Três perguntas: Blick Bassy lança seu novo disco “Mádibá” e diz que a língua Baasa é sua “linguagem da sinceridade”

entrevista por Renan Guerra

O cantor, compositor e escritor Blick Bassy nasceu em Camarões, na África Central. Ao longo da carreira, que começou com a banda Macase quando ele tinha 22 anos, Blick lançou três álbuns solo (“Léman”, de 2009, “Hongo Calling”, de 2011, e “1958”, de 2019). Atualmente residindo na França, Bassy já ganhou prêmios internacionais, fez parcerias com artistas pop diversos, indo de Disclosure a Lenine, e se apresentou em dezenas de países. Aqui no Brasil, sua passagem mais recente foi no C6 Festival, onde já apresentou algumas das faixas de seu mais recente disco “Mádibá”, lançado no último mês de maio pelo selo francês InFiné Music.

Seu quarto disco solo, “Mádibá” é todo cantado na língua Baasa, um dos 250 dialetos de Camarões, país que tem cerca de 230 grupos étnicos – por conta de tanta diversidade cultural, o país também é conhecido pelo apelido “África em miniatura”. O álbum de Blick Bassy reúne 12 canções em formato de fábulas, tendo a água – ou a iminente falta dela – como tema central. Mádibá significa “água” em Douala, outro dialeto camaronês. Nesse cenário hídrico, o artista explora muitos aspectos sobre a água; da sua energia à escassez, até seu poder vital. Tudo isso surge para o ouvinte a partir da belíssima voz de Bassy, que consegue transitar por caminhos oníricos em uma jornada que mistura camadas de sintetizadores e arranjos de sopros que parecem quase mágicos.

Mádibá” é uma interessante conversa entre soul, folk e música eletrônica, além de um diálogo claro com uma série de referências que advém de artistas africanos contemporâneos. Blick Bassy cita como influências os artistas camaroneses Eboa Lotin e Émile Kangue, bem como nomes diversos que vão de Marvin Gaye a James Blake, até David Bowie e Prince. Aqui do Brasil, Bassy é fã confesso de Lenine, amigo de Margareth Menezes e um apaixonado por bossa nova. Para o Scream & Yell, o artista respondeu três perguntas e falou mais sobre a sua relação com o Brasil, sua formação multicultural e a importância de lançar um disco cantado na língua Baasa. Confira abaixo:

O novo disco “Mádibá” é todo cantado na língua Baasa. O que te leva a compor nessa língua e como funciona para você as transições entre diferentes idiomas? Como você percebe os idiomas dentro do seu trabalho?
Cantar na língua Baasa é um passo natural para mim. Essa língua é a que produziu os primeiros sons quando eu já tinha idade para falar. É também a linguagem que estruturou minha memória, minha expressão, minha imaginação e minha criatividade. É, portanto, para mim, minha linguagem da sinceridade. Vindo de um país onde se falam mais de 250 línguas, sendo apenas o francês e o inglês como línguas oficiais, foi importante para mim defender está língua e falar da necessidade de salvaguardar também todas as outras, porque sabemos que elas são o elo de ligação à cultura e às tradições. A língua Baasa também me dá a oportunidade de propor melodias e sons originais graças às entonações que habitam cada língua. Sendo a música o meu espaço seguro, é essencial para mim usar a linguagem da sinceridade que para mim é o Baasa, porque é a minha primeira língua. Sendo trilíngue, viajo de um espaço linguístico para outro conforme os acontecimentos e as circunstâncias, cada língua tendo o seu lugar, o seu papel. A linguagem tem um lugar essencial no meu trabalho porque, tal como a minha voz, é um veículo por onde circula a minha emoção, a minha vibração, a minha energia, o meu wi-fi. Também materializa as pinturas dos meus pensamentos.

Você tem uma relação muito próxima com a música brasileira, como começou essa aproximação e quais seus artistas preferidos? Aliás, como foi essa passagem por aqui no C6, se divertiu bastante?
Escutei muita música brasileira na minha adolescência. Um dos meus discos favoritos quando eu tinha dezoito anos era “Stan/Getz”, ouvia muito João Gilberto e Antônio Carlos Jobim. Também escutei muito Djavan e Lenine, que são artistas que amo. Mais tarde cheguei ao Brasil para gravar meu segundo disco, aí conheci Margareth Menezes, Saulo, Saulinho da Banda Eva e Lenine, com quem gravei duas faixas. Também me convidaram para o Carnaval da Bahia e do Recife onde toquei. Recebi tanto amor neste país, que realmente mudou minha vida. Minha passagem pelo C6 foi maravilhosa porque conheci artistas brasileiros incríveis com quem com certeza novas coisas vão nascer. Mal posso esperar para voltar a este país que amo. Foi curto, lindo e intenso.

O seu som tem como marca a diversidade, isso é algo natural para você? Como essas misturas se dão na hora que você está compondo?
Sou camaronês e tive a oportunidade de nascer e crescer no primeiro continente, o dos nossos antepassados. Cheguei à Europa cerca de trinta anos depois. Moro na França e graças à música viajo pelo mundo e conheço diferentes culturas, espaços e experiências. A minha memória e a minha imaginação vêm então cada vez que crio, é como fuçar nessa sacola de experiências que dá o que me proponho. Também gosto de navegar em águas desconhecidas, sair da minha zona de conforto para explorar novos universos, esse é o meu processo criativo.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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