Entrevista: Do litoral catarinense, conheça o quarteto de rock clássico Carmel

entrevista de Bruno Moraes

É impossível não pensar a respeito de toda a história e estética da chamada “era de ouro do rock and roll” do ao falar do quarteto Carmel, do litoral catarinense. Isto porque, tanto em seu material autoral quanto no repertório vasto executado em seus shows, as convenções estéticas (e alguns dos grandes nomes) das décadas de 1960 e 1970 aparecem com força: da primeira, a criatividade do pensamento livre (aliás, nome do EP de estreia da jovem banda); da segunda, o peso e a mescla de sonoridades tão marcante no rock setentista tanto internacional quanto aqui no Brasil.

O Scream & Yell conversou com Clifton Macnamara, o “Cliff” (bateria), Aline Titon (voz, teclados e percussão), Matheus Libório (Guitarra e Voz) e André Silva (baixo e voz) após um show no Psicodália que mostrou, assim como o Nouvella, que temos artistas jovens trazendo todo esse legado do rock clássico, mas com uma roupagem de ideias atualizadas. O quarteto que une membros de Itajaí, Balneário Camboriú e Itapema bateu um papo sobre influências, o respeito e reverência que têm pela imensa gama de artistas do Brasil dos anos 1970 e mesmo sobre um single ainda inédito, “Criatura da Noite”, que logo deve estar nas plataformas (local em que você pode ouvir o EP “Pensamento Livre“, lançado em 2023).

Como surgiu o Carmel?
Cliff Macnamara: Cara, a gente começou como um trio em 2018, na verdade. A primeira formação era diferente: Éramos eu, o Matheus e o [Fernando Mafra] “Seco”, que era o baixista. E aí veio a pandemia, a gente acabou mudando a formação…

Matheus Libório: Até 2020 a gente tocou bastante. Acho que o último show foi em março de 2020 e aí logo depois…

Cliff Macnamara: Uma semana antes do lockdown a gente fez um último show. E daí várias coisas rolaram, mudou a formação. Entrou primeiro a Aline e depois entrou o Andrezão… E virou isso que é hoje, que nem a gente sabe o quê que é ainda (risos).

Matheus Libório: E mudou totalmente a pegada da banda. Antes, com o trio, era um lance mais blues, rock classiquêra! Não que não seja clássico hoje em dia, mas o baguio ficou muito mais pesado!

E o nome da banda?
Cliff Macnamara: O nome foi um processo longo! Arrumar nome para as coisas é sempre muito difícil. Nome para banda ainda, é horrível. A gente tentou e tentou e não ia. Recorremos aos discos e lá estava uma pessoa que se chamava Carmel [Williams], num disco bem lado B chamado “Pollen” [da banda francesa Pulsar]. A gente bateu o olho e virou o nome da banda.

Eu curti muito que vocês têm um estilo que é muito estruturado, mas tem umas levadas que sugerem que tem muito de jam, de vocês tocarem improvisando e depois trabalharem em cima, com o som ganhando mais forma no processo. É isso mesmo, essa pegada mais livre?
Matheus Libório: Posso dizer assim. A gente é muito feliz que, pelo menos nessa formação, todos são compositores. Todos têm ideias muito criativas! Então o que acontece é que, quando a gente se reúne justamente com esse intuito de tocar, é muito interessante que às vezes vem de um riff de guitarra, às vezes vem de uma frase da voz, uma levada de batera… E aí, do nada, o negócio vai se transformando cada vez mais. E vão surgindo as canções…

Aline Titon: A gente trabalha bastante junto mesmo, com essa abertura de improvisar, ver o que acontece, testar ideias de cada um.

Matheus Libório: Na maioria das vezes a gente elabora depois. Surge alguma ideia nos ensaios, a gente grava ali no telefone mesmo e leva pra casa. E ela [Aline] é que tem bolado as letras, a partir do momento que ela entrou na banda.

