Literatura: “Mela Cueca” reconta a trajetória de DJ Zé Pedro e resgata canções de amor dos anos 70 e 80

texto de Renan Guerra

A figura exagerada e colorida de Zé Pedro às vezes o leva a ser subestimado por muita gente, mas para além das pistas de dança, das festas de famosos e de suas aparições na TV, Zé Pedro é um pesquisador voraz da cultura, especialmente da brasileira. E nem só de música: Zé é encontrado na fila das sessões das mais variadas mostras de cinema de São Paulo e pode ser visto no gargarejo de shows dos mais diversos artistas, seja um medalhão da MPB em algum espaço imenso ou uma nova cantora que ele se apaixonou em algum SESC bem distante do centro. Zé Pedro respira cultura e essa espécie de obsessão transformou ele em uma enciclopédia ambulante.

Nesses tempos em que a gente acredita que tudo está na internet, a memória de Zé Pedro é uma aliada pra nos relembrar que tem muita coisa que ainda falta na “world wide web”. Zé Pedro sabe de cor as histórias de cantoras brasileiras esquecidas, relembra atores apagados de novelas dos anos 70 e têm na ponta da língua uma série de canções que se perderam entre compactos, CDs promocionais e coletâneas em K7. E ainda bem que de vez em quando ele decide compartilhar essas memórias. Em 2007, ele lançou “Meus Discos e Nada Mais – Memórias de um Dj na Música Brasileira” (Jaboticaba), em que fazia um passeio pela história da música brasileira com uma gama gigantesca de excelentes discos, entre clássicos nacionais e pérolas esquecidas. Já em 2023, Zé lançou “Mela Cueca – As canções de amor que o mundo esqueceu” (Garota FM Books), em que resgata todas as canções românticas que lhe causavam paixão entre os anos 70 e 80, numa pesquisa que resgata clássicos das trilhas sonoras da TV e do cinema e que celebra aquele momento já extinto em que a música romântica dominava as pistas de dança e os casais dançavam abraçadinhos.

Porém, para abrir o livro temos uma introdução que é tão rica quanto a pesquisa musical de Zé: uma espécie de minibiografia narrada com o bom-humor único de Zé. O texto de abertura foi um pedido de Chris Fuscaldo, responsável pela excelente editora Garota FM Books – que também lançou “Cantadas – Ensaios sobre 35 grandes vozes de mulheres da música brasileira”, do jornalista Mauro Ferreira, e que já contou aqui no Scream & Yell sobre o seu trabalho independente de publicação editorial. Chris leu um texto inicial de Zé e pediu que ele escrevesse mais sobre essas histórias formativas de sua vida: Zé era o Júnio do Leme, garotinho gordinho que ouvia discos de Maria Bethânia e que teve a chance de sentar no colo da cantora ainda na infância; garoto que dançava nas competições do programa de Carlos Imperial; o jovem que foi caixa do icônico Crepúsculo de Cubatão (aquele mesmo cantado por Gal em “Acende o Crepúsculo”); e que depois se tornaria o “DJ da Galisteu”, o criador da gravadora Joia Moderna e um nome referencial da MPB.

Toda essa narrativa inicial se transformou em um espetáculo teatral. Em um monólogo divertido, Zé Pedro volta ao mundinho do Júnior do Leme e reconta suas memórias de forma quase histriônica, com direito a uma cantora que faz lip syncs dos clássicos citados por Zé, em uma performance camp e divertida. O espetáculo foi apresentado em São Paulo, no Rio de Janeiro e na FLIP de 2023, porém a expectativa é que outras datas sejam agendadas em 2024 e recomendamos que você não perca. Enfim, enquanto a história não volta para os palcos, voltamos ao livro. “Mela Cueca”, para além das peripécias pessoais de Zé, é um mergulho na música do passado, com todas aquelas minúcias e curiosidades que fazem os olhos dos apaixonados por música brilharem.

Zé Pedro resgata canções dos mais diversos gêneros, indo do soul e do R&B até as baladas melosas de bandas de hard rock e soft rock dos anos 70, tanto que passeamos por nomes icônicos como Marvin Gaye, Bee Gees e Minnie Riperton, quanto nomes nem sempre lembrados como The Whispers, Velvet Glove e The Hollies – e claro, também tem espaço para os nossos gringos-brasileiros, isto é, os artistas brasileiros que se apresentavam sob nomes americanizados, como Mark Davis, nome mercadológico de Fábio Jr. Cada canção é apresentada em seu contexto histórico, com curiosidades de lançamento, apresentação de versões importantes e dados sobre sua presença em trilhas sonoras – aqui o Zé Pedro apaixonado por novelas antigas brilha, com detalhes únicos que fazem unir os corações de noveleiros e fãs de música.

“Mela Cueca – As canções de amor que o mundo esqueceu” é um livro divertido, que serve como guia para se descobrir canções esquecidas e outras nunca ouvidas, por isso é daquele tipo de leitura para ser feita ao lado de um player de streaming, para você já ir dando play nas canções e ir mergulhando em cada nome e artista citado em uma viagem única no tempo.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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