Boteco: Cinco países, dez cervejarias

por Marcelo Costa

De Woodinville, Washington, nos Estados Unidos, a Redhook Ale Brewery retorna ao Scream & Yell após ter estreado aqui com a Long Hammer IPA. Desta vez, quem marca presença é a ESB, cuja receita, segundo o site oficial, aposta na combinação dos maltes Pale e Crystal com o lúpulo Willamette. De coloração âmbar com creme bege clarinho, quase branco, de boa formação e média retenção, a Redhook Extra Special Bitter exibe um aroma agradável com as notas tradicionais do estilo: muito caramelo, bastante biscoito, leve herbal e presença sutil de tosta. Na boca, doçura de caramelo com leve herbal no primeiro toque, que vai se abrindo de maneira frutada na sequencia e trazendo consigo sugestão de grapefruit. A textura é suave com leve picância de lúpulo. Já o amargor é levezinho, 28 IBUs que abrem caminho para que o malte passeie pela boca num conjunto que une caramelo, grapefruit suave e biscoito. No final, amargor bem levezinho. O retrogosto, por sua vez, traz grapefruit, biscoito e mel.

De Portland, no Oregon, a terceira da Widmer Brothers surge por aqui. Após a Hefe e a Drop Top Amber, agora é a vez da Northwest IPA da casa. Na receita, maltes Pale, Wheat e Caramel e lúpulos Alchemy, Chinook, Simcoe, Brewer’s Gold, Willamette e Nelson Sauvin. De coloração alaranjada com creme branco de boa formação e média retenção, a Widmer Upheaval exibe um aroma caprichado com notas cítricas (toranja), herbais (pinho) e resinosas, na pegada da velha escola de American IPA. Na boca, amargor, resina, ervas e toranja, tudo junto desde o primeiro toque. Na sequencia, a pancada de amargor é média, mas os 85 IBUs se arrastam pela boca e garganta deixando um traço suave de resina pelo caminho, que se prolonga. A textura é suave com leve picância e, dai pra frente, surge um conjunto que valoriza o lúpulo em primeiro lugar, mas deixa um espacinho pra doçura de malte, lá distante, tentar amaciar o exagero. No final, amargor e resina. No retrogosto, mais amargor, mais toranja e leve resina. Boa.

Dos Estados Unidos para o Brasil, mais precisamente para Bragança Paulista, casa da cervejaria Bragantina, que marca presença com a Prainha Seriguela Gose, “naturalmente acidificada por lactobacilos e fermentada por levedura cervejeira, recebe ainda adição de especiarias, sal marinho e seriguela”, avisa o Untappd. De coloração amarelo palha tão clarinha que parece branca. A formação de creme é baixa e desaparece em segundos (típico do estilo). No aroma, doçura cítrica encantadora de seriguela com percepção de acidez suave e também de sal. Na boca, a fruta chega antes no primeiro toque, mas ainda é possível perceber fragmentos de sal, que vão aumentando na sequencia, e acidez comportada, que se manterá assim por todo o percurso. A textura é levemente frisante. Dai pra frente, uma cerveja altamente refrescante e deliciosa, com a fruta muito bem inserida, e valorizada, mas sem se sobressair ao estilo. No final, doçura frutada e sal. No retrogosto, adstringência suave, salgado e azedinho delicioso. Baita!

A segunda brasileira sai do estado de São Paulo e cruza a fronteira para o Rio de Janeiro e é mais uma 3Cariocas, uma das minhas cervejarias favoritas de 2017! Depois de ter escrito sobre cinco deles (aqui), agora é a vez de chegar a Lapa com a 3Cariocas Lapa, uma APA aromática e refrescante que apresenta uma coloração dourada com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, encantadoras notas frutadas cítricas (laranja, manga e abacaxi, tudo puxado para o doce) e um suave floral sobre uma doçura discreta, que remete a pão doce. Na boca, doçura frutada cítrica apaixonante com um traço mínimo de amargor no primeiro toque, e que se abre na sequencia amplificando frutas, amargor (ainda que com suavidade) e doçura. A textura é levemente picante e o amargor honra os 40 IBUs, que refrescam o freguês. No final, amargor cítrico. No retrogosto, laranja, abacaxi, manga e até maracujá. E refrescância. Que belíssima APA!

