Cinema: O Deus da Carnificina

por Adriano Costa

Um parque é mostrado ao longe, inicialmente sem muita relevância. Nele, algumas crianças andam bem próximas e uma pequena desavença tem início. Não sabemos quais são as palavras ditas na discussão e muito menos o motivo dela ocorrer, mas parecem ser suficientes para que uma dessas crianças arremesse um pedaço de pau com força na cara de outro jovem. É assim o princípio de “Deus da Carnificina” (“Carnage”, 2011), trabalho de Roman Polanski do ano passado que estreia agora no Brasil.

A cena seguinte já leva a um quarto onde quatro adultos conversam calmamente enquanto digitam um comunicado sobre o ocorrido no parque. Na continuação do filme, percebe-se que essas pessoas são na verdade os pais dos garotos da desordem. Do lado do agredido estão os Longstreet, interpretados por Jodie Foster e John C. Reilly, e da parte do agressor vemos o casal Cowan, responsabilidade de Kate Winslet e Christoph Waltz. Como pano de fundo disso temos uma conversa moderada e tranquila.

“Deus da Carnificina” é uma adaptação da laureada peça de teatro da francesa Yasmina Reza, que assina o roteiro em parceria com Roman Polanski. O ambiente teatral perdura sobre toda a duração do longa, que utiliza basicamente a sala de estar para desenvolver sua trama. Esse clima não exige tanto do diretor no que tange a malabarismos e efeitos de câmera, mas por outro lado impetra aos atores uma responsabilidade elevada, assim como um roteiro baseado em um nível elevado de exigência.

No que concerne a direção, ela surge correta e nada além disso. Em certas passagens, inclusive, parece que Polanski está se contendo o máximo que pode para que o clima seja mantido. O roteiro, por sua vez, é cirúrgico ao proporcionar que cada personagem seja o foco durante uma etapa e revele um pouco da sua personalidade e ideias. Além disso, insere de modo gradual uma tensão que cresce até o ponto de explodir totalmente, utilizando o drama da situação em uma pretensão quase cômica.

O maior destaque, no entanto, fica com os atores. Penelope Longstreet (Jodie Foster) é uma mulher cheia de preocupação com o mundo e repleta de ideologias e cultura. Michael Longstreet (John C. Reilly) é o comparsa que tem uma vida digna do americano médio e aparenta bons modos. Nancy Cowan (Kate Winslet) é a mãe moderna que ao mesmo tempo em que se inquieta com as decisões do filho trabalha com investimentos. E Alan Cowan (Christoph Waltz, de “Bastardo Inglórios”) é o melhor de todos, excelente no papel de um advogado sem paciência alguma.

É apoiado nessas atuações que “Deus Da Carnificina” oferece seus melhores resultados. Do começo suavizado e cheio de razão, a trama se direciona para uma lavagem de roupa suja entre os casais, além de uma via de escape para dar vazão a todos os problemas inerentes as suas vidas. Transformando os pais em tão crianças quanto os filhos quando seus calos são pisados, Roman Polanski faz um trabalho onde a aparência é apenas uma fina casca que esconde todos os males do mundo.

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– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop

One thought on “Cinema: O Deus da Carnificina

  1. Na época em que assisti Carnage, gostei imediatamente do filme. Vi muitos achando que o filme era ruim apenas por ser ~teatro filmado~, ou por se passar apenas um um ambiente.

    Bem, longe de querer comparar, mas pessoas com essas devem passar longe de “Habitación en Roma” do Julio Medem, de “Rope”, do Hitchcock, “12 Angry Men” do Lumet, ou até mesmo longe do ótimo chileno “En La Cama” do Matías Bize.

    O que mais gostei em Carnage foi o tipo de humor usado para criticar os costumes dos pais americanos, o cinismo do Christoph Waltz e o melhor de tudo: ser um filme curto.

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