Cinema: Moderno, complexo e sexy, “Passagens”, novo filme de Ira Sachs, é interessante por sua aparente simplicidade

texto por Renan Guerra

Um casal de homens gays com um relacionamento bem estabelecido tem a sua relação bagunçada quando um deles entra em uma relação apaixonada com uma mulher. Essa é a premissa inicial de “Passagens” (2023), novo filme de Ira Sachs, que chega agora aos cinemas brasileiros em lançamento da MUBI junto da O2 Play. Com uma narrativa que tem como pano de fundo o charme de Paris, o longa é protagonizado pelo trio Ben Whishaw (“Perfume – A História de um Assassino”), Franz Rogowski (“Great Freedom”) e Adèle Exarchopoulos (“Azul é a Cor Mais Quente”).

“Passagens” estreou mundialmente no Festival de Sundance 2023, foi indicado a Melhor Filme no Festival Internacional de Cinema de Berlim em 2023 e tem como universo inicial o próprio cinema. Tomas (Franz Rogowski) é um diretor que acabou de filmar seu mais recente projeto e está em fase de pós-produção. O cineasta é casado com Martin (Ben Whishaw), porém o relacionamento dos dois é abalado após Tomas iniciar um caso intenso com Agathe (Adèle Exarchopoulos), que ele conhece na festa realizada ao fim das filmagens de seu longa-metragem.

Ira Sachs é um diretor conhecido pelos seus filmes delicados e cheios de nuances, como os ótimos “Frankie” (2019), “O amor é estranho” (2014) e o autobiográfico “Deixe a luz acesa” (2012), todos esses construídos ao lado do roteirista Mauricio Zacharias, brasileiro radicado em Nova York desde os anos 90, mas que possui interessantes créditos aqui no Brasil, colaborando nos roteiros de longas como “Madame Satã” e “O Céu de Suely”, ambos de Karim Aïnouz. O roteiro de Sachs e Zacharias é o charme de “Passagens”, que deixa de lado os ares nova-iorquinos de seus criadores e mergulha em todos os tons clássicos europeus, em um filme que caminha de forma segura entre o romance e o drama.

Histórias de cirandas amorosas são quase o arroz com o feijão do cinema europeu, e poderíamos ficar aqui um bom tempo listando excelentes filmes que tem esse tema como ponto de partida, desde clássicos como “Jules e Jim” (François Truffaut, 1962) até representantes mais modernos, como “Paris, 13º Distrito” (Jacques Audiard, 2022), porém o diferencial de “Passagens” está em ser sincero com seus personagens e com sua narrativa. Não é um filme que se propõe a inovação, mas sim a olhar com complexidade e ternura para aqueles personagens que vemos na tela. As nuances de seus desejos e de suas sexualidades é um ponto crucial para o filme de Sachs, que consegue desenhar de forma muito instigante e sedutora uma narrativa que não se prende tanto a dogmas ou predefinições.

Tudo isso, obviamente, ganha mais camadas nas atuações precisas do elenco principal. Ben Whishaw e Franz Rogowski têm uma intimidade e parceria que nos fazem crer que eles realmente são casados há anos. Já Adèle Exarchopoulos parece emanar certa luz na tela, tanto que Sachs filma a atriz de um jeito que nos torna inegável o porquê de Tomaz se apaixonar tão perdidamente por ela, pois nós que somos apenas espectadores também saímos apaixonados. E é interessante como sua personagem é mais contida e suas complexidades são mostradas de forma delicada, uma prova do talento enorme de Adèle. Para além do trio central, vale citar aqui a presença de Erwan Kepoa Falé, que surge como mais uma peça desse conturbado romance. Falé já havia chamado atenção no longa “Winter Boy” (Christophe Honoré, 2022) e aqui de novo se mostra um nome a ficar de olho.

Moderno, complexo e sexy, “Passagens” é um filme interessante por sua aparente simplicidade: uma história de amor, uma história comum, ordinária, que quando passada para a tela nos lembra do quanto o cotidiano mais banal pode ser tão instigante e cinematográfico.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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