Música: “Bunny”, do Beach Fossils, é nostálgico e melodicamente cativante

texto por Luciano Ferreira

Justin Payseur, a mente criativa por trás das composições do Beach Fossils, é daqueles caras que, apesar de curtir o “fazer nada”, produzem muito. Essa enorme capacidade de criação do vocalista e guitarrista pode ser medida pela quantidade de canções que tinha para serem testadas para “Bunny” (2023): um total de 103 demos. O resultado dessa profícua produção está resumido nas onze faixas que compõem o novo trabalho, marcado por uma sonoridade ensolarada, conduzida por guitarras jangle-pop, timbres etéreos ou melodiosos, harmonias vocais, e refrãos. São características que potencializam o lado mais acessível do grupo, em contraponto aos três álbuns anteriores (“Bunny” é o quarto disco da banda).

Essa nova fase de Payseur pode ser explicada pela recente paternidade do músico que, conforme afirmou em entrevista, passou a ver o mundo de uma forma diferente. Por outro lado, o adiamento do lançamento, provocado pela pandemia, acabou influenciando o resultado final do disco, permitindo ao quarteto lapidar as canções, inicialmente em um ritmo mais lento, e adequá-las ao momento pós-pandemia, mais leve.

O que se ouve em “Bunny” mostra conexão com “Beach Fossils” (2010), o álbum de estreia do grupo, e mais ainda com “What a Pleasure” (o EP de 2011), mas com uma produção mais aprimorada e menos lo-fi, resultado alcançado com a adição de camadas de instrumentos (inclusive teclados) e também de vozes. Muito das ambientações bebem no jangle-pop do final dos 80 e início dos 90, mas é possível encontrar também elementos do shoegaze e dreampop nas guitarras etéreas e climas viajantes de “Feel So High”, por exemplo.

Se “Bunny” não tem a amplitude de gêneros e exuberância instrumental de “Somersault” (2017), o trabalho mais diversificado do Beach Fossils, prima por construir uma estrada sonora repleta de nostalgia, e a possibilidade de uma aproximação do universo pessoal de Payseur, que busca se conectar ao ouvinte através das letras mais diretas, que dão flashs de seu cotidiano e momento pessoal, como no single “Run to the Moon”, onde explora a dualidade entre o medo da perda da liberdade e a alegria da paternidade: “Ficar fora a noite toda / Estamos todos usando drogas / Agindo como estúpidos, nos divertindo / Até o sol nascer… Só você pode me puxar de volta / Me puxar de volta para dentro de mim”.

O senso melódico é “uma realidade que escorre” por todo o disco, e ganha mais força em faixas como “Sleeping on my Own” e “Don’t Fade Away”, essa última com presença marcante do baixo e cuja letra é sobre, nas palavras do vocalista, “saudades de velhos amigos, estar em turnê, automedicação, saudade, ansiedade, amor, ser um idiota, se divertir, abraçar seus erros e manter sua faísca”.

Essa instrumentação melodiosa é construída a partir de timbres e efeitos de guitarra que remetem tanto ao indie-rock britânico dos anos 90, como nas atmosferas neopsicodélicas de “(Just Like The) Setting Sun” e “Anythng is Anything”, quanto a paisagens delirantes do dreampop, a partir de guitarras entupidas de efeitos etéreos e vocais ecoantes, seja na já citada “Feel So High” ou em “Numb”.

Apesar das referências facilmente identificáveis ao longo do disco, “Bunny” consegue capturar com o senso de frescor e nostalgia transmitido tanto pela instrumentação quanto pelos vocais propositadamente pálidos de Payseur, que contribuem para que as canções tenham essa aura de fragilidade, suavidade e, ao mesmo tempo, força melódica cativante.

 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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