Boteco: Stillwater, Spencer, Brooklyn, Bells, Founders

Cinco cervejas norte-americanas…

por Marcelo Costa

De Baltimore, Maryland, surge a primeira cerveja da Stillwater Artisanal deste espaço, e uma receita especial, da Sensory Series, produzida em parceria com artistas do cenário alternativo. Para abrir a série, a Stillwater convocou o quarteto de dream pop Lower Dens, também de Baltimore, que “cedeu” a canção “In the End is the Beginning” (ouça no final do post) para a receita: inspirados na música, os cervejeiros criaram uma American Saison que recebe adição de flor de hibisco (usada bastante em chás). De coloração amarela com leve turbidez (típica de Saisons) e creme branco de ótima formação e longa duração, a Stillwater Sensory Series v. 1 Lower Dens destaca um aroma bastante arisco, com acidez, frutado cítrico (maçã vermelha e pera), floral e especiarias (semente de cravo e pimenta do reino) que honram as fazendas belgas. Na boca, a aridez do aroma é intensificada de forma interessante: há rápida doçura (mel) logo atropelada por cítrico (laranja), acidez (derivada da levedura), amargor comportado e azedume suave, mas o que chama a atenção é uma rápida sugestão de mofo, no meio do gole, que é tudo que uma boa Saison tem que ter. O final é seco, cítrico e ácido. No retrogosto, adstringência, pimenta do reino e picancia na língua. Uau.

Da Abadia de St. Joseph em Spencer, Massachusetts, surge a primeira cerveja trapista norte-americana (dentre 10 no mundo, sem contar a Mont des Cats, ainda não reconhecida). Os monges se instalaram em Spencer em 1950, mas o projeto cervejeiro só começou em 2010 (com o aumento de custos da abadia) após visitas a mosteiros na Europa, que recomendaram contratar um mestre cervejeiro qualificado, construir um moderno centro cervejeiro e produzir uma única receita nos primeiros cinco anos. Eis a Spencer Trappist Ale, uma Belgian Dubbel vendida unicamente no mosteiro (por enquanto). De coloração âmbar caramelada turva, com creme levemente alaranjado de boa formação e permanência, a Spencer Trappist Ale exibe um aroma com predomínio da levedura trapista sobre uma base de doçura caramelada, frutado (banana e suave laranja) e leve condimentado (cravo). Na boca, uma dedicada replicada do aroma com doçura maltada e caramelada disputando espaço com o toque arisco da levedura belga. Em segundo plano, boa sugestão frutada (banana e laranja), especiarias (pimenta do reino e cravo) e leve percepção dos 6.5% de álcool. O final é caramelado, frutado e picante. No retrogosto, caramelo, pimenta do reino (que vai acalmando devagarinho) e acidez. Boa!

Décima cerveja da micro (com jeitão de média alta) cervejaria nova-iorquina Brooklyn Brewery a passar por este espaço (e agora disponível no Brasil), a Brooklen Blast! é uma Double IPA Ou Imperial IPA) cuja receita utiliza maltes britânicos (Scottish Floor Maris Otter e German Pilsner) e nada menos que 11 diferentes lúpulos (Willamette, Magnum, Cascade, Fuggle, Sorachi Ace, Aurora, Bravo, Zythos, Simcoe, Amarillo e Experiment 6300) para amargor (ingleses) e aroma (norte-americanos). De coloração âmbar caramelada típica do estilo com creme branco de boa formação e média permanência, a Brooklen Blast! apresenta um aroma com resina disputando a atenção com notas frutadas cítricas (laranja, maracujá, abacaxi e manga) e herbais (pinho) além de leve toque terroso. Na boca, doçura rápida de caramelo e amargor potente, mas nem um pouco agressivo (apenas 53 de IBU), o que pode decepcionar fãs do estilo. Os 8.4% de álcool surgem muito bem inseridos no conjunto, que traz resina em primeiro plano ao lado de notas herbais (pinho) e presença frutada cítrica na retaguarda formando um conjunto bastante agradável (para lúpulo-maníacos). O final é resinoso e cítrico (maracujá) enquanto o retrogosto traz um tiquinho de caramelo, mais cítrico e leve resina. Boa.

De Grand Rapids, no Michigan, a Founders Brewery comparece com o nono rótulo da casa a passar por este espaço (destaque para Backwoods Bastard e Breakfast Stout), Curmudgeon, uma cerveja que homenageia velhos pescadores frequentadores de pubs de beira de porto. Envelhecida em carvalho e com adição de melaço de cana, a Founders Curmudgeon é rotulada como uma Old Ale, mas quem cravar Barley Wine não estará errado. De coloração âmbar caramelada com creme alaranjado de baixa formação e rápida dispersão (como uma Barley Wine), a Founders Curmudgeon apresenta um aroma cativante com sugestão de madeira, bourbon, conhaque e vinho do Porto (ou seja, bastante álcool) além de doçura de caramelo, melaço e bala toffee. Há ainda sugestão de frutas escuras. Na boca, a textura é levemente licorosa antecipando a cacetada de álcool (9,8%) que virá pela frente acompanhada, ainda, de amargor vistoso. O conjunto se equilibra sobre uma base de doçura caramelada e melaço de açúcar e o amargor potente tanto do lúpulo quanto do álcool. As notas amadeiradas dão charme ao conjunto, que, também no paladar, se aproxima levemente de bourbon e vinho do Porto. O final (delicioso) é melado, alcoólico e amadeirado> No retrogosto, bourbon, caramelo e calor. Uma delícia.

