Entrevista: Emily Barker

por Leonardo Vinhas

“Tudo bom! obrigada por seu/sua email. eu morava no brasil por 6 mesas em 2000, entao, falou um poucinho (nao escrevo bem desculpa!)”. Foi assim que a australiana radicada no Reino Unido Emily Barker respondeu ao pedido de entrevista do Scream & Yell. Uma grata surpresa, mas não tão grata quanto “Dear River”, quarto disco de Emily com a banda The Red Clay Halo, lançado neste ano.

“Dear River” é um disco notável, daqueles que são mais admirados a cada nova audição. É um álbum onde a base é o country mais agreste, vigoroso principalmente por causa de sutilezas roqueiras (sim, uma contradição em termos) e da voz sentida e algo grave de Emily, que sugere muito mais estrada que seus 30 anos de idade poderiam exibir. Os desesperados por referências vão gostar de saber que, nos momentos mais pop é possível pensar na faceta mais “rural” de Neil Young sendo relida pelo 10,000 Maniacs em sua melhor fase, com uma voz menos “polida” que a de Natalie Merchant. Mas é mais justo crer que se trata de uma artista escrevendo uma história bastante particular e autoral.

A presença de duas canções da banda em séries britânicas de TV (“Nostalgia”, de 2008, e “Pause”, de 2011, respectivamente em Wallander e The Shadow Line) ajudou o quarteto a ganhar popularidade e sair do esquema de autofinanciar seus discos. “Dear River” é lançado pelo selo Linn, e teve como produtor Calum Malcolm, habituado a trabalhar com nomes mais radiofônicos (Simple Minds, Prefab Sprout, Go-Betweens e… Nazareth, entre outros). Mas se Malcolm teve influência no resultado final do disco, certamente não foi no sentido de torná-lo parecido às suas produções anteriores. Ainda bem.

A banda havia lançado três outros álbuns: “Photos.Fires.Fables.” (2006), “Despite The Snow” (2008) e “Almanac” (2011). Neles, melancolia e placidez dominam a paisagem musical, e é necessário dizer que todos têm lá sua cota de passagens meio modorrentas ou óbvias. “Dear River” impõe energia à proposta que permanecia escondida nesses primeiros trabalhos, e mostra que a banda consegue se destacar tanto em uma estética mais convencional (a faixa-título, empolgante desde a primeira escuta, é a melhor prova disso) como em intenções mais sofisticadas (a belíssima “Spadeful of Ground”).

Esse bom resultado se deve em grande parte a excelência musical da banda, que chama atração tanto pela qualidade quanto pela versatilidade: Gill Sandell, Jo Silverson e Anna Jenkins assumem vários instrumentos, de violoncelo à flauta, diversificando os arranjos e criando um ritmo que convida à audição do disco na íntegra, criando uma paisagem musical da qual parece um crime sacar partes isoladas. As vozes em coro também ajudam a embelezar muitas faixas, em especial “The Blackwood”, que encerra o disco.

Todos esses assuntos foram discutidos com Emily Barker nesta que foi sua primeira entrevista para o Brasil, com exclusividade para o Scream & Yell.

Vamos começar pela turnê que vocês estão iniciando. A programação é impressionante, é quase um show por dia! O quanto é difícil se manter motivada e com vigor fazendo as coisas nesse ritmo?
Eu realmente curto fazer um monte de shows. Gosto de sentir que estamos ficando mais afiados como banda e aproximando nosso foco para os detalhes e as nuances do set. A maior parte das nossas turnês tendem a ser desse jeito, então fazer muitas datas em sequência é bastante normal. Simplesmente digo: manda ver!

Você acabou de encerrar outra turnê – a “turnê das lojas de disco”. Por que você decidiu realizar esses shows solo em lojas de disco, além de obviamente promover o disco?
Eu trabalhei em lojas de discos independentes, uma em Cambridge e outra em Londres. Então teve a ver com apoiar as lojas que ainda restam no Reino Unido bem como promover “Dear River” Toquei em 21 lojas pelo país e foi ótimo conhecer todos os proprietários [dessas lojas] e ver como eles estão lidando com a era digital. Muitos deles estão diversificando seus negócios e fazendo coisas inovadoras, como ter um ótimo café, ou no caso de uma loja em Portsmouth, vender tortas e vinis! Daí o nome Pie and Vinyl (http://www.pieandvinyl.co.uk/). Genial.

