Três CDs: Ritchie, Pixies e Hank Williams

por Marcelo Costa

“Auto-Fidelidade”, Ritchie (Deck Disc)
Pouco mais de 10 anos sem trabalho inédito (excetuando o “super grupo” Tigres de Bengala com Vinicius Cantuária, Claudio Zoli, Dadi, Mu e Billi Forghieri que lançou trabalho homônimo em 1993) e o autor de “Menina Veneno” retorna com disco novo, sem apelar com regravações ou acústicos. “Auto-Fidelidade” são 14 faixas inéditas (cinco delas cantadas em inglês) em que o pop rock suave, bem tocado e bem interpretado, direciona o trabalho. Para a empreitada, Ritchie reuniu um time luxuoso de músicos de estúdio incluindo Marcelo Sussekind (violões e guitarras), Humberto Barros (teclados), Christiaan Oyens (Lap Steel, Metalofone) e Marcos Suzano (percussão), entre outros. Nas letras, o velho parceiro Bernardo Vilhena (de “Menina Veneno”, “A Vida Tem Dessas Coisas” e “Vôo de Coração”) assina a balada rock “Lágrimas Demais” (“Mais um dia se passou assim, sem ter fim nem começo”), a levemente funkeada “Sede de Viver” e o pop leve com gaita deliciosa “Ninguém Sabe O Que Eu Sei”, além de “Jardins de Guerra”, com boas guitarras. O melhor poeta pop da atualidade, Alvin L (responsável pelas letras do Capital Inicial), assina a nickhornbiana “Auto-Fidelidade” (“Eu tambem quero o amor perfeito / Desde que ele seja mesmo o amor / Mas eu nunca quis deixar de ser quem eu sou”) e “Lua, Lua”, enquanto Erasmo Carlos escreve “Eu não sei onde foi que eu errei… / Só queria amar você…” na jovem guarda de “Onde Foi Que Eu Errei/”. Composto ao violão (ao contrário de seus seis álbuns anteriores, em que as composições partiam do teclado), “Auto-Fidelidade” surge honesto e de extremo bom gosto, pop perfeito para tocar em rádios, caso essas não estivessem dominadas pela cultura do jabá. Mas mais do que um registro, a volta de Ritchie (assim como a de Leoni) com um bom trabalho a margem de modismos merece ser recebida com aplausos.

Nota: 8

“Pixies”, Pixies (Sum Records)
“Pixies” é a raspa da raspa da raspa do tacho do acervo da banda de Frank Black e Kim Deal, apontada com uma das melhores formações de rock and roll de todos os tempos. Dessa forma, qualquer raridade do quarteto de Boston é bem-vinda. A história é a seguinte: em 1987, o Pixies divulgava sua primeira demo, a “The Purple Tape”, enviando para gravadoras e vendendo em shows. A fitinha trazia 17 canções rispidas e pungentes. A 4AD não deu bobeira, contratou a banda, escolheu oito faixas da demo e as transformou em “Come On Pilgrin”, primeiro ep oficial do Pixies. No entanto, as outras nove faixas ficaram no esquecimento, aparecendo aqui e ali em bootlegs até a Spinart juntar o material e lançar, agora, como álbum oficial. Nove faixas que não ultrapassam os 19 minutos, mas arrepiam pela urgência, demência e punch de uma banda então iniciante. Das nove, apenas uma é inédita, “Rock A My Soul”, que é o Pixies de sempre. De resto, versões toscas e, muitas vezes, melhores que as originais, caso de “Broken Face”, “Subbacultcha” e “”Break My Body”, mais afiadas, “Down To The Well”, mais acelerada, “Here Comes Your Man”, mais crua, com introdução longa ao violão na versão que Frank Black considera melhor do que a registrada em “Doolittle”: “Mas não posso reclamar. Eu ganhei muito dinheiro com a versão do disco”, comentou o músico. Por mais que “Pixies” tenha cara de caça-niqueis (será que o dinheiro acabou, Frank?), é daqueles que valem cada centavo investido.

Nota: 9

“Timeless”, Tribute to Hank Williams (FNM)
Esse cara com o violão em punho na capa acima é um dos pais do country rock norte-americano (seria o avô do alt-country?), influênciando, ainda, o nascente rock and roll nos anos 50, não só com suas composições/vocalizações de levada suave e pop, mas também, atitude, afinal, morrer aos 29 anos vitima de alcoolismo é mais rock que toda nova leva de bandas inglesas. Antes desse tributo, algumas bandas já haviam coverizado Hank (Cowboys Junkies e Breeders, entre outras), mas “Timeless” reúne de forma coesa a velha guarda roqueira com gente nova e o resultado é excelente. Bob Dylan é Bob Dylan na batida empolgante de “I Can’t Get You Off Of My Mind”. Já Keith Richards blueseia em “You Win Again” enquanto mestre Johnny Cash veste com seu vozeirão o hino religioso “I Dreamed About Mama Last Night”. Um dos caras mais bacanas do rock mundial, Tom Petty, transforma “You’re Gonna Change (Or I’m Gonna Leave)” em um rock delicioso com vocal country que caberia perfeitamente no filme “E ai meu irmão, cadê você?” dos Irmãos Coen”. Da turma nova, Beck coloca o pé no freio arrastando “Your Cheatin’ Heart” enquanto o garoto prodigio Ryan Adams brinca com a voz em “Lovesick Blues” que poderia estar em qualquer trilha sonora de filme dos anos 50. Mas quem se destaca em “Timeless” são as mulheres. Mudando o foco das letras, ao invés de se ouvir “his cold, cold heart” ouve-se “her cold, cold heart”. Assim, Sheryl Crow ilumina dias nublados com a alegre e deliciosa versão de “Long Gone Lonesome Blues”. Já Emmylou Harris e Lucinda Willimas destilam belos vocais em duas baladas matadoras, “Alone And Forsaken” e “Cold, Cold Heart” (respectivamente). Até Hank III, neto de Williams, se sai bem em “I’m A Long Gone Daddy”. Lançado pelo selo Lost Highway (representado no Brasil pela FNM), especializado no assunto, “Timeless” é excelente.

Nota: 9

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