Música: Do Amor, Do Amor

por Yuri Castro

O Do Amor lança agora seu primeiro álbum com canções que estrearam em 2008, no Rio de Janeiro. Mais precisamente, era um sábado de janeiro típico de uma cidade como o Rio: turistas espalhavam-se nos arredores de Copacabana, a estação Cardeal Arcoverde parecia ainda mais pacata e jovens se aglomeravam na porta da Sala Baden Powell para assistirem o então relevante Humaitá Pra Peixe. Éramos todos turistas também. Nem tão brancos quantos os que costumam andar próximos ao Copacabana Palace, mas quase crus em relação às atrações do cardápio HPP08. O prato do dia era o Vanguart, de Hélio Flanders, então a banda dos ovos de ouro do rock nacional. De entrada, serviram Do Amor.

Não é preciso explicar que o carioca arranjou um jeito de subverter a lógica. O Vanguart apresentou-se aos seus (poucos) pares da platéia. Antes, o desleixo, as piadas internas e, por isso mesmo, o carisma, fez com que o Do Amor ganhasse o coração e os sorrisos de uma platéia que, se soubesse como seria o andamento chocho do festival, riria e aplaudiria e – enfim – entenderia ainda mais o que os meninos estavam fazendo no palco. Mas há uma dinâmica que não vem sendo respeitada pelo mercado independente do Brasil. Com algumas exceções, álbuns são lançados com uma distância considerável entre o que pode ser entendido como hype e definitivo. Se “Idem”, do Móveis Coloniais de Acaju, não é um álbum sensacional, não pode ser jogado ao limbo. Respeitou – e bem – o que se via na banda logo quando ela surgiu. Quem faz o contrário, tem visto um pôr-do-sol cruel e enfrentado frio ao cair da noite. O debute homônimo da banda Do Amor pode vir a encarar este ocaso.

Na sala Baden Powell, os versos de “Morena Russa” grudaram na platéia assim como “Cachoeira”, tecnicamente um single que foi lançado pela banda quase um ano antes deste novo álbum, causou alegria. Mas até ali, o Do Amor não era lido pelo mundo como uma banda propriamente dita. Era um projeto de músicos competentes que tocavam com artistas de renome. E mesmo que a expectativa e os próprios integrantes criassem alguma atmosfera bem propícia a um rompante definitivo (o baterista Marcelo Calado desligou-se do Canastra a fim de dedicar-se mais ao Do Amor), tudo ali era um esboço de piadas indies vindas da mesa do bar. E era engraçado. E funcionava bem.

A música é imortal, vale relembrar, mas idéias perecíveis tendem a obedecer a certas leis naturais. A aterrissagem da banda à oficialidade dos lançamentos pode ser encarada como aquela piada que você não pode oferecer aos seus pais com o objetivo de encher o ambiente com uma gargalhada geral. Certas anedotas são restritas a um grupo, a um micro contexto e, se você desobedece e teima em narrá-las, sente-se deslocado. Seu pai não enxergar a mesma graça que você confere ao Hermes e Renato, não o impede de rir bastante com a saga de “Charlinho”. Conquanto extrapole barreiras, a arte é universal.

Este é um campo perigoso e, por isso, se têm perdido muito tempo ao analisar música pelo viés antropológico. Não que esse lado não importe. É pertinente e deve ser feito. Mas não como principal argumento de defesa. Se você está tentando convencer alguém a ouvir o Do Amor porque “de fato, nosso país, intercala-se nesse presente trabalho em um movimento que não respeita as segregações impostas pelos meios tradicionais de comunicação no âmbito musical e, finalmente, fonográfico”, desista. Você não está oferecendo música.

Assim, “Pepeu Baixou em Mim”, “Dar Uma Banda”, “Chalé”, “Vem Me Dar”, por exemplo, não cativam ninguém que possa se assemelhar com os gêneros que são tascados no grupo. A Guitarrada pode ter marcado presença de alguma forma. O axé pode estar ali também. Que mais? Quer Monty Python? Então vamos nessa. Mas a diluição é tanta e – mais importante – tão desinteressante para o ouvinte acostumado com estes gêneros que algumas perguntas ficam no ar. Afinal, é piada? É uma homenagem? É diversão? Não dá pra responder com certeza, pois é tudo meio-termo, é tudo mais ou menos.

