Música: “Assume Form”, James Blake

por Lucas Guarniéri

Que James Blake está à frente do seu tempo todo mundo já percebeu logo em seus primeiros trabalhos (é impossível dar play no cover de “There’s a Limit to Your Love” da Feist e não se impressionar com a qualidade técnica). Em “Assume Form”, seu quarto álbum lançado no meio de janeiro, o jovem londrino está alcançando um lugar na mesa dos adultos. Gente grande mesmo: Beyoncé, Kendrick Lamar, Andre 3000, Frank Ocean e Jay-Z, isso só pra citar alguns. A pergunta que fica agora é: depois de dois álbuns unânimes entre a crítica e uma fila imensa de artistas gigantes procurando seus dedos mágicos de produtor, o que ele tem para nos dizer em 2019?

Antes de qualquer coisa, vale lembrar que o superficial nunca foi algo convidativo à James Blake. A preferência sempre foi o denso, profundo, escondido, mascarado, intenso e dolorido e em “Assume Form” tudo isso ainda está lá e pode ser enxergado sob uma fina camada de seda que representa uma abordagem simples e quase paradoxal sobre assuntos da ordem humana.

O poder do disco é tão sublime que a impressão que fica depois de ouvir com muita atenção é que James teve diversos encontros consigo mesmo. Sentado em frente ao espelho, perguntando com muita veemência o que o torna diferente dos outros, para o bem e para o mal. A resposta nos é dada nas músicas por meio de um movimento de assumir uma forma, a sua verdadeira. De alguém que entende que distorcer a percepção de si próprio só resulta em um prejudicado. A letra da música homônima que abre o disco é a evidência disso. Em um espaço que por vezes nos parece limitado (3 a 5 minutos de uma faixa normal), ele foi capaz de traçar uma trajetória de superação de algo muito importante de ser deixado para trás e como resultado disso, agora poder gozar do privilégio de amar alguém verdadeiramente, aceitando a si próprio e assim se permitindo a aceitar o outro em sua vida. É uma reflexão fluida para si mesmo em voz alta e nosso papel ali é de conhecer o lado de um menino que, apesar de ter a indústria da música aos pés, sofre com inseguranças completamente relacionáveis, “when you touch me, I wonder what you would want with me”.

A simplicidade ao falar de assuntos tão intangíveis com a escolha do instrumental perfeito para seguir a letra, que transita ora por deixar as palavras ganharem força sozinhas, ou como mero aparato de traduzir com exatidão aquele sentimento que precisa ser colocado para fora naquele momento, iguala esse álbum aos dois primeiros em questão de qualidade. O resultado é no mínimo etéreo! “Barefoot in the Park”, a faixa 5 (que conta com a presença de Rosalía, um dos grandes nomes da música em 2018), é outro exemplo dessa nova abordagem simplista e de um jogo de mostra e esconde de alguém que compreende o lugar das memórias. “Descalço no estacionamento” é uma frase simples que no contexto do disco ganha ares íntimos, intraduzíveis e que deve ser guardado com todo seu significado para os dois que viveram aquele momento. A nós basta imaginar!

Outro verso powerhouse do disco se dá pela maneira em que ele encontra para falar de amor: “Are you in love? Do your best impression for me”. O amor que a gente conhece na música, desde os Beatles, é aquela ideia de reciprocidade e um final feliz. Para James Blake é suplicar o sentimento, ou pelo menos a encenação dele. “But I promise you, your place is safe / Now what about mine?”. A ideia de não ser amado por aqueles que amamos dói, nele e em toda pessoa que habitam a terra.

Por fim, “Assume Form” fecha uma trajetória muito bonita: de um James Blake que cresceu exageradamente dentro dele mesmo, passa a ver cor em tudo que o cerca e agora assume a forma final cuja maior transformação foi a de falar de si mesmo com a leveza de um dente de leão ao vento. Um novo James que segue a própria tendência de transformação que no álbum homônimo passa dos bastidores para à frente do palco como um sólido artista, no segundo, “Overgrown”, transforma o silêncio em um elemento indispensável na construção de clima e mesmo no terceiro, “The Colour In Anything”, que não alcançou os antecessores em termos de potência e crítica, conseguiu se aventurar no maximalismo.

– Lucas Guarniéri (fb/lucasguarnieri7) é mineiro, estudante de publicidade e apreciador da boa arte

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– James Blake, a revelação de 2011 é um intérprete poderoso, por Bruno Capelas (aqui)

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