Literatura: “A invasão do povo do espírito”, de Juan Pablo Villalobos, arranca risos e lágrimas tenras

texto por Gabriel Pinheiro

“Essa é a história de Gastón e de seu melhor amigo, Max. É também a história de Gato, o cachorro de Gastón, e de Pol, o filho de Max”. É assim que Juan Pablo Villalobos abre seu mais recente romance lançado no Brasil, apresentando brevemente o inusitado grupo de personagens que seu narrador nos levará a mergulhar e conhecer – na medida do possível, ele já nos deixa bem claro. “Há muitos outros personagens nessa história, mas sempre acompanharemos Gastón, como se pairássemos atrás dele e tivéssemos acesso a seus sentimentos, a suas sensações, ao fluxo de seu pensamento”. As desventuras de dois amigos, o filho de um deles – criado pelos dois – e de um cachorro curiosamente chamado de Gato são o mote deste “A invasão do povo do espírito”, recém-lançado pela Companhia das Letras com tradução de Sérgio Molina.

“Somos uns enxeridos”. É nesses termos que o narrador de Villalobos nos nomeia logo na primeira página. Somos mesmo, não somos? Afinal, um dos prazeres da literatura é a possibilidade de adentrarmos intimidades e realidades, ora tão distantes, ora tão próximas das nossas, nos reconhecendo ou não naquelas histórias e naqueles seres que as habitam, não é? O narrador deste livro sabe disso e joga conosco – e com nossa curiosidade – por diversos momentos. Às vezes, quando dá na telha, numa escolha consciente. Noutras, quando nem ele mesmo tem acesso à cena esperávamos que fosse narrada. E em outras, ainda, quando ele considera que uma certa ética deva ser respeitada: “Vamos deixar os dois sozinhos, não temos o direito de ficar aqui agora, vamos meter o nariz em outro lugar”.

Dizer sobre a trama de “A invasão do povo do espírito” me parece insuficiente para tentar transmitir tudo aquilo que ele carrega em pouco mais de 200 páginas. Digamos que seja um livro sobre a paranoia. Na verdade, as muitas paranoias que sustentam uma sociedade, aproximando crenças comuns e afastando pensamentos diferentes. Villalobos fala sobre o misticismo, a possibilidade da vida extraterrestre, a xenofobia e a gentrificação de uma comunidade, para citar apenas alguns pontos. De uma maneira muito única, nas mãos de um habilidoso tecedor de tramas, estes temas aparentemente tão díspares se comunicam e jogam luz uns aos outros. “O que é realmente perigoso – interrompe o ex-professor – é a ideia de que tudo o que vem de fora, o alienígena, é uma ameaça que deve ser erradicada”. Estaria este professor falando apenas de uma possível vida extraterrestre? Acho que não. Quantos estrangeiros são cada vez mais vistos como ameaça – como verdadeiros alienígenas – por países vizinhos em processos migratórios cada vez mais intensos?

“A invasão do povo do espírito” é povoado por personagens em crise. Lidando com temas graves e urgentes numa linguagem quase musical, melodiosa mesmo de tão fluida, Juan Pablo Villalobos constrói um olhar aguçado para uma realidade próxima e palpável. É possível se reconhecer mesmo nas mais absurdas situações. Metalinguístico, o escritor mexicano – que mora há anos em Barcelona, que já morou no Brasil, logo, um cidadão do mundo – nos entrega um daqueles narradores inesquecíveis, que arranca risos e lágrimas tenras na medida em que joga com os limites da própria linguagem em que está inserido. “Viremos a página, o futuro está aí”, ele nos diz no início, num convite inventivo e surpreendente para aquele universo único que ele promete nos entregar. E entrega.

– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel

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