Do Rio de Janeiro partimos para o território da Valônia belga, mais precisamente Le Roeulx, cidade que abriga a cervejaria St. Feuillien, responsável pela versão original desta Grisette, uma Witbier que agora retorna em sua Bio (orgânica) exibindo uma coloração mais para Blue Moon (EUA) do que para Hoegaarden (Bélgica), um amarelo puxado para o dourado de creme branco de boa formação e média duração. No nariz, levedura belga, coentro, doçura de trigo e cítrico envolvente chamam a atenção do bebedor no aroma. Já na boca, condimentação e doçura de trigo são os destaques no primeiro toque, com coentro e leve cítrico na sequencia. A textura começa suavemente picante, e língua vai fervilhando com condimentação e levedura. Dai pra frente, uma bela Witbier, aparentemente mais condimentada e efervescente que a versão original, mas também muito gostosa. No final, condimentação e doçura de trigo. Já o retrogosto traz levedura, picância condimentada, coentro e cítrico. Bem interessante.

Ainda na Bélgica com um hit aqui de casa, a sensacional Duvel Tripel Hop, que em 2017 chega a sua versão definitiva: depois de variar uma sequencia de novos lúpulos por ano (você pode conferir no Scream & Yell o comparativo de 2013, 2014, 2015 e 2016), a versão 2017 chega com o lúpulo definitivo, após uma votação com 5 mil fãs da cerveja, que optaram pelo retorno do norte-americano Citra (usado pela primeira vez em 2012) para acompanhar os dois lúpulos da Duvel original, o tcheco Saaz e o esloveno Styrian Golding. De coloração dourada e creme branco de excelente formação e média alta retenção, a Duvel Tripel Hop Citra exibe um aroma que valoriza as notas cítricas (do Citra) combinando com o apelo floral do Saaz. Na boca, cítrico caprichado com leve floral remetendo a champagne, uva verde e vinho branco. O amargor, na sequencia, é potente, mas não intimidante. Já a textura é sedosa e levemente picante. Dai pra frente, uma cerveja incrível que une uva, limão, herbal, amargor, álcool (9.5%) e felicidade, tudo isso numa mesma taça. O final é seco e achampanhado. No retrogosto, secura, álcool e… mel. Incrível, incrível.

Das Bélgica para a Alemanha, mais precisamente Homburg, cidade próxima de Frankfurt que abriga uma das cervejarias da poderosa Karlsberg, responsável pela produção da cerveja da banda AC/DC, lançada oficialmente em 2012, mas que teve a arte da lata retrabalhada para a turnê do álbum “Rock or Bust” (2014). Trata-se de uma German Pilsener tradicionalíssima (como o som do AC/DC) de coloração dourada e creme branco de boa formação e permanência. No aroma, cereais, caramelo, biscoito e um leve floral. Na boca, um tiquinho de caramelo, um pouco de amargor e outro tanto de papelão (um off-flavour “clássico” do estilo). A textura é suave e, dai para frente, surge um conjunto que fica entre uma Premium American Lager e uma German Pilsener, sem tanto arrojo para ser a última, mas sem ceder tanto a ponto de soar a primeira. No final, biscoito, caramelo, um leve herbal e amargor sutil. No retrogosto, um pouquinho de papelão, herbal e biscoito. É uma “Rock or Bust”, não um “Back in Black”.

Ainda na Alemanha, mas agora em Ettal, na Baviera, a terceira Benediktiner (após a Weissbier e a Weissbier Dunkel) a passar por aqui: Hell, uma Dortmunder Helles Lagerbier produzida na fábrica da Bitburger. De coloração dourada com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Benediktiner Hell exibe um aroma com sugestão de cereais, biscoito e pão doce em destaque com um leve herbal, discretíssimo, remetendo a grama cortada. Na boca, doçura, cereais e um leve cítrico chegam juntos no primeiro toque seguido de refrescancia e amargor bem suave. A textura é suave e vai ficando cremosa. Dai para frente, o conjunto prima pela leveza e refrescancia (características básicas de uma Dortmunder) com um doçura bem suave, herbal discreto e amargor leve. No final, refrescancia e cereais. No retrogosto, mais um pouco de cereais, biscoito e grama cortada.