Com produção de Chico Neves e lançado pela Mais Brasil Música, “Do Amor” faz piada, homenageia e diverte. Pelos verbos, é possível até esbarrar em Raimundos. Faziam piadas, homenageavam e divertiam; não eram inofensivos, no entanto. Os rapazes do grupo carioca estão apostando na música como algo que não transpõe, que é inerte. Passando a régua, a mistura de ritmos e sotaques de “Do Amor” não chega aos pés do constrangimento oferecido por coletâneas brasileiras feitas para turistas. Mas, de alguma forma, inaugura uma nova seção de constrangimento para o ouvinte. Seja ele americano de camisa florida e interessado nas misturas clichês por aqui ofertadas ou seja este um simples adolescente interessado em humor intencionalmente escrachado.

Gustavo Benjão, Marcelo Calado, Ricardo Dias Gomes e Bubu parecem não saber disso e vão trilhando um caminho que, de certa forma, mascara este processo. Por isso, inclusive, estão até bem distantes daqueles que trabalham na inércia musical faturando milhões com carteira assinada e lugares cativos. Por outro lado, a idéia legal, até em seu nome completo, Conjunto Musical Do Amor, deu lugar apenas a mais um aparente passo em falso. Aparente. Se acertado, quem sabe, possa vir a se tornar um caminho saudável para a música brasileira. Pelo menos, a próxima década do rock brasileiro poderá ter um xodó para chamar de seu e, quem sabe, colocar na prateleira ao lado de “Cê”, penúltimo álbum de Caetano Veloso, que parece ter sido feito pelas versões adultas dos garotos Do Amor. Alguém arrisca uma previsão?

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Yuri Castro é jornalista e produtor das rádios Litoral FM e Gazeta AM

11 thoughts on “Música: Do Amor, Do Amor

  1. Ouço o disco, e leio a conjuntura basicamente da seguinte forma, Yuri: Um somatório de homenagens e piadas que se sustentam pra um público reduzido. O minimalismo das letras, as texturas pseudo-bregas, a guitarrada, tudo isso é prato cheio pra quem está de olho faminto na cena, que percebe de cara – mesmo por conheceer os integrantes da banda de seus outros trabalhos “versáteis” – o que vai rolar durante todo o álbum.

    Mesmo “novos indies” – uma galera que veio não na cauda da LH, mas na cauda da nova fase da Mombojo e das femmes fatales que recheiam nossa cena indie – não conseguem entender bem o disco. Acredito até que indies de outros estados – off eixo Rio-SP – tenham certa dificuldade em assimilar o disco de estréia do camarada Benjão e cia.

  2. Me lembrou bem o que aconteceu quando vi o shows dos caras aqui em Salvador acompanhado de um pessoal que não conhecia. Enquanto eu curti as musicas me divertindo horrores e achando sensacional o que os caras estão fazendo, o pessoal comentou logo após que não gostou do que viu. E eu me limitei a dizer: “acho que vocês não entenderam…”
    Se a piada é datada ou restrita a meia duzia(grupo no qual não me vejo incluído por n questões) eu não sei, mas acho o som deles irresistivel, acho que faltam mais bandas com o espirito da Do Amor por aí.

    Quem sabe daqui a algum tempo, com um som mais maduro e um disco mais acessível, os caras estourem e virem A Banda do momento.

  3. Eu particularmente não me considero “indie” – aliás, indies “true” não conseguiriam nunca gostar do disco da Do Amor – e achei o disco (e o show, que vi 2 vezes) sensacional. Não o vejo como uma piada, embora o humor esteja presente em quase todas as faixas. Gosto do disco porque ele soa bem, as músicas são boas e a banda é muito boa (embora não sejam lá bons vocalistas) e a banda deixa sua marca, sua sonoridade, esteja ela tocando axé, carimbó ou samba-rock – como já disse o Zé Flávio Jr., o carimbó da Do amor é roqueiro, o próprio axé de “Cachoeira” vira rock no refrão. O mesmo faz a banda baiana Retrofoguetes, que de banda de surf music se tornou banda instrumental que toca tango, chá chá chá, country, surf music, rock,mas tudo com a “pegada” Retrofoguetes… enfim, eu acho que estão entendendo errado a banda mesmo. E daí se nem todo mundo “entender”? Só sei que em Salvador, no show na Concha Acústica, o show foi muito divertido e fez sucesso e o disco está entre os melhores do ano pra mim.

  4. O disco desce bem que é uma beleza. Mas não é nenhuma maravilha. Diverte demais. Mas não vai me “marcar”. Dá pra dançar, dá pra sorrir, pra chorar… e pra esquecer.
    Enfim… me lembrou os últimos do Weezer… descem bem, algumas poucas músicas espetaculares e outras tantas pra se esquecer.

  5. Sei não, acho que o disco ficou engraçado demais, e não existe nada mais sem graça que banda engraçadinha… “Dar uma Banda” por exemplo, é quase Mamonas Assassinas, e isso é triste.

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