Aniquilação, Malcolm e Dois Irmãos

por Adriano Costa

“Aniquilação”, de Jeff Vandermeer (Intrinseca)
Existe um determinado espaço físico que um governo esconde da população por medo do que lá se encontra ou mesmo por não saber o que é. Expedições ora de civis com habilidades específicas, ora de militares treinados, são enviadas para a região buscando mapear a área e seus segredos. Pelo menos é o que se imagina, mas nunca dá para confiar em governos, não é? “Aniquilação” (“Annihilation”, 2014) é uma amálgama de vários estilos. Primeiro, na superfície, é uma aventura básica onde um grupo entra em um local misterioso com uma missão específica. Contudo, ao ultrapassar essa superfície se junta ficção científica (na essência é isso), terror e drama psicológico, além de tratar levemente de abusos de autoridade governamental. A trama foca na 12ª expedição para o setor – segundo militares – que leva uma bióloga (a narradora dos fatos), uma psicóloga (a chefe), uma topógrafa e uma antropóloga para a Área X, quatro mulheres fortes, mas diferentes, que precisam se entender para alcançar sucesso na missão. Entre mentiras, medos e alucinações, esse pequeno time percebe que nada é como lhe falaram e a aventura começa. “Aniquilação” integra a trilogia “Comando Sul” e seus direitos para o cinema foram vendidos para a Paramount – os outros dois tomos (“Autoridade” e “Aceitação”) também irão ganhar edição nacional. A trama mostra um escritor com domínio do suspense e habilidade em prender o leitor, mesmo explorando temas cansados, o que é mérito. É um bom livro que, com a direção certa, deve render muito mais na telona, e deixa curiosidade para os próximos volumes.

Nota: 7

Leia também
– Leia as primeiras 20 páginas de “Aniquilação” aqui

“Malcolm”, de Fabio Massari e Luciano Thomé (Edições Ideal)
Falecido em 2010, Malcolm McLaren foi empresário (Sex Pistols, New York Dolls), produtor musical, agitador cultural, artista, designer, criador de moda e uma lenda, entre muitas outras coisas. Em 1995, ele desembarcou nos estúdios da MTV Brasil, em São Paulo. No mesmo dia, o jornalista Fabio Massari foi avisado da visita e se preparou para encarar uma entrevista, missão complicada à primeira vista, mas que se tornou bastante agradável: dos 15 minutos previstos inicialmente de conversa, a entrevista se estendeu por mais 50. McLaren estava lançando o disco “Paris” (1994), mas o papo foi muito além numa espécie de compêndio de sua carreira. Na época, só alguns trechos foram ao ar na MTV e a gravação ficou guardada com Fábio Massari. O resultado ganhou corpo 19 anos depois num formato até certo ponto inusitado: quadrinhos. Feito em conjunto com o quadrinista gaúcho Luciano Thomé, “Malcolm” é um grande acerto. O formato casou muito bem com o teor da entrevista e a originalidade do personagem principal. Méritos a Thomé, que em preto e branco e com um traço quase anárquico, conseguiu repassar visualmente o momento com várias inserções externas, caricaturas e referências. “Malcolm” tem capa dura e 68 páginas e mostra pensamentos relevantes do seu entrevistado mesmo tanto tempo depois. Mais uma ótima bola dentro do Reverendo, que já lançou outros quatro bons livros que também merecem atenção: “Rumo à Estação Islândia” (2001), “Emissões Noturna” (2003), “Frank Zappa: Detritos Cósmicos” (2007) e “Mondo Massari” (2013).

Nota: 8

Leia também:
– Fábio Massari participa do podcast O Resto é Ruído. Ouça aqui
– Leia as primeiras páginas do livro “Malcolm” aqui

“Dois Irmãos”, Fábio Moon e Gabriel Bá (Cia das Letras)
Milton Hatoum nasceu em 1952. Em 2000 lançou o romance “Dois Irmãos” que, ambientado em Manaus, conta a história dos gêmeos Omar e Yaqub, filhos de pais libaneses. O livro é um romance denso que narra um drama familiar de proporções amplas. A Rede Globo prepara uma minissérie com direção de Luiz Fernando Carvalho mais Juliana Paes e Antônio Fagundes no elenco, porém, antes disso, “Dois Irmãos” chega às livrarias em formato de graphic novel com assinatura dos irmãos (também gêmeos) paulistas Fábio Moon e Gabriel Bá, que trabalharam por quatro anos na adaptação e adicionam intensidade e fineza não só honrando a obra homenageada como também agregando novo valor a ela, o que é raro. A trama se inicia antes da Segunda Guerra Mundial, quando os gêmeos brigam e os pais decidem mandar um deles para o Líbano para que as feridas sejam curadas. O retorno só ocorre depois da guerra e não surte o efeito esperado. Omar e Yakub tem a própria guerra para travar e no meio dela inserem a mãe Zana, o pai Halim e a irmã Rânia, além de Domingas e o filho, criados na casa com eles. Cada personagem é confeccionado com cuidado redobrado e nenhum é repleto de bondades ou pode ser considerado herói. Com uma arte de planos abertos, traços límpidos e quadros sem conversa, “Dois Irmãos” apresenta uma Manaus repleta de oportunidades, mas ainda sim escorada nos males de toda cidade. Carregada de ambiguidade e tons cinzentos, Fábio Moon e Gabriel Bá se apropriam com autoridade do texto de Milton Hatoum e demonstram que famílias são infelizes, cada uma a sua maneira, em todo tempo e lugar.

Nota: 8,5

Leia também:
– Gabriel Bá se junta a Matt Fraction em “Luxuria” (saiba mais)
– “Daytripper”, de Fábio Moon e Gabriel Ba, provoca coceira (saiba mais)
– 10 Pãezinhos – Entrevista com Fábio Moon (2003) (aqui)
– Leia as primeiras páginas da graphic novel “Dois Irmãos” aqui

 

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

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