Crítica: “Wall Of Eyes”, segundo disco do The Smile, mostra que Yorke, Greenwood e Skinner esbanjam química e talento

texto por Davi Caro

Quando o debut do The Smile, “A Light For Attracting Attention”, chegou ao mundo em maio de 2022, suas treze faixas traziam – além de algumas das melhores passagens musicais registradas nesta década até agora – uma desconfortável, porém inescapável dúvida: com Thom Yorke (vocais, baixo, guitarra e teclados) e Jonny Greenwood (guitarras, baixo, teclados) agora envolvidos em um novo e empolgante projeto ao lado do baterista Tom Skinner, seria este o temido fim do Radiohead? Teria uma das mais importantes e discutidas bandas de todos os tempos chego a seu final de modo silencioso, sufocado em meio a discos solo e comentários pouco reveladores na mídia?

Bastaram poucas audições do então novo álbum para que qualquer temor se dissipasse: “A Light For Attracting Attention” apontava para uma direção bastante diferente daquela explorada pela banda de Oxford no delicado “A Moon Shaped Pool” (2016), ou mesmo dos trabalhos individuais de Yorke (como “Anima” ou a trilha sonora para o remake de “Suspiria”, ambos de 2018) ou Greenwood (que possui uma folha corrida pra lá de extensa), e se voltando para uma junção híbrida entre os momentos mais barulhentos de “Hail To The Thief” (2003) ou “In Rainbows” (2007) e as viajantes progressões preferidas pelo extinto grupo de jazz de Skinner, Sons of Kemet.

Assim, mesmo sem nem sombra de Ed O’Brien, Colin Greenwood ou Phil Selway, a nova proposta pareceu agradar tanto à crítica quanto ao público, dividido entre a intriga e a devoção cega, a empolgação cautelosa e a entrega apaixonada às novas canções – que equilibram andamentos rítmicos menos comuns e as melodias sempre inventivas de Jonny junto ao para sempre singular registro vocal de Thom, e que, se já impressionam em estúdio, são capazes de escandalizar ao vivo, onde se transformam em eletrizantes jam sessions.

A boa notícia é que “Wall Of Eyes”, segundo disco do trio (lançado pelo selo XL Recordings, também responsável pelos lançamentos do Radiohead) retém as características bem estabelecidas no primeiro álbum sem se manter no mesmo lugar. Pelo contrário: qualquer estranhamento causado pela estreia se desfaz logo nos primeiros instantes da faixa-título. O ritmo marcado no violão, somado à reverberação da voz de Thom, traz vagas lembranças dos arranjos esparsos vistos antes em “House Of Cards” (de “In Rainbows”, 2007). O uso de efeitos e orquestrações, porém, ajuda a definir a identidade do trio mais para longe de seus famosos predecessores.

O clima de familiaridade, ainda que não desapareça por completo, toma uma posição de coadjuvante nos dois números seguintes: “Teleharmonic” faz uso dos já esperados ritmos truncados (embora ainda bastante discretos) de Skinner, ainda que a metade final da canção ainda tenha espaço para intrigantes linhas de baixo e sintetizadores que não soariam fora de lugar em discos como “Tomorrow’s Modern Boxes” (2014), segundo solo de Thom Yorke. Arranjos mais “tradicionais” são deixados para a excelente “Read The Room”, que usa tempos mais ortodoxos para deixar que o mais novo dos Greenwood viaje em seus experimentalismos – algo que acontece em outros momentos do álbum. O desempenho do baterista merece destaque, sobretudo, tanto nesta quanto na delirante canção seguinte, “Under Your Pillows”, que, segundo registros de performances recentes, já se mostra bem adaptada à rotina ao vivo do grupo.

“Friend Of A Friend” é mais serena em seu cerne, com Jonny adicionando belas linhas de piano que, junto ao excelente trabalho de Yorke no contrabaixo (e quem diria que o frontman se revelaria tão proficiente nas quatro cordas?), resultam em um dos mais memoráveis números do repertório registrado pelo The Smile até agora. Menos memorável (mas não ruim) é “I Quit”, onde dedilhados acústicos trabalhados na mixagem acabam criando um clima onírico que não deixa impressões tão marcantes de primeira – mas que podem se mostrar mais recompensadores após audições sucessivas, sobretudo pelos surpreendentes efeitos de sintetizadores e cordas (e com estas últimas criando um link direto com os recentes e ótimos trabalhos de Greenwood com trilhas sonoras).

“Bending Hectic” é o momento decisivo do disco, ganhando seu registro em estúdio após ter aparecido no imperdível vídeo da banda no Montreux Jazz Festival de 2022. Desorientante em sua instrumentação, também é o momento em que Yorke se mostra mais confortável, refletindo inclusive nas letras: “Se você tem algo a dizer, diga agora/ Ninguém vai me derrubar, não/ De jeito nenhum/ Estou largando o volante”. O mesmo pode ser dito da excelente “You Know Me!”, amparada sobretudo nos vibrantes pianos de Jonny e em um dos melhores desempenhos vocais do frontman, encerrando o álbum com um nível de austeridade ausente no restante do disco – algo que demostra, simultaneamente, vigor e reconforto, num sentimento provavelmente muito familiar à grande maioria dos longevos fãs do trabalho anterior dos dois membros centrais do The Smile.

Sob qualquer análise, “Wall Of Eyes” se mostra uma experiência menos divisiva do que seu antecessor: com oito canções e pouco mais de 45 minutos de duração (quase 10 minutos a menos em comparação com as treze faixas de “A Light For Attracting Attention”), o disco se mostra menos determinado a se distanciar do trabalho mais célebre de qualquer um dos três membros. Mesmo os momentos mais delicados aqui possuem potencial para se converterem em verdadeiros monolitos em apresentações ao vivo, onde inclusive o The Smile já se mostrou mais do que competente.

A sólida, porém austera mixagem não se mostra em falta de momentos de respiro, que não apenas enriquecem o repertório da banda como também têm potencial para desafiadores improvisos nos palcos. Com o Radiohead aparentando estar cada dia mais distante no espelho retrovisor – mesmo que, segundo Phil Selway, a banda não tenha encerrado propriamente suas atividades – não seria um choque se o The Smile se tornasse o foco principal (exclusivo?) de seus integrantes. Não existe razão para o choro dos devotos: “Wall Of Eyes” mostra que Yorke, Greenwood e Skinner esbanjam química e talento, e, mesmo que “A Moon Shaped Pool” se mostre, de fato, o canto de cisne do Radiohead, não existe razão para pânico. Basta apertar o play para que a apreensão e a dúvida se transformem, afinal, em um crédulo e bem-vindo sorriso.

– Davi Caro é professor, tradutor, músico, escritor e estudante de Jornalismo. Leia outros textos de Davi aqui.

One thought on “Crítica: “Wall Of Eyes”, segundo disco do The Smile, mostra que Yorke, Greenwood e Skinner esbanjam química e talento

  1. Muito boa essa crítica!
    Não consigo parar de ouvir esse álbum – “Teleharmonic”, por enquanto, é a minha favorita!
    Eles têm que vir logo pro Brasil!

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