Três animações: “Wish”, “Patos” e “Orion e o Escuro”

textos por Marcelo Costa

“Wish – O Poder dos Desejos”, de Chris Buck e Fawn Veerasunthorn (2023)
Em um pequeno reino insuspeitavelmente feliz localizado em uma ilha do Mar Mediterrâneo vive Asha, uma garota encantadora de 17 anos prestes a encarar uma entrevista de emprego: ela está concorrendo a vaga de aprendiz do Rei Magnifico, um mágico todo poderoso que, após perder sua família, criou o Reino das Rosas com uma delicada mão de ferro, colhendo desejos de seus súditos (no melhor modelo “Jovem, ao completar 18 anos, alist… ou melhor, entregue seu sonho ao rei”), que os esquecem após entrega-lo ao monarca, e concedendo a um sortudo, mensalmente, a realização de seu sonho. Acontece que o avô de Asha está completando 100 anos, e seu desejo ainda não foi realizado, e ela quer aproveitar que estará próxima do rei para interceder em nome do velhinho, momento em que descobre que a benevolência do todo poderoso mago não chega até a página 2 do livro. Ela decide, então, resgatar os sonhos adormecidos de seu povo e na luta contra um todo poderoso mago receberá auxílio de sete anões, ops, sete amigos, e uma estrelinha mágica, que fará os animais falarem e resolverá qualquer problema, afinal, você sabe, estrelinhas mágicas podem fazer até bonecos de madeira falarem… Animação planejada para celebrar os 100 anos dos estúdios de Walt Disney com citações de clássicos da companhia, easter eggs e tudo mais, “Wish” até diverte e entretém, mas soa oca e vazia depois que a poeira da correria e das citações abaixa. A sensação é de que de tão imitada e copiada através das décadas, a Disney decidiu se autoplagiar enfileirando citações, reciclando personagens, mas esquecendo-se do principal: a história. Falta ambição, falta desejo em “Wish”. E sobra ao espectador a vontade de rever os clássicos empilhados aqui.

Nota: 5


“Patos”, de Benjamin Renner (2023)
Em um lago calmo numa bucólica floresta da Nova Inglaterra, no nordeste dos Estados Unidos, vivem diversas famílias de patos, incluindo os Mallard. O pai, Mack, superprotege seus dois pequenos patinhos, Dax e Gwen, o que de certa forma incomoda a mãe, Pam, que gostaria que seus rebentinhos explorassem o mundo. A vida da família é sacudida quando um grupo de patos migratórios a caminho da Jamaica pousa no lago para descansar, o que atiça os sonhos de Pam e os medos de Mack. O resultado, caro leitor, não é difícil de imaginar, não é mesmo, e isso não é demérito algum para “Migration” (título original), ainda que o fato do filme levar assinatura da Illumination (produtora responsável pelas franquias “Meu Malvado Favorito”, “Minions”, “Sing” e “Super Mario Bros”) e ter como roteirista Mike White, criador da série The White Lotus, tenha feito muita gente criar expectativas desmedidas, que o filme ousa não cumprir – fator que não atrapalhou sua bilheteria: “Patos” custou cerca de US$ 70 milhões e já arrecadou US$ 260 milhões – pois “Patos” é assumidamente genérico, mas (um, dois, três!)… divertido. Em sua tentativa de aprender a desapegar dos filhos (criamos eles pra vida, certo? Certo??), Mack levará sua família por aventuras perigosas e enriquecedoras como dormir dentro da frigideira de uma garça aparentemente assustadora em meio a uma tempestade, enfrentar um exército de pombos no Central Park por causa de um sanduíche e tentar salvar uma arara vermelha de uma gaiola num restaurante cujo chef, vilanesco, serve pato com laranja a seus clientes, entre muitos outros desafios. Se o roteiro é previsível (para os pais), as frases são afiadas e elegantes, as cores são fortes e a mensagem, fofa. Não vai revolucionar nada (precisa?), mas tem potencial de sobra para divertir crianças e abastecer a Illumination de mais umas quatro ou cinco sequencias…

Nota: 7


“Orion e o Escuro”, de Sean Charmatz (2024)
Orion é um garotinho ansioso de 11 anos com uma lista interminável de medos, que ele carrega listados em um caderninho (que sempre abre espaço para novos medos): ele teme responder errado numa chamada em sala de aula (ainda que saiba a resposta certa), mosquitos, abelhas, e ser rejeitado por sua paixão escolar, Sally (na verdade, por todas as garotas). Ele também tem medo de entupir a privada e inundar a escola, de fazer o time perder e, sobretudo, do Richie Panici, o menino mais velho e valentão do colégio. Sobretudo, Orion tem medo do escuro. “Sei o que você quer, pai, me contando essa história”, diz uma garotinha em certo momento. “Está me contando como você superou o seu medo de escuro para que isso ajude a superar o meu medo do escuro”… Este pai, inventando uma história (que passará por vários… improvisos) pra filha, é uma das sacadas bacanas de “Orion and the Dark” (no original), segundo livro da ilustradora britânica Emma Yarlett, lançado em 2014, que teve os direitos de produção adquiridos pela DreamWorks Animation, distribuição pela Netflix, direção de Sean Charmatz e roteiro bacana escrito por… Charlie Kaufman – ele mesmo, o gênio por trás de “Quero Ser John Malkovich” (1999), “Adaptação” (2002) e “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças” (2004), e, ok, pelos exageros de “Sinédoque, Nova York” (2008). E se você tem Charlie Kaufman na função, não deve esperar um filme… facinho, certo? Certo. “Orion e o Escuro” é uma delícia, mas crianças pequenas podem ter pesadelos à noite, e olha que o Escuro é um grande cara, mas a Insônia e os Barulhos Inexplicáveis podem trazer certo desconforto que nem o Silêncio e os Bons Sonhos conseguem aliviar. Caótico, neurótico e aterrorizantemente fofo, “Orion e o Escuro” merece a sua atenção (e a do seu filho… mesmo que ele procure por você no meio da noite depois – ele vai procurar), afinal Charlie Kaufman merece nossas noites agitadas e nossos sorrisos.

Nota: 7.5

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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