Cinema: A poesia de “Lavoura Arcaica”, filme de Luiz Fernando Carvalho recriado da obra de Raduan Rassar

texto de Angelica Bito

Escrever uma poesia nunca é fácil, mesmo para os mais inspirados. É necessário escolher as palavras certas e colocá-las no lugar correto. Isso na linguagem escrita, por que em outra o processo é mais complexo ainda. Neste caso, tratemos da cinematográfica. Luz e sombra, texto e interpretação devem ser bem colocados, e escolhidos, para que a obra-prima imaginada na cabeça do diretor seja obtida na telona. E este é o mérito de Luiz Fernando Carvalho, que leva às telas sua poesia cinematográfica, “Lavoura Arcaica” (2001). Carvalho é estreante no cinema. Antes deste filme, ele dirigiu a bela série “Os Maias”, na Rede Globo.

“Lavoura Arcaica” trata-se de uma família e de como ela pode nos sufocar. André é um jovem que desde pequeno vive em uma fazenda. Nascido em família de libaneses, convive com os costumes e com as festas dessa cultura. No entanto, está sempre sozinho, sente-se constantemente fora de seu lugar, como se não pertencesse a tudo aquilo. O bosque é sei refúgio, onde André “escapava aos olhos apreensivos da família”, como explica.

Os sermões do pai antes das refeições e o excesso de carinhos vindos da mãe acabam por sufoca-lo e, se não fosse as tardes no bosque, sob a relva seca e deitado na terra úmida, a loucura viria antes. A paixão incestuosa pela irmã Ana somente acentua esse sentimento de sentir-se fora de sintonia em relação aos outros.

André passa seus dias na lavoura – de onde a família tira seu sustento -, ordenhando carneiros e brincando no bosque da fazenda. Entretanto, isso não é tudo. Havia todo um mundo acontecendo fora dos domínios da fazenda, e era disso que André sentia falta. Ele acaba saindo de casa, mas Pedro, o irmão mais velho, sai a sua procura para trazê-lo de volta à família.

Na pele de André está Selton Mello, um belo exemplo de ator jovem que tem algo a mostrar no cinema. Mello já disse a que veio em “O Auto da Compadecida” e segurou muito bem as pontas ao viver André, um personagem com grande carga dramática. O olhar de Mello consegue nos passar toda a angústia vivida por André.

O filme é baseado no livro de Raduan Rassar publicado originalmente em 1975. “Lavoura Arcaica”, junto de ‘Um Copo de Cólera” (1978), são os dois únicos romances escritos por Rassar, e ambos foram transpostos às telas. Neste caso, o texto do livro foi bastante preservado. Diálogos, pensamentos, tudo está lá. Como o livro já é uma obra primorosa, na tela funciona muito bem. Tanto que, depois de assistir ao filme, você fatalmente sentirá vontade de, no mínimo, dar uma passada de olhos no livro, por mera curiosidade e encantamento pelo roteiro.

Luiz Fernando Carvalho conseguiu fazer de “Lavoura Arcaica” o mais belo exemplo de como fotografia, direção de arte um bom roteiro e talentosos atores podem fazer de um filme uma verdadeira obra de arte. E nos faz ficar cada vez mais orgulhosos do bom momento do cinema nacional, seja em quantidade de filmes, seja na qualidade dos trabalhos.

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