Ao vivo em Porto Alegre: De filho pra mãe, show Rita Lee por Beto Lee mostra que Rita batizou todos nós

texto de Ananda Zambi
fotos de Alex Vitola

No cenário cultural de qualquer cidade do Brasil, não é preciso fazer uma investigação profunda para notar que ele é dominado por tributos a outros artistas, sejam uns ainda na ativa, outros que não existem mais ou que inclusive já partiram. E a grande maioria dos brasileiros prefere se divertir indo a eventos desse tipo do que em shows de bandas autorais, por exemplo. Mas será que a gente precisa de tantos tributos assim? Não, mas o caso de Rita Lee é unânime e indiscutível: sim, ela merece uma homenagem. No dia 8 de setembro – há exatos quatros meses da morte da rainha do rock -, o Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, recebeu o show Rita Lee por Beto Lee com participação de Fernanda Abreu. Uma apresentação cujo maior mérito é a manutenção do legado que a artista deixou em nossos ouvidos e nas nossas vidas.

Segundo Beto, o espetáculo não é bem um tributo, mas mais uma celebração, o que faz mais sentido se levarmos em conta que o projeto original incluía a participação da própria Rita em uma série de shows que rodaria o país em 2020, e que não foi possível devido à pandemia. Mas Rita estava entre os homens e (principalmente) mulheres que estavam na plateia e faziam reverência a um dos maiores símbolos de criatividade, resistência, disrupção e liberdade que a arte brasileira já viu. Entre nós, prevalecia outra coisa em comum: o vermelho, cor que representa energia, paixão, atitude e poder e o cabelo de Rita Lee, uma de suas características mais emblemáticas. No palco,o vermelho também prevalecia, com a concepção visual recheada de fotos e ilustrações da artista, tanto na sua fase com os Mutantes quanto com Roberto de Carvalho, seu grande parceiro musical e afetivo.

O show começa com um vídeo de uma entrevista de Beto quando criança falando que, pelo menos para ele, Rita Lee era a maior roqueira do Brasil. Ali já pudemos perceber o tom pessoal que o espetáculo traz. Além dele, filho primogênito da cantora, nos vocais e na guitarra, a banda é composta por músicos que tocaram com ela, como Debora Reis nos vocais, Edu Salvitti na bateria, Rogerio Salmeron na guitarra, Danilo Santana nos teclados (e na direção musical) e Lee Marcucci – grande parceiro de composição de Rita e de Tutti-Frutti, banda que a acompanhou depois que deixou os Mutantes – no baixo, o que é uma sacada legal pra, de certa forma, aproximar o público da Rita longe dos holofotes (durante o show, os músicos contaram algumas histórias com ela, como por exemplo as brincadeiras que ela fazia nos ensaios). Mesmo assim, a apresentação, no geral, teve altos e baixos, começando um pouco fria e melhorando ao longo dos 90 minutos de show.

A convidada especial do show foi a carioca Fernanda Abreu, que com a simpatia e o carisma de sempre animou o espetáculo, cantando músicas como “Ovelha Negra”, “Mamãe Natureza”, “Jardins da Babilônia” e “Agora só falta você”. Fernanda, que assim como Rita sempre teve um cuidado especial com a parte visual do seu trabalho, usou vestidos pretos com o rosto de Rita, que eram trocados de acordo com as fases da cantora. O repertório da apresentação foi dividido em três momentos: Rita n’Os Mutantes (1966-1972), na Tutti-Frutti (1973-1978) e com Roberto, de 1978 em diante. De “Panis et circenses”, “Ando meio desligado” e “Balada do louco” (momento em que Beto deu uma opinião interessante e pertinente: ele considera Mutantes mais punk do que rock progressivo) a “Esse tal de roque enrow” e “Coisas da vida”, indo até “Nem luxo nem lixo”, “Flagra”, “Mania de você”, “Doce vampiro”, “On the rocks”, “Orra meu”, “Banho de espuma”, “Chega mais”, “Papai me empresta o carro” e “Lança perfume”, faltou tempo pra tocar muitas outras músicas marcantes dos quase 60 anos de carreira da cantora, como “Menino bonito”, “Corre-corre”, “Baila comigo” “Mutante” ou “Amor e sexo”. Fica a dica para pensar em aumentar o tempo de show ou então fazer pequenas alterações no setlist a cada apresentação.

Quando a banda tocou “Todas as mulheres do mundo”, na hora em que originalmente são citados nomes de mulheres incríveis brasileiras, Beto Lee justamente dedicou o momento apenas à sua mãe, que foi expulsa de uma banda porque não era virtuosa, que foi presa grávida por causa de uma emboscada, que foi a artista mais censurada durante a ditadura militar brasileira e que, mesmo assim, conseguiu ser uma das personalidades mais criativas e transgressoras da nossa cultura, e talvez o mais importante: nos deu permissão para podermos ser quem quisermos e fazer o que quisermos independente de padrões e tabus predominantes em qualquer época. Assim, é difícil que haja alguém que não se identifique com Rita e que não tenha se sentido acolhido por ela em algum grau, como se fosse uma mãe, uma madrinha, uma amiga que seja. Não à toa, ela foi a mulher que mais vendeu discos no Brasil. E esse é o maior saldo da celebração: toda mulher (e alguns homens também, vai) quer ser Rita Lee.

– Ananda Zambi é jornalista musical e assessora de imprensa. Também colabora para o site Hits Perdidos. Fotos de Alex Vitola

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