24 horas em São Paulo, quatro shows

texto por Marcelo Costa
fotos por Liliane Callegari

2011 começou agitado na cidade de São Paulo. Foram poucos mais de 20 dias repletos de bons shows, todos em horários decentes. Primeiro foi Cidadão Instigado e Karina Buhr, no CCBB (o mesmo local recebeu Maquinado, Edgard Scandurra e Retrofoguetes). Depois vieram Wander Wildner (veja quatro vídeos do show aqui), Thiago Pethit cantando canções de Lou Reed (leia  o texto sobre o show aqui) e Lestics (veja quatro vídeos do show aqui), e neste fim de semana de feriado a programação foi sensacional.

A festa começou com o Cérebro Eletrônico, na sexta-feira (21/01), lançando um dos grandes discos de 2010, “Deus e o Diabo no Liquidificador”, no Auditório Ibirapuera. A austeridade do local – ainda que diminuída com uma bela decoração de palco – não incomodou os fãs, que saudaram com gritos a belíssima “Cama” logo em seus primeiros acordes, mas algo (talvez insegurança) impediu que o show deslanchasse e se tornasse inesquecível.

O quinteto paulistano parecia nervoso no Auditório e uma distância se fez entre artista e público, abrindo uma rachadura na apresentação que permaneceu durante quase todo o show. As grandes músicas do novo disco (“Decência”, “Sóbrio e Só”, “Os Dados Estão Lançados” e “Desquite”) ainda carecem de bons arranjos ao vivo soando imperfeitas, menores, na transposição do estúdio para o palco. Hélio Flanders cantou (no disco e no show) “Garota Estereótipo”, uma das mais fracas do álbum, que cresceu e ficou bem melhor ao vivo.

“Dê”, um dos hits do álbum anterior, perdeu força com uma introdução à la Flaming Lips (a banda de Wayne Coyne surge como referência para o grupo no palco), mas foram as velhas canções que se descataram, como “Mar Morro”, o grande momento da noite. “Pareço Moderno” (a música conceito do grupo) foi desperdiçada como símbolo de comemoração, com todos os convidados no palco e muito improviso. Um grande disco merece um grande show. Que o Cérebro chegue até ele.

No sábado de manhã, com um baita sol de 40 graus queimando a moleira (se não estava 40 graus, a sensação era de estar), os mineiros do Pato Fu reuniram um excelente público familiar para mais apresentação de seu belíssimo show baseado no disco “Música de Brinquedo”, com covers de várias épocas tocadas com instrumentos de brinquedo e com o auxílio luxuoso de um coro de crianças, que acaba soando estranho em disco. No show, as crianças cedem seus lugares a dois monstros da companhia de teatro de bonecos Giramundo, que cumprem muito bem a função de backings vocal – e acabam divertindo pequenos e marmanjos.

A apresentação, além de contar com vários números do disco, ainda conta com versões de canções do repertório do Pato Fu como “Eu” (com Xande Tamietti arrasando na mini bateria), “Perdendo Dentes”  (com Xande, desta vez, “tocando” pogobol) e “Sobre o Tempo” (aqui, o baterista “toca” um João Bobo!). Entre os grandes momentos estão “Sonífera Ilha”, “Rock And Roll Lullaby” (com Fernanda relembrando e brincando: “Essa é uma música dos bailinhos da minha adolescência. Naquela época ninguém queria dançar comigo. Hoje todo mundo quer”), “Live And Let Die” e “Ska”, com John Ulhoa dando um show no kazoo (um apitinho estridente que faz as vezes do sax que George Israel toca na versão clássica dos Paralamas do Sucesso).

John Ulhoa ainda diverte-se alternando entre uma mini guitarra e um mini violão e improvisando com apitos, galinhas de borracha e um caderno cuja caneta emite sons – além de outros badulaques infantis que fazem barulhinhos. Já Ricardo Koctus ataca as cordas de seu mini contrabaixo retirando um belíssimo som do instrumento – encarregado de levar várias canções, a grande maioria respeitando os arranjos originais. Fernanda Takai, por sua vez, canta e encanta (e faz piadas). E o Pato Fu segue imbatível no posto de melhor banda do País (ou banda mais inteligente, ou banda mais improvável: escolha você o adjetivo.