Eu tinha uma leve suspeita que você estava por trás das letras, Aline. E isso é uma coisa que me chamou atenção, porque vocês fazem um som que está muito voltado para rock clássico, mas com ideias renovadas (nas letras). Esse rock com essa pegada setentista às vezes é muito retrógrado e quadrado, e não é o caso de vocês. Como é carregar esse legado do rock clássico e trazer ideias que transgridam esse conservadorismo que está muito presente no estilo?
Aline Titon: Perfeito! Isso é incrível. Porque a gente adora um som clássico, anos 1960 e 1970, nacionais e internacionais também. Mas é um cuidado que tem de trazer o que era bom do passado para hoje em dia, e colocar em pauta as coisas de uma forma rica, de uma forma pura, bonita… Tanto as músicas felizes, alegres e legais quanto as que trazem dor também. Porque criar é canalizar energia, né? Às vezes tem uma musiquinha super dançante, e a outra já é AAAAAAAAAH!

No show de vocês teve muito destaque as citações musicais. Parece que durante as jams a banda meio que “brinca de pique-pega” com os nossos ouvidos. Daí entra um riff de “Within You, Without You”, como na abertura do show. Ou no meio de outra música entra um riff de Led Zeppelin! Isso enriquece a apresentação. E, no caso, vocês trouxeram citações de uma forma diferente para o repertório, compondo uma música em homenagem ao Som Nosso de Cada Dia. Vocês poderiam falar sobre o impacto dessa banda na vida de vocês?
Cliff Macnamara: O Som Nosso é uma grande referência pra gente! E muitos outros, a gente gosta de Made in Brazil, Casa das Máquinas que tocou no Psicodália ontem. A gente ama o rock nacional, porque são heróis. Fazer o que eles fizeram lá atrás…

André Silva: E com as condições e os recursos que eles tinham, ainda…

Cliff Macnamara: É! E a gente está numa onda de tentar relembrar, trazer de volta de alguma maneira esses sons.

Aline Titon: É incrível quando a gente pensa que a galera mais nova não conhece O Som Nosso, Made in Brazil… São bandas sensacionais e a galera não fala sobre isso.

Matheus Libório: O Som Imaginário também é outro som super louco.

Aline Titon: Pois é, e muita gente não conhece as bandas, que são bandas nossas e fizeram a história do rock no Brasil. A gente traz isso também pra tentar resgatar e mostrar “Meu, olha o que tinha aqui de massa!”

Matheus Libório: Honrar aqueles que vieram antes da gente, né? Porque se não fosse por essa galera, acho que nenhum de nós estaria aqui fazendo isso.

Aline Titon: Nossas referências do cenário nacional.

Pois é! Eu estava conversando com um grande amigo que é fã de prog-rock, mandando uns discos pra ele de progressivo nacional e falei que é impressionante como dá para ficar um ano inteiro ouvindo progressivo dos anos 70 e 80 sem precisar ouvir uma banda de fora do Brasil.
Matheus Libório: Total, cara! Nossa!

Aline Titon: Exato, e fica bem no submundo. Ninguém conhece quase.

André Silva: E em relação ao Som Nosso, é legal dizer que a gente tem realmente essa relação. Tanto é que a música que você falou, a “Framboesa”, ela tem essa citação às músicas do Som Nosso. É realmente uma homenagem. Ela faz uma citação à “Pra Segurar”, do Som Nosso. Nós entramos em contato com a filha do Pedrão Baldanza! Até para pedir uma autorização e tudo mais. Depois mandamos o EP pra ela, porque é uma influência que não tem como fugir.

Matheus Libório: Essa música quem escreveu foi o Seco, junto com o Clifton da formação original. E tinham algumas palavras na “Pra Segurar” que cabiam perfeitamente na seção final da música, combinavam com o que já tinha sido escrito antes. E não tinha saída! Ficamos muito felizes de ter conseguido gravar desse jeito, porque é uma banda que a gente respeita e gosta muito!

