Sonic Youth: Sleeping Nights Awake

por Marcelo Costa

Imagine a cena: sete estudantes do segundo grau têm uma “tarefa” para o fim de semana: registrar a passagem da turnê “Rither Ripped”, do Sonic Youth, por sua cidade, a pequena Reno, no estado de Nevada, Estados Unidos. O trabalho faz parte do Projeto Moonshine (http://www.projectmoonshine.org), uma organização sem fins lucrativos que visa ensinar cinema a adolescentes para que eles possam documentar importantes eventos em suas comunidades. “Sonic Youth: Sleeping Nights Awake” (2008) foi o primeiro longa do grupo, e o Projeto se saiu muito bem.

Não há nada de revolucionário no método de filmagem e roteiro de “Sonic Youth: Sleeping Nights Awake”, pressuposto correto para um grupo iniciante na arte da cinematografia. O grupo parte do básico nos registros e captações de imagens: acompanha a banda de sua chegada em Reno até a partida com reveladoras entrevistas com membros da equipe técnica e com os próprios músicos até imagens dos shows (com a integra de canções como “Tom Violence”, “Shaking Hell”, “Mote”, “Incinerate” e “Kool Thing”).

A edição é primorosa e valoriza imensamente o resultado final. Com sete câmeras nas mãos de estudantes, o Projeto mixa várias imagens estilosas (todas em PB) que muitas vezes começam e/ou terminam desfocadas, opção que casa à perfeição com a pouca experiência do grupo de estudo e também com a sonoridade do Sonic Youth. Outro ponto alto é a relação dos integrantes – principalmente Thurston Moore – com a filmagem, agindo numa naturalidade raras vezes vista em um documentário.

“Já faz 17 anos desde a última vez que tocamos aqui, não lembro o nome do lugar”, diz Thurston em certo momento do show. Um fã, no meio da plateia, grita o nome do local, e Thurston emenda: “Esse ai. Obrigado por terem nos trazido de volta”. E começa o massacre com “Kool Thing”. O Projeto entrevista uma garota cujo pai tem o nome do grupo tatuado na perna. Minutos depois o encontra para que ele mostre a tatuagem para as câmeras. O descompromisso toma conta e contagia.

Kim Gordon fala sobre a dificuldade de cantar, a vida na estrada e filhos, um deles trabalhando na turnê, na banca de camisetas da banda. Lee Ranaldo tenta explicar como a banda dura tanto e o ex-baixista do Pavement, Mark Ibold, fala sobre a adaptação ao grupo. Mas os melhores momentos são de Thurston, que parece não levar à sério o documentário. “Vocês são estudantes da high school? Legal. Querem Hersheys?”, pergunta no camarim. “Só tem dois. Vocês vão ter que dividir”, diz o guitarrista já de mochila nas costas enquanto Kim comenta: “Vou levar um pouco de comida para o ônibus”.

Um dos momentos reveladores do longa, porém, parte de um dos membros da equipe técnica. O entrevistador pergunta: “Como você sabe que eles estão felizes no palco, que a noite está sendo boa?”. O rapaz hesita, mas responde: “Eu sei quando eles NÃO estão felizes. Por exemplo: na turnê do álbum ‘Sonic Nurse’, ainda com o Jim O’Rourke na banda, o clima não estava bom… então eles tocavam versões de 20 minutos de uma música, só microfonia, nenhum movimento. Eles estavam jogando sobre o público todas as suas frustrações”, diz, explicando por tabela a frustrante apresentação no Claro Que é Rock, em 2005, após a primeira passagem antológica, no Free Jazz, em 2000.

O intimismo e a espontaneidade valorizam “Sonic Youth: Sleeping Nights Awake”, um documentário jovem que flagra uma das bandas mais importantes do cenário independente mundial. Apesar de ter por base a execução ao vivo das canções do grupo – as entrevistas surgem entre uma música e outra, o documentário soa interessante também para aquele público que não conhece e/ou nem é fã do Sonic Youth, mas tenha curiosidade pelos bastidores de uma banda de rock em turnê, num registro que merece ser visto.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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– Faixa a Faixa: “Murray Street”, do Sonic Youth (aqui)
– Claro Que é Rock 2005: Sonic Youth cansa em um show sonolento (aqui)
– “Between The Times And The Tides”, um belo disco de Lee Ranaldo (aqui)
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