Após o sol da manhã no Ibirapuera, o próximo encontro musical do dia era com o Los Porongas, que retornam, quatro anos após um excelente álbum de estréia, com o primeiro grande álbum da música brasileira em 2011. “O Segundo Depois do Silêncio”, recém-lançado (no Acre) segundo disco do quarteto, já está rolando em alguns lugares (duas músicas, “Sangue Novo” e “Silêncio”, podem ser baixadas no site oficial gratuitamente: http://www.losporongas.com.br/) e é excelente.

Após abrir o ano lançando o álbum com um show no Rio Branco, no Acre, o quarteto baixou em São Paulo, no Sesc Consolação, em um sábado à tarde (pré-festival de raios e trovões), para mostrar diversas faixas do disco novo (entre elas “O Lago”, “Silêncio”, “Dois Lados” e “A Verdade”) ao lado de grandes números do álbum de estréia (“Espelho de Narciso”. “Nada Além”, “Enquanto Uns Dormem”, “Não Há”) além de uma cover poderosa de “Come Together”.

A banda continua matadora no palco. Diogo Soares (num visual meio Jim Morrison) continua cantando muito e interagindo bem com a platéia, que tinha as canções antigas, na ponta da língua. A mão pesada de Jorge Anzol conduz a bateria com estilo na companhia do baixo de Márcio Magrão, sempre muito bem colocado dentro da canção. Já a fúria e o veneno dos ótimos riffs da guitarra de João Eduardo são um show à parte formando uma sonoridade coesa e encorpada. Anote: “O Segundo Depois do Silêncio”, desde já um dos grandes discos de 2011 (assista a quatro músicas do show aqui).

Para fechar a maratona de grandes shows da sexta e sábado, Móveis Colônias de Acaju lançando no Auditório Ibirapuera o DVD gravado ali mesmo no ano passado. A primeira das duas noites concorridíssimas do noneto de Brasília trouxe três números surpresa além de um mergulho na carreira que rendeu o renascimento da inenarrável “Sr. Inácio Péricles Não Sabia Surfar” e de “Eu.nasci.com.fama”, duas faixas do primeiro EP do Móveis, de 2001 (disponível para download no site oficial).

Eles conseguiram fazer muito bem a passagem do primeiro álbum para o segundo (os fãs numerosos amavam o primeiro disco, e após um período de adaptação passaram a amar igualmente o segundo, que rende vários dos grandes momentos do show), e agora começam a fazer a ponte para o vindouro terceiro álbum. Tanto que neste show estrearam uma faixa nova, “A Ida”, e duas covers muito bem sacadas (“Eu Também Vou Reclamar”, de Raul Seixas, e “A Menina Dança”, dos Novos Baianos), que serviram para acalmar o público – e a própria banda.

Afinal, é preciso ter fôlego e pique para acompanhar com um sorriso no rosto e braços levantados o tempo todo canções como “Café Com Leite”, “Descomplica”, “Bem Natural”, “Adeus”, “O Tempo”, “Cheia de Manha”, “Cão Guia”, “Aluga-se-Vende” e, claro, o grande momento, “Copacabacana”. O público, que antes de começar o show já tinha quebrado o protocolo do auditório abandonando os lugares numerados para se postar em frente ao palco, abriu um quadrado e fez a festa naquele que é (de uns cinco ou seis anos pra cá) um dos melhores shows do Brasil. Quer se divertir? Vá a um show do Móveis. Não tem erro.

A agenda de shows para este janeiro excelente em São Paulo ainda prevê Walter Franco reabrindo a Biblioteca Mario de Andrade (25/01, 11h), a Nação Zumbi dividindo o palco com Ava Rocha no CCBB (25/01 em dois horários: 13h e 19h30), e Frank Jorge (no Sesc Vila Mariana) e Violins (no Auditório Ibirapuera) dividindo as atenções na sexta-feira dia 28/01.  No domingo, dia 30/01, o Macaco Bong sobe ao palco do Auditório Ibirapuera para fechar o mês na compania de Siba e Vitor Araújo. E fevereiro começa com Vampire Weekend…

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– Marcelo Costa é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne
– Todas as fotos por Liliane Callegari exceto as duas do Los Porongas, por Marcelo Costa

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Leia também:
– “Deus e o Diabo no Liquidificador”, Cérebro Eletrônico, por Marcelo Costa (aqui)
– Móveis Coloniais de Acajú explica faixa a faixa o álbum “C_mpl_te” (aqui)
– Pato Fu duas vezes ao vivo em São Paulo, 2010, por Tiago Agostini (aqui)
– Los Porongas: um choque entre o rock setentista e a MPB, por Marcelo Costa (aqui)