E nessa música todos vocês tiveram uma chance de mostrar algo de destaque. O Cliff com um prato de ataque fantástico, essa dupla vocal da Aline e do Matheus, que também “taca fogo” na guitarra e, o groove de baixo do André, que muitas vezes é deixado de lado por quem curte rock clássico, mas eu peguei porque adoro baixo. E, para além do groove, você encerrou a música com um jeito bem suave de tocar, que chega a lembrar algo de folk. O folk e o folk rock têm uma influência significativa no Carmel?
André Silva: É muito doido porque, quando a gente pensa nesse rock dos anos 1970, esse foi um período tão rico culturalmente, que tinha desde esse hard-rock mais ousado, tinha o progressivo que a gente gosta muito… Eu sou fã de Yes, e toda vez que eu começo a falar de Yes a galera já fica com cara de “lá vem ele falar de Yes” (risos). Então é difícil [destacar uma coisa específica]. Ainda tem o lado do funk, do James Brown e tudo mais. Então é difícil cravar “vocês são uma banda de hard-rock”, porque tem de tudo. Se a gente começar a dissecar mesmo as músicas, as composições e a visão de cada um, sempre tem uma surpresinha. Sempre tem uma coisinha que vai virando uma novidade.

E vocês têm interesse em pegar mais a música de raiz brasileira para projetos futuros? Acho que dá uma mescla bem bacana, os nossos ritmos populares.
André Silva: Ah, com certeza. A gente já faz isso. Não tem como fugir do rock brasileiro, porque a gente cresceu ouvindo Mutantes, Novos Baianos, e a gente toca bastante som deles. E não tem como, Brasil é Brasil, né?

Matheus Libório: E mesmo o nosso rock do Brasil pega qualquer coisa, desde o samba, MPB, o choro. Porque o Brasil é maravilhoso, e tem um tempero especial.

E vocês têm alguma influência mais lado B, C, D que gostariam de destacar?
Cliff Macnamara, Matheus Libório e André Silva: O Peso!

Aline Titon: Chegou esse momento! (risos) Todo show a gente faz uma versão nossa de uma música do Led Zeppelin e coloca no meio uma música d’O Peso. Eles são uma banda que tem um disco só, que está nos serviços de streaming e tal. Mas quase ninguém conhece. Lado B, Lado C do Brasil, e é incrível. O Peso é a nossa indicação.

Gente, uma última pergunta muito corrida. Mas acho muito importante, porque vocês apresentaram a canção “Criatura da Noite” dizendo que ela é sobre vampiros. E esses mitos de várias criaturas da noite muitas vezes vêm de algum cerceamento de pessoas que viviam de um modo diferente. O Drácula de Bram Stoker é um pouco sobre xenofobia. As caças às bruxas também tinham a ver com crenças, uso de plantas curativas ou com potencial psicotrópico que iam contra dogmas da Igreja. E aqui no Psicodália a gente está vendo uma certa classificação do Festival como se também fôssemos criaturas da noite, sobrenaturais. E temos de “tomar cuidado”, como diz a letra! Vocês gostariam de comentar sobre essas pessoas super perigosas do Psicodália?
Aline Titon: Então, “Criatura da Noite” é sobre vampiros, mas também não é sobre vampiros. Como todas as músicas. A interpretação é livre. A gente começou essa letra de modo meio aleatório. Eu comecei, o Matheus continuou, foi dando ideias. A gente tem sombras de todas as formas. Mas é muito natural se sentir bem na noite.

Matheus Libório: Pô, somos boêmios, né? Somos artistas, e a noite é parte disso.

Aline Titon: “O Dia me assusta, a Noite me cura”. Então nós não somos tão maus assim…

– Bruno de Sousa Moraes migrou das ciências biológicas para a comunicação depois de um curso de jornalismo científico. Desde então, publica matérias sobre ecologia e conservação da biodiversidade, e está se arriscando pelo jornalismo musical.

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