Crítica: MGMT soa esperançoso e reflexivo em “Loss of Life”, disco com participações de Nels Cline, Britta Phillips e Sean Lennon

texto de Luciano Ferreira

Talvez o rótulo de pop psicodélico seja a definição mais aproximada para o MGMT, mas ele não dá conta de todas as referências encontradas na música composta pelo duo, seja no novo “Loss of Life” (2024) ou qualquer outro de seus quatro álbuns antecessores. A verdade é que a psicodelia vinda dos sixties, com conexões com a lisergia dos trabalhos de Syd Barrett (do Pink Floyd), é apenas uma das muitas vertentes que coexistem na música do MGMT. Um olhar mais atento encontrará grandes traços do synthpop oitentista, flertes com o glam setentista (David Bowie e Roxy Music), com o indie dos anos 2000 e com a neo psicodelia 1990/2000, esbarrando em nomes como The Flaming Lips, Animal Collective, Panda Bear e Tame Impala, entre outros.

Essa faceta diversificada é algo que vem desde a estreia com o surpreendentemente aclamado “Oracular Spetacular” (2008), produzido por Dave Fridmann (Mercury Rev, The Delgados, The Flamings Lips) e que trouxe os hits “Time to Pretend”, “Electric Feel” e “Kids”, apresentando a dupla Andrew VanWyngarden e Ben Goldwasser para o mundo – “Oracular Spetacular” foi disco do ano no Scream & Yell batendo Tv on The Radio, Nick Cave & The Bad Seeds, Portishead, R.E.M. e Fleet Foxes.

Após uma seqüência de álbuns em que a dupla se permitiu dar uma variada em sua sonoridade, principalmente em “Congratulations” (2010) – que teve produção de Peter Kember (AKA Sonic Boom), do Spaceman 3 -, o MGMT passou a trabalhar com o produtor Patrick Wimberly em seu quarto álbum, “Little Dark Age” (2018), gestado num período de turbulências políticas que adentraram as músicas desse disco, inclusive a faixa título, um synthpop de tons oitentistas que conclama as pessoas e se posicionarem e agirem – que acabou sendo apropriada por grupos de direita no Tik-Tok.

Em “Loss of Life”, o MGMT, em alguns aspectos, retorna a sonoridade de seu primeiro álbum, mas com uma reduzida nos BPM’s das canções, entregando um álbum introspectivo e composto essencialmente de baladas e canções atmosféricas – sentimento reforçado pelo título do novo trabalho: “perda de vida”.

Tendo Wimberly novamente como produtor, e o colaborador de longa data Fridmann responsável apenas pela mixagem, o novo trabalho é guiado em grande parte pela melodia da guitarra acústica, mas rico em camadas sonoras, elementos musicais que surgem e se vão e dão novas dimensões aos arranjos – assemelhando-se ao estilo de produção pela qual Fridmann se tornou conhecido e requisitado -, algo comum na música do MGMT.

“Loss of Life 2” abre o álbum com a leitura de “I am Taliesin”, um poema inglês do século VI, por um professor de inglês. A faixa inicial, junto com a que conclui o álbum, “Loss of Life”, pretende sublinhar a ideia de início e fim e como elas estão intimamente conectadas, buscando amarrar o conceito do álbum. Ao longo de dois minutos, a voz vai sofrendo alterações, processamentos, mudanças de pitch, efeitos que dão dinâmica ao andamento da leitura, manipulacões que surgem acompanhadas por uma melodia bucólica sintetizada e que, quando cresce e parece que vai subir o tom, simplesmente diminui e acaba abruptamente.

Com participação do guitarrista Neils Cline, do Wilco, “Mother Nature”, um dos singles do álbum, é uma bela balada em que o MGMT admite ter algo de Oasis, embora seu arranjo de cordas e o estilo vocal nos remeta algumas décadas atrás, mais precisamente a fonte dos Gallagher, os Beatles. É uma faixa grandiosa centrada numa melodia reconfortante que cresce e emociona também pelos vocais suaves enquanto a letra fala não apenas sobre natureza, mas também sobre amizade: “Mas você precisa de um amigo / Para te levar para casa / Você tem que começar de novo”, ideia reforçada pelo videoclipe que mostra a amizade entre uma tartaruga e uma raposa.