Já que você morou no Brasil por seis meses, não dá para fugir do assunto: como foi essa experiência? Por que você decidiu vir para cá?
Eu fazia capoeira quando eu morava em Perth (Austrália), que é de onde sou. Fiz muitos amigos brasileiros e me apaixonei com a cultura vibrante, então comecei a viajar pelo mundo, e o Brasil foi um dos primeiros países que visitei. Fiquei seis meses e viajei por toda parte jogando capoeira, surfando um pouco, ensinando inglês e dançando forró! Também aprendi a falar português, mas estou um pouco enferrujada agora.

Que tipo de contato você teve com artistas brasileiros nesse período? Se é que teve…
Fiz algumas coisas com o Gustavo Veiga em São Paulo. Gravei algumas coisas tendo ele como produtor. Mas eu estava realmente dando os primeiros passos como cantora e compositora na época, por isso fiz um ou outro show, mas não tinha decidido levar isso uma carreira então.

Inicialmente, quando se fala em música country, os brasileiros vão pensar em artistas dos Estados Unidos. Mas a Austrália tem uma longa tradição em country e folk, certo?
Com certeza!

Então, quais são, na sua opinião, os aspectos mais distinguíveis da música country australiana? Você se considera parte dela, mesmo morando há tanto tempo no Reino Unido?
Acho que não há nada que possa diferenciar a música country australiana da norte-americana a não ser pelas letras, eu acho, que vão potencialmente falar dos lugares específicos, e talvez os sotaques, também – ainda que muitos australianos costumem cantar com sotaque americano, o que eu acho irritante, para ser honesta. Por ter passado quase toda a minha carreira musical no Reino Unido, eu estou na verdade engatinhando na cena musical australiana. Espero voltar para lá com mais regularidade para fazer turnês no ano que vem.

Sobre “Dear River”: a primeira coisa que notei é o quanto ele é diferente de “Almanac”. Enquanto este último soava mais calmo e contemplativo, o atual tem mais bateria (vocês estão até excursionando com um baterista agora), tempos mais acelerados… Podemos dizer que tem uma pegada mais roqueira, ainda que não seja rock.
Sem dúvida tem essa pegada mais roqueira e isso foi totalmente intencional. Eu tento não ficar me repetindo, então foi divertido levar a música em uma direção diferente e agitar um pouco as coisas. A turnê do outono será feita com o Nat Butler, que tocou bateria no álbum, e estou realmente ansiosa por isso.

A produção do Calum Malcolm influenciou de alguma forma essa sonoridade?
Ele tem experiência com tantas bandas diferentes e trouxe o conhecimento e as ideias dele para conferir ao disco uma sonoridade mais distinta. É definitivamente um disco mais “hi-fi” e soa mais sofisticado que nossos outros álbuns devido à gravação em um estúdio state-of-the-art em Glasgow que foi projetado pelo próprio Calum. Foi um luxo, e um sonho realizado, gravar com alguém do calibre dele.

Este álbum tem mais músicos de estúdio que os anteriores. Também foi o primeiro de vocês a ser bancado por uma gravadora. Acredito que trabalhar com um orçamento maior dê mais liberdade artística, te deixa mais confortável para incorporar novos elementos e também focar mais na música que na parte financeira da produção.
Claro. Assinamos com a Linn Records, e o pessoal de lá é maravilhoso. Eles são uma companhia de duas frentes, que também projeta e fabrica incríveis aparelhos de som, então eles se importam com a qualidade do som dos artistas com quem assinam de um jeito que a maioria dos outros selos nem consideraria. Apesar de termos assinado com um selo, tivemos total liberdade artística, o que foi essencial para a negociação [com a Linn], claro. Graças a ela ter subido a bordo em nosso barco conseguimos trabalhar em um estúdio com um produtor que não teríamos sido capazes de bancar se não fosse assim.

Agora, uma pergunta meio delicada… O quanto The Red Clay Halo é uma banda? Digo, não uma banda de apoio para você, mas um grupo no qual os quatro integrantes participam de todas as decisões, sejam elas criativas ou comerciais?
Nós somos uma banda, mas eu também excursiono solo. Escrevo todas as canções e trago-as para o Halo e sentamos juntas e trabalhamos nos arranjos. Por isso elas são completamente integrais ao nosso som. Estamos trabalhando juntas há oito anos, então nos conhecemos excepcionalmente bem, tanto pessoal quanto musicalmente. Elas são ótimas garotas.

O sucesso de “Pause” e de “Nostalgia” te afetou de alguma forma?
Totalmente. É o que realmente nos colocou no mapa, particularmente “Nostalgia”. Para muitos fãs, essa sincronização com a TV foi a porta de entrada para nossa música. E tem sido maravilhoso.

Imagino que você queira voltar ao Brasil, mas dessa vez podemos esperar vê-la em nossos palcos?
(em português) Eu quero voltar muito! Talvez no ano que vem. Cruzem os dedos!

Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Rosie Reed Gold.

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