Ao vivo em Madri, Juanse (com Fito Paez) e Divididos fazem uma tremenda festa ‘rocanrol’ no primeiro Dale Argentina Fest

texto por Diego Queijo e Caio Passos
fotos por Rebe Pandora Box Photo

Tal qual Portugal, de costas para a Espanha, mira mais o Atlântico, o Brasil também, de costas para a América Espanhola, sempre deu pouco espaço para a disseminação do som latino (algo que o Scream & Yell e a Aliança Faro vêm tentando mudar em um trabalho de formiguinha). Mas se por um lado os cartazes de divulgação de um show de Caetano Veloso estão espalhados por Madri neste verão, os anúncios de música argentina praticamente inexistem. A Espanha sempre renegou principalmente o rock argentino, tanto que é muito difícil encontrar, por exemplo, vinis de Charly Garcia ou Spinetta nas grandes lojas de discos de Madri, Barcelona ou Valência. Sim, diferentemente da MPB, da bossa nova, ou do tango, o rock latino e a cumbia sempre foram vistos à margem dos olhos do colonizador.

Mas em 2023, uma iniciativa da comunidade de argentinos na Espanha decidiu abrir um espaço ao seu próprio modo. A primeira edição do Dale Argentina Fest já é considerado o evento de música argentina em solo espanhol mais importante da história. Ao longo de duas semanas, foram realizados grandes eventos em Madri, Barcelona e Mallorca, e outros três menores em Alicante, Valência e Málaga. A seleção de primeira contou com Divididos, Damas Gratis, Coti, Guasones, Airbag, Conociendo Rusia e Juanse, vocalista dos Ratones Paranoicos. E o Scream & Yell esteve no evento de Madri para acompanhar a festa.

A proposta ambiciosa do festival ventilava um espaço com gastronomia, sustentabilidade e empreendedorismo local, o que foi entregue. De empanadas a Fernet Branca com Coca-cola e diversas referências à Maradona e ao título da Copa do Mundo do ano passado, o clima era de celebração. Entretanto, o evento pareceu voltado ao nicho da comunidade argentina, sem conseguir abrir tantas portas a turistas de outros países, além de poucos espanhóis mais conectados à sonoridade dos porteños.

No território musical, Coti, Airbag, Conociendo Rusia e Damas Gratis deram um caráter mais pop e de cúmbia ao evento, com Coti lembrando uma canção dos Enanitos Verdes, do finado Marciano Cantero, morto em setembro do ano passado. Mas dois destaques saltaram aos olhos e ouvidos dos presentes: Juanse, que recebeu Fito Paez no palco, e Divididos.

Se em Barcelona o festival ao longo de dois dias distribuiu melhor a escalação deixando o primeiro dia para o rock e o segundo para o pop e a cumbia, em Madri, com tudo acontecendo em um único dia, o tempo de cada apresentação precisou ser mais bem calculado. Mas mesmo com apenas cerca de 1h de show, Juanse, líder dos lendários Ratones Paranoicos, responsáveis pela abertura do debute dos Rolling Stones às margens do Rio da Prata em 1995 (função que no Brasil coube à Rita Lee), usou seu espaço para um show histórico.

Juanse

O público cantou do começo ao fim com hits como “Rock del Pedazo”, “La Nave” e “Rock del Gato”. O chão tremeu em “Sigue Girando”, que contou com a participação surpresa de Fito Paez. Fito, aliás, é um dos poucos nomes argentinos hoje que consegue lotar grandes casas de show na Espanha. O concerto em Barcelona estava esgotado há semanas, e ele aproveitou o intervalo da turnê para confraternizar no Dale Festival a convite de Juanse. Em um improviso puramente ‘rocanrol’ e em um gesto de grandiosidade, Fito colocou Juanse em seu devido lugar na história do rock argentino ao cantar que “los Ratone Paranoicos son la historia de Argentina, y seguimos rockeando, aquí, desde América Latina”. Arrepiante. Depois de uma menção ao finado guitarrista Pappo, tocando “Ruta 66”, o show de Juanse foi encerrado com “Para Siempre”, que da metade para o fim da música vira uma ode a Diego Armando Maradona. Enfadonha, mas cantada a plenos pulmões. Juanse fez um golaço.

Divididos

Juanse poderia ter sido o melhor show da noite, não fossem os igualmente lendários Divididos. A banda liderada por Ricardo Mollo, conhecido também por ter feito parte da Sumo, outra banda fundamental da história musical dos vizinhos, fez um show pesado e esbanjando técnica. Mas mesmo Mollo sendo eleito em 2012 pela Rolling Stone argentina como o segundo melhor guitarrista entre os 100 melhores guitarristas argentinos de rock, depois de Pappo e antes de David Lebón, quem chamou a atenção também foi o baterista prodígio Catriel Ciavarella.

Divididos

Em plena comemoração pelos 35 anos de carreira, e depois de lotarem o estádio do Velez Sarsfield, em Buenos Aires, em maio, e com dois shows esgotados no estádio do Club Atenas, em La Plata, em agosto, ver os Divididos em excelente forma em Madri para cerca de 5 mil pessoas é um verdadeiro privilégio. O show já começa com o Hino Nacional executado ao som de orquestra e Ricardo Mollo nos vocais. Em seguida soa “El Azulejo”, “Qué tal” e “La Rubia Tarada”. Após um breve momento de calmaria com “Spaghetti del Rock”, vem o reggae de “Qué Ves?” – regravada no Brasil na virada dos anos 2000 em uma versão sofrível da banda Tihuana – o blues toma conta do trio. Uma versão raivosa de “El Arriero” de Atahualpa Yupanqui encheu o palco. Mais uma homenagem a Pappo com uma versão incrível de “Sucio y Desprolijo” e o público estoura. Depois, lembranças do Sumo com “Crua Chan”, a ferocidade de “Rasputin” e o toque punk de “Paraguay” levaram o show a uma velocidade de cruzeiro. Um excelente show.

Ainda que nichado no público do país natal de Messi, o Dale foi uma excelente experiência que, pelo sucesso alcançado, deverá ter futuras edições na Espanha. Caberia uma iniciativa semelhante no Brasil. Seria uma ótima oportunidade de vermos os grandes nomes que ainda resistem como o próprio Juanse, Divididos, Babasónicos, El Mató a un Policía Motorizado, David Lebón, Pedro Aznar ou Calamaro. Fica a dica (ou a provocação). A Espanha mostrou o caminho das pedras… e foi bonito.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.