Três dias no Aldeia Rock Festival 2013

Texto por João Carlos Martins
Fotos por Carlos Mafort / Smile Flash

Se acontecesse em qualquer país menos vitimado pela síndrome dos caninos sem pedigree, um festival com 12 edições, num vilarejo de dominância protestante, feito na raça e sem “apoio” de multinacionais, teria um pouco mais de respaldo e respeito. Mas não, no país dos colonizados via TV a cabo, é preferível encarar o abismo de um feriado em São Paulo ou economizar um ano de trabalho viajando até a xará texana da fronteiriça de Nova Iguaçu, também conhecida como Austin.

As bandas, é preciso admitir, são em sua maioria toscas (mas, até aí… nada difere do line-up do coelhinho adicto da Heineken). No entanto, além de muito mais barata, Aldeia Velha e seu festival possuem muito mais atrativos do que SP a quem não quer só ouvir rock; caso de 99% do público de todos festivais.

Casimiro de Abreu, poeta brasileiro do século XIX, adepto do romantismo, nasceu em Nova Friburgo e herdou um megalatifúndio, que pertencia na época ao que hoje é o município de Silva Jardim. Ao se emancipar, a antiga fazenda recebeu a alcunha do finado poeta e seu ex-proprietário. A cidade de Casimiro de Abreu hoje é uma espécie de quintal dos macaenses, onde, nos finais de semana, vão ostentar seus tênis de astronautas, óculos de ciclope e carros brancos, além de ser a última mirada de asfalto antes da pacata Aldeia Velha. A partir dali, é só lama.

Lama, que em épocas de seca se atravessa em 20 minutos, e, em épocas de quase-seca, dentro de um coletivo, leva 40 — mais uma eventual hora de atraso, caso o motora pare para almoçar na casa dos pais, como aconteceu (tudo bem, era sexta-feira da bacalhoada). Além do que, o festival que começara na noite anterior, só teria shows às 14h (era meio-dia). Com um pitstop no meio do caminho para a galera tirar água do joelho e o desembarque sendo feito dentro de um bar (onde se serviam as ampolas mais geladas de toda antologia poética de Casimiro de Abreu), tudo estava dentro da normalidade. Sem sobras.

Pois, se faltava meia hora, era o tempo de deixar a bagagem na pousada e chegar na risca para ver a primeira banda do dia. Mas não…

No meio do caminho tinha um toró. Depois, já no meio do caminho, outro toró, mais um sanduíche de pernil no bar do desembarque, outro toró e, assim, se foram três horas. O que, combinado com a informação furada de que de tarde teriam só duas bandas, me levou de volta pra pousada. Para um banho e mais outro toró na hora da saída.

Nada foi feito pelo sol
29/03

Com um dia de atraso, chego ao festival. Uma fazenda enorme, dois palcos, três bares, muitos banheiros, vários carros e ainda mais gente. A banda que toca é um troço meio poser, uma dessas aberrações cariocas da linhagem dos metaleiros do Cefet, que insistem no casaco de couro, indiferentes aos 50 graus, e cantam lendas e contos de lugares longínquos, não tanto como Coelho Neto e Quintino, mas tipo a Escandinávia e o Arizona.

Se tivesse que apostar num nome para banda seria algo como coyote – e acertaria: Coyotes Valvulados. O instrumental era bom, mas nada de diferente do que fizeram aquelas 526 bandas em Frisco entre 1964 e 1966. Uma homenagem ao rapaz santista, que recentemente morreu de aba reta, derrubou por terra qualquer chance de levar os caras a sério.

Em seguida, quem toca é a Pé da Orelha. Ainda dotados de certa pose, que pode ser interpretada como marra, era uma banda bem melhor que a primeira. Tinha essa coisa meio Matanza, mas o vocalista não era um bebê falastrão do naipe do Jimmy e tinha, portanto, muito a dizer. “No segundo você tá tranquilo, no terceiro fica difícil, no quarto é uma babinha em cada canto da boca, dizendo que tem que ir ali, fazer aquilo em casa e tal”, descreveu precisamente Kazan, vocalista da banda, a arte de ficar quatro dias sem dormir. Para completar, mandou o refrão lapidar “Será que Jesus Cristo vai salvar? Vai salvar? Ou vai ser no inferno que a gente vai ter que queimar?”, com gestos esclarecedores para quem não sacava de figura de linguagem.