Com “Dancing In The Babylon”, que tem a presença da francesa Redcar (Christine and the Queens), a dupla retorna ao seu lado multifacetado num arranjo que é uma verdadeira montanha-russa, quase como uma suíte, com arpegios de sintetizador de timbre oitentistas (assim como o eco usado na bateria), pianos, guitarras suingadas e mudanças de andamento. É o que se pode chamar de uma verdadeira apoteose sonora.

Vivendo uma “nova fase” o MGMT que encontramos em 2024 não é aquele que debutou em 2008, com jovens na casa dos 25 anos. Quarentões, o duo experimentou muito tanto como banda – após quatro álbuns de estúdio, eles saíram de um grande gravadora (a Columbia) e estão em um pequeno selo – quanto como indivíduos: Andrew se tornou pai recentemente. Com participação de Britta Phillips (Luna), “Phradie’s Song” soa como uma canção de ninar de canto quase sussurrado e barulhos de sinos infantis. Trata-se de uma pungente declaração de amor a sua filha de dois anos: “O sol da manhã está em suas mãos / E eu cantarei para você / Todas as noites, se você quiser”, ao tempo que fala sobre a (re)descoberta do amor: “Eu sonhei antes? / Parecia que eu não poderia mais amar”.

Apesar do título, de canções mais lentas e climáticas, em “Loss of Life”, luz é uma palavra que aparece em muitos momentos, como que um sintoma dessa nova fase em que a dupla se encontra, com um olhar mais positivo (de esperança), em contraste com a “pequena era das trevas” que se espalhou pelo trabalho de 2018. “A vida continua / Mostrando coisas que você não pode deixar de ver… E assim que o sol aparece novamente / Algo está bloqueando a luz / Mas está tudo bem”, são versos presentes em “People In The Streets”, canção de veia acústica, mas que, como quase todas as demais faixas do disco, é adornada por camadas sonoras, aqui com ênfase em synths vintage.

“Bubblegum Dog” tem participação de Sean Lennon nos teclados e é uma composição da época de “Little Dark Age” que acabou não entrando no disco. É uma balada com toques de glam, incluindo bateria espalhafatosa e cheia de viradas e um solo com aquele timbre característico dos anos 1970. Já “Nothing to Declare” remete ao bucolismo de canções de Simon & Garfunkel em uma bonita harmonia vocal, talvez a canção menos intricada do disco (“A luz das estrelas nunca vai me decepcionar”), mas ainda cheia de barulhinhos de fundo.

“Nothing Changes” é mais uma balada com uma instrumentação densa e vocal sóbrio ao estilo de Brett Anderson e a própria instrumentação, em crescendo, remete ao Suede, que, assim como o MGMT, bebe do glam rock old school.

Alguém já declarou que o MGMT compõe canções animadas com letras tristes, mas algo parece mudar em “Loss of Life”: aqui eles entregam letras esperançosas para canções reflexivas, sem necessariamente soarem tristes. O encerramento com a climática “Loss of Life” (com toques de Air) retoma a ambientação de “Loss of Life 2”, com sintetizadores densos dissertando sobre o ciclo da vida e a importância do amor, outro tema muito presente no disco: “Quando o mundo nasce e a vida está acabando / Então você aprende a amar sua perda de vida / Quando a manhã chega e a vida acaba / Qualquer um pode amar / Qualquer um pode amar”.

Pop psicodélico? Nada disso. Em “Loss of Life”, o MGMT oferece um leque de influências e referências que vai muito além do pop e do psicodélico, mostrando-se em constante mutação dentro de seu próprio universo musical, que abrange as diversas épocas da música pop. No fim soa como a visão deles mesmos para tudo isso. E, apesar de conseguir se comunicar com um público mais jovem, ainda valorizam o conceito de álbum num grande disco.

 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge : A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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