Três discos portugueses: O Gajo e Ricardo Vignini, Micro Audio Waves, JP Simões

textos de Pedro Salgado, especial de Lisboa

“Terra Livre”, O Gajo e Ricardo Vignini (Rastilho Records)
O álbum “Terra Livre” resulta da parceria entre o músico português João Morais, mais conhecido como O Gajo, com o violeiro brasileiro Ricardo Vignini. Um encontro nas redes sociais em 2022 e uma troca de ideias posterior através da Internet selaram a ligação entre ambos e estiveram na base da elaboração do disco. Na prática, “Terra Livre” demonstra a afinidade da viola campaniça (Portugal) com a viola caipira (Brasil) e assenta o seu propósito na procura de horizontes musicais simultaneamente contemporâneos e urbanos. Esse desafio é realizado através do aventureirismo, do teor épico, da omnipresença do rock (que marcou o trajeto d´O Gajo) e da brasilidade de Ricardo Vignini, que dominam o cerne do álbum. Dos nove temas apresentados, destacam-se o single “Albatroz” com pegada pop agradável e ritmada, a cavalgada sonora dotada de algum romantismo (“Bandidos”) e na roqueira “Rojão”a aposta recai num exercício de improvisação que retira o seu encanto do virtuosismo instrumental desenvolvido pelo dedilhar enérgico dos dois músicos. O mérito de “Terra Livre”, que celebra a liberdade de expressão, resulta da forma espontânea como O Gajo e Ricardo Vignini se complementam, criando uma sonoridade cativante e personalizada.

Nota: 7,5


“Glimmer”, Micro Audio Waves (Edição de autor)
Com a edição de “Glimmer” (um disco igualmente pensado como espetáculo audiovisual, performático e tecnológico, construído em co-autoria com o coreógrafo Rui Horta), os Micro Audio Waves dão seguimento ao anterior álbum, “Zoetrope” (2009), abordando a relação entre a tecnologia e a natureza humana num período de incerteza e transformação que caracteriza a era digital. Sem perder de vista a sua matriz experimental e a eletrônica primordial, o grupo investe no pop e revela uma ambição sonora superior no seu quinto álbum de estúdio. As provas desse desígnio são músicas como o single “Liquid Luck”, no qual a elevação rítmica e a batida agreste é condimentada pelos leves fraseados da vocalista Claúdia Efe ou o indie rock de ambiência noturna e sonhadora (“Neon Gods”) que são complementados pela euforia dançante de “Trojan Rabbit”. A viagem sonora proposta pelos Micro Audio Waves encerra com o aconchego da melódica “Song For Mortals”, uma faixa midtempo demonstrativa de que os seres humanos, num mundo dominado pela tecnologia, mantêm-se simples mortais em tudo o que temem. Globalmente, “Glimmer” representa um excelente regresso da banda portuguesa às edições discográficas, ao fim de 15 anos, e exibe um leque de soluções musicais criativas que reafirmam a validade do projeto.

Nota: 8


“JP Simões canta José Mário Branco”, JP Simões (Omnichord Records)
O percurso musical de JP Simões é vasto e inclui passagens pelos Pop Dell’Arte, Belle Chase Hotel, Quinteto Tati e solo em nome próprio ou como Bloom. A decisão de abordar o cancioneiro de José Mário Branco surge por isso com naturalidade e como consequência de várias revisitações que já tinha efetuado à obra do conhecido músico, cantautor e nome maior da canção portuguesa. Em parte das faixas há uma aparente continuidade com os originais, mas os arranjos revelam mais colorido e o intimismo que JP Simões desenvolve através da sua voz quente enfatiza a carga poética das músicas, secundado por um bom naipe de músicos como Nuno Ferreira (guitarra e voz), Pedro Pinto (contrabaixo), Ruca Rebordão (percussão) e Márcio Pinto (marimba e eletrônica). Dentro dos melhores momentos do disco incluem-se a luminosidade da emblemática “Mudam-se os tempos Mudam-se as Vontades”, “Perfilados de Medo”(um interessante esforço vocal de JP pontuado por efeitos sonoros que enriquecem a solenidade e o dramatismo da canção), a emotividade do single de avanço (“Mariazinha”) e a vivacidade e soltura interpretativa de “Cada dia são Cem (Carta ao Remetente)”. JP Simões nunca se sentiu tão confortável e relaxado como neste trabalho. Esse aspeto e o fato de revitalizar algumas canções marcantes de José Mário Branco constituem o charme do álbum.

Nota: 8

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.

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