De Kalamazoo, também no Michigan, surge a Bell’s Brewery, uma das primeiras no estado a defender a revolução micro cervejeira, ainda nos anos 80. Aberta em 1983 como uma loja que vendia ingredientes para se produzir cerveja artesanal, a Bell’s começou a vender sua própria cerveja em 1985. Inicialmente, o carro chefe da casa era a Solsun, uma Wheat Ale que precisou ter o nome alterado para Oberon em 1998 devido a uma ação da Cerveceria Cuauhtemoc Moctezum (dona da Sol). Hoje, porém, os cervejeiros depositam os olhos com paixão sobre a Expedition Stout, uma das primeiras receitas de Russian Imperial Stout feitas na América, produzida com o dobro de malte o quíntuplo de lúpulos do que as receitas originais (ou seja, perfeita para a guarda). De coloração marrom tão escura que parece preta e creme marrom escuro de baixa formação e curta permanência, a Expedition Stout apresenta com categoria os aromas clássicos do estilo: chocolate amargo, café, baunilha e frutas escuras (ameixa) muito bem representados. Na boca, uma porrada apaixonante: a doçura achocolata briga bem com o amargor intenso (derivado tanto da lupulagem quanto dos 10.5% de álcool) resultando num conjunto vistoso, com café expresso forte, baunilha, ameixa e chocolate (tanto ao leite quanto amargo). O final é amargo, achocolatado e alcoólico. No retrogosto, caramelo, café e sorrisos. Uau.

Balanço
A ideia da Stillwater Artisanal com a Sensory Series é criar uma experiência sensorial completa: som, visão, olfato, tato e paladar. A proposta é interessante… e psicodélica. Não sei se eu optaria por uma Saison (psicodelismo sugestiona viagem, e pede uma cerveja mais alcoólica, uma Tripel, por exemplo), mas o resultado, focando na cerveja, ficou excelente: extremamente arisco e remetendo a feno, campos e fazendas como deve ser. Palmas. Já a Spencer Trappist Ale, fruto do nono mosteiro a produzir cerveja reconhecidamente trapista, é uma novidade interessante, que se não arranha o status das trapistas clássicas, abre possibilidade para um futuro promissor. Essa Belgian Dubbel de estreia, no caso, é bastante reverente, ainda que mais simples que as trapistas clássicas. É boa, e é só a primeira cerveja da Spencer: pode vir coisa muito melhor por ai. E antes que alguém pense que fui ao mosteiro buscar a minha garrafa, esse exemplar é fruto de uma troca com o Gleison Palma, que levou uma Westvleteren 8 (valeu, amigo!).

Quanto a Brooklen Blast! (que já tem um novo rótulo), eu já a havia experimentado no bar da cervejaria, em Nova York, 2011, e a lembrança era de… porrada. Não é o caso desta versão engarrafada, que surge com amargor e álcool potentes, mas perfeitamente domináveis pelo paladar. A sensação é de que o conjunto foi adequado ao paladar médio: nem tão agressivo que possa assustar neófitos, nem tão suave que possa desgostar hopheads. É muito boa, mas há melhores (qualquer uma da linha Dogfish Head Minute Imperial IPA, a Rogue XS Imperial I2PA, Anderson Valley Heelch O’Hops e Tupiniquim Polimango Double IPA – só pra citar 4). Mantendo o alto padrão da casa, a Founders Curmudgeon é uma Old Ale caprichada com jeitão de Barley Wine para ser bebida vagarosamente descobrindo todas as nuances de um conjunto agradabilíssimo. Para fechar o quinteto com chave de ouro, uma das primeiras Russian Imperial Stout feita nos Estados Unidos, Bell’s Expedition Stout, número 15 no ranking geral do Ratebeer, uma porrada carinhosa de 10,5% de álcool que deixa o bebedor feliz. Presente excelente do amigo Rodrigo Salem.

Stillwater Sensory Series v. 1 Lower Dens
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Estados Unidos
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,79/5
– Preço no Brasil: R$ 19 – 375 ml

Spencer Trappist Ale
– Produto: Belgian Dubbel
– Nacionalidade: Estados Unidos
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,69/5
– Preço no Brasil: US$ 14 o Four Pack (330 ml cada)

Brooklyn Blast!
– Produto: Double India Pale Ale
– Nacionalidade: Estados Unidos
– Graduação alcoólica: 8,4%
– Nota: 3,75/5
– Preço no Brasil: R$ 21 – 355 ml

Founders Curmudgeon
– Produto: Barley Wine
– Nacionalidade: Estados Unidos
– Graduação alcoólica: 9,8%
– Nota: 4,04/5
– Preço no Brasil: R$ 19 – 355 ml

Bell’s Expedition Stout
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Estados Unidos
– Graduação alcoólica: 10,5%
– Nota: 4,14/5
– Preço no Brasil: US$ 12 o Six Pack (355 ml cada)

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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