Aquela que para mim seria a última banda da noite era oposto das duas primeiras: Marcenaria, de São Paulo. Um som progressivo sem as chateações das bandas que tentam imitar em virtuosismo as gringas, muito bem elaborado, lembra a fina flor do gênero, mas talvez possa soar enfadonho (que palavra progressiva) se ouvido em casa. Porém, ali foi divertido. O problema foi tentar atravessar do whisky para um chope artesanal. No primeiro gole, abriu-se contagem e após tropeçar em um temaki, nocaute. Fim de jogo.

Depois da tempestade
30/03

Acordo debilitado. Entupo minhas veias com um café da manhã regado a manteiga caipira e volto pra cama. Acordo às 14h, se não bem, pelo menos a tempo de pegar todas as atrações do dia derradeiro. Mas no meio do caminho, para variar, havia um toró. Foi o tempo de fraquejar diante de um ovo frito no forno à lenha que se anunciava olfativamente por toda Aldeia Velha, que São Pedro resolveu colocar uma ficha no jukebox.

Passado o aguaceiro, chego ao festival. 16h. Por minhas contas, uma hora antes da única banda que conhecia (mentira, conhecia outras, mas que queria ver, era essa), não contava, como um pato, com o atraso. E com ele, cheguei aos últimos acordes da primeira banda do dia, Arame Farpado, o que incapacita de dar qualquer pitaco, por mais indevido que seja.

A primeira banda vista de fato foi O Vazio. Banda boa, embora o vocalista às vezes exagere um pouco e torne tudo um enorme pastel á la Massacration (que quando feito sem ser de sacanagem, fica meio… vazio) e até um pouco fora de tom, mas nada disso se sustenta quando se descobre que a banda é de Friburgo.

Depois deles, veio uma banda só de covers, Rock n’ Roll Gang. Inegavelmente competentes e com uma apresentação potente, fez um show divertido na base de um repertório todo calcado no Rock Band (sim, o jogo). O vocalista lembrava o clássico sulista roqueiro napolitano (cabelo branco, pele rosa e camisa preta).

Quando acabou o show, veio a notícia que o Padre dos Balões não iria tocar. Algum problema de saúde envolvendo a mãe de um dos caras, ou algo assim. O jeito era voltar ao hotel, esperar a chuva que não veio, e saborear uma pizza com massa de aipim.

Fade In / Fade Out
31/03

Quem abriu a noite foi o Cosmo Drah. Macacos velhos de festivais como esse, vide Psicodália, os caras conseguiram a proeza de ter letras cantadas pelo público e até groupies (ou eram namoradas?). O som é uma grande viagem por trocentas coisas, mas que, para mim, lembra Deep Purple, Mutantes e Captain Beefhart.

Depois deles, rolou uma intervenção de poesia do coletivo Noite na Taverna, que merece nota. Um grupo que faz sarais mensais há mais de uma década em São Gonçalo. Tinha até uma minazinha com umas poesias maneiras, mas afetada por esta chaga chamada ConeCrew e seu estilo vida loka achincalhava com tudo. Marcelo Toledo e Dose Dupla deram sequência a la cancha.

Melhor banda do festival, Marcelo Toledo e Dose Dupla tocavam muito parecidos com as tais 526 bandas de Frisco, mas soando autênticos e sem forçar a barra. O baixista tinha uma capa-bata estilo Arnaldo Batista que também vale nota. Ainda mandaram dois covers do saudoso Celso Blues Boy, com a presença de Kazan, do Pé da orelha.

Com uma passagem de som de 3 horas e um show de outras 3 de pura masturbação que parecia ser uma única música, Jeferson Gonçalves e Banda recuaram a bola errada para o goleiro, por assim dizer. Esgotaram a paciência antes do whisky. Num dia de ressaca, quando eles voltaram para o bis, a sensação de estar ouvindo a mesma mistura cabotina de baião com blues há três dias obrigou a tirar o carro antes que tudo, de novo, começasse a rodar. Botar o sono em dia é tão importante quanto lambuzar os dedos com pernil e ouvir bandas novas, admita.

Dizem, que depois disso, o Gran Mostarda fez um show foda e que galera até chorou ácido durante o cover do Pink Floyd, a cerveja excedente foi doada ao público e virgens fizeram striptease ao som de “Back in Black”. Tudo bem, o striptease foi só uma hipérbole casiminiana, mas que ninguém teve que aguentar o Eddie Vedder em Aldeia Velha, isso sim é verdade.

– João Carlos Martins assina o blog Ponei Maldito e é responsável pela Uruguaiana Movies

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