa formação e média alta retenção, a Seasons Fã Coffee apresenta um aroma interessante com café suave, chocolate e brandy bastante suaves e envolventes. Na boca, doçura alcoólica unindo chocolate e brandy no primeiro toque. A textura é suave, sedosa com leve picância (dos 7% de alcoólica). O amargor de 35 IBUs é bem sossegado, leve, e abre as portas para um conjunto que amacia a pancada da torra do malte com madeira (discreta), brandy (mais presente) e álcool. O final é doce e levemente alcoólico. No retrogosto, madeira bem suave, chocolate, alcaçuz e café.

Fechando a série com uma colaborativa entre Dogma e Maniba, que decidiram juntar numa mesma garrafa duas receitas festejadas: a Cafuza e a Black “Metal” Ipa. Feito em lote experimental no primeiro semestre, agora a colab surge em versões das duas cervejarias: a garrafa Maniba Black Deal IPA (9.8% de álcool e 80 IBUs) e a lata Dogma Black Deal (8.2% de álcool e 70 IBUs). No caso da Dogma, a cerveja apresenta uma coloração marrom praticamente preta com creme bege de boa formação e média alta retenção. No nariz, a primeira percepção é cítrico com leve traço herbal para, só depois, as notas de tosta e torra darem as caras, de maneira bastante sutil. Na boca, a mesmíssima percepção antecipada pelo aroma: cítrico e herbal no primeiro toque, sem profundidade (a ponto de perceber frutas), mas perceptíveis. As notas de tosta e torra chegam na sequencia e trazem consigo o amargor, potente, de longa permanência, mas limpo, sem agredir. A textura é sedosa com leve picância e o amargor potente, mas não agressivo num conjunto caprichado que honra as duas receitas de origem. No final, cítrico e bastante café, que retornam no retrogosto junto a chocolate. Excelente.

Balanço
Abrindo a série com uma Sour excelente, a 2Cabeças Pink Limonade, colab com a Dádiva, uma cerveja bem refrescante em que as frutas adicionados brilham (como deve ser). Já a baiana MinduIPA é daquelas que eu costumo chamar de “IPA do Atlântico”, que não enfia o pé na jaca lupulado transformado em ouro pelos Estados Unidos nem soa tão tímida quanto os exemplares de IPA tradicionais do Velho Mundo. Fica ali, no meio do caminho, agradando aos dois tipos de paladares. Bem boa. Já a Wäls Dubbel Funky Way melhora (com Brett) a Dubbel da Wäls. Apenas isso. A baiana mineira Brutos American IPA mostra a potência da rapadura, que se sobrepõe ao lúpulo, ainda que o final seja amarguinho. Uma interessante cerveja. A Micro X Angel Dust melhorou a Angel Tripel com uma boa dose de lúpulos. A Wäls Oktoberfest é boa para uma Marzen nacional, mas fica bem distante de uma Marzen original alemã. A gaúcha Barco Sour San Diego é uma Sour bem gostosa, cítrica e refrescante, e com leve remissão a vinho branco. Uma delicinha! Ainda em Porto Alegre com a Seasons Fã Coffee, que não cumpre a expectativa da baita cervejaria que a Seasons é muito menos de uma cerveja Barrel Aged. É boa, mas está atrás de dezenas de outras no mercado. Fechando com a Black Deal na versão Dogma, uma cerveja excelente que mantém as características das duas receitas originais, com esmero. Baita!

2 Cabeças Pink Lemonade (colab Dádiva)
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.4%
– Nota: 3,50/5

Tarantino Giramundo
– Produto: New England Double IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.5%
– Nota: 3,48/5

MinduIP
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,31/5

Wäls Dubbel Funky Way
– Produto: Belgian Dubbel
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 4,01/5

Brutos American IPA
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,11/5

Micro X Angel Dust (colab. Dogma)
– Produto: Belgian IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 3,50/5

Wäls Oktoberfest
– Produto: Oktoberfest
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.8%
– Nota: 3,01/5

Barco Sour San Diego
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,41/5

Seasons Fã Coffee
– Produto: Coffee Stout Barrel Aged
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,40/5

Dogma Black Deal (colab. Maniba)
– Produto: Black IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.2%
– Nota: 3,88/5

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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