Da Alemanha para a Inglaterra com a terceira Belhaven a passar pelo blog (as anteriores foram a Twisted Thistle IPA e a Scottish Oat Stout): Wee Heavy / 90 Shilling, uma Scotch Ale que exibe uma coloração âmbar avermelhada com creme bege clarinho de boa formação e média alta retenção. No nariz, derivados da tosta do malte comandam a experiência com caramelo, frutas escuras (nozes, ameixa em calda, amêndoas e uva passa), melaço e toffee, suave. Na boca, doçura frutada de calda de ameixa intensa no primeiro toque, que se abre para caramelo e melaço na sequencia, com leve remissão a vinho do Porto e frutas escuras. A textura é sedosa, quase licorosa, com baixa percepção dos 7.4% de álcool. Já o amargor é praticamente nulo, com a doçura caramelada e um toffee derivado da tosta comandando o conjunto. No final, doçura e toffee. No retrogosto, mais toffee e também calda de frutas e leve calor alcóolico. Boa.

Ainda nas ilhas britânicas com mais uma Adnams, de Southwold, a marcar presença por aqui. Desta vez, quem representa a cervejaria é a Blackshore, uma Dry Stout cuja receita capricha no blend de maltes (Pale Ale, Brown, Chocolate, Double Roasted Crystal e Roasted Barley) e os une aos lúpulos britânicos Phoenix e British. O resultado é uma cerveja de coloração marrom bem escura com creme bege espesso de boa formação e média retenção. No nariz, aroma de chocolate mais para ao leite do que para amargo e leve derivação de torra sugerindo café. Na boca, a torra está um pouco mais presente (trazendo consigo um leve metálico), mas ainda é o chocolate que dá as cartas no primeiro toque. Na sequencia, maciez e amargor suave, adjetivo que também marca presença na textura, acrescida também de um leve metálico. Dai pra frente surge um conjunto saboroso, que valoriza o blend de maltes e exibe elegância e maciez. No final, chocolate e café. O retrogosto acrescenta alcaçuz e leve amargor. Boa.

Balanço
Abrindo a série com uma cerveja de Washington, a Reddhook ESB, que consegue dar um leve colorido ao clássico estilo britânico sem desconfigura-lo, um mérito, ainda que o resultado seja respeitoso demais. Já a Widmer Brothers IPA é escola Old American IPA em sua essência, com amargor e resina saltando pra tudo que é lado. Muito boa. Melhor ainda é a Bragantina Prainha Seriguela Gose, do interior de São Paulo, que consegue unir doçura de fruta, sal e refrescancia efervescente numa mesma garrafa. Uma delicia. Saltando ainda mais alto com uma das melhores APAs do país na atualidade: 3Cariocas Lapa! Quero um caminhão pipa dela! Partindo para a Bélgica com a Grisette Bio, que se mostrou uma Witbier bem interessante, com muita condimentação, levedura marcante e refrescancia deliciosa. Curti. A outra belga é hors-concours, uma das minhas cervejas prediletas da vida, Duvel Tripel Hop aqui em sua versão final, com o lúpulo Citra coroando uma das melhores cervejas do mundo (para mim). O melhor a ser dito da cerveja do AC/DC é que ela é um Rock Or Bust, não uma Back in Black. Dispensável. Já a Benediktiner Hell entrega a suavidade e refrescancia que uma Dortmunder precisa entregar. A Belhaven Wee Heavy / 90 Shilling também entrega caprichadamente o que o estilo Scoth Ale propõe. Fechando com uma boa Dry Stout da boa inglesa Adnams, a Blackshore, que já veio ao país no formato de galão de 5 litros, um sonho de consumo.

Redhook ESB
– Estilo: Extra Special Bitter
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.8%
– Nota: 3,00/5

Widmer Upheaval IPA
– Estilo: American IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,44/5

Bragantina Prainha Seriguela Gose
– Estilo: Gose
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.2%
– Nota: 3,60/5

3Cariocas Lapa APA
– Estilo: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.7%
– Nota: 3,77/5

Grisette Bio
– Estilo: Belgian Witbier
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,54/5

Duvel Tripel Hop Citra
– Estilo: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 9.5%
– Nota: 5/5

AC/DC Rock Or Bust
– Estilo: German Pilsener
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2.24/5

Benediktiner Hell
– Estilo: Dortmunder
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3.01/5

Belhaven Wee Heavy / 90 Shilling
– Estilo: Scotch Ale
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 7.4%
– Nota: 3.41/5

Adnams Blackshore Stout
– Estilo: Dry Stout
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 4.2%
– Nota: 3.19/5

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– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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