Música – O relançamento de “Bingo”, do Cigarettes, em vinil: o tempo correu rápido

texto de Marco Antonio Barbosa

“You know the time is running fast
You know the time is running fast
You know the time is running fast
Over me
And over you”

O tempo corre rápido. Já corria quando os versos acima, da canção “Under Lights”, foram escritos. De lá para cá, tudo passou mais rápido ainda. Em 1997, quando os Cigarettes lançaram seu primeiro álbum, “Bingo”, não havia internet rápida. Aliás, para praticamente todo mundo, não havia internet, ponto. A moeda corrente na cena do rock independente era a fita cassete. Gravar e lançar CDs custava caro, muito caro, mesmo em uma era pós-hiperinflação (o Plano Real completara dois anos de implementação). E em 1997, discos de vinil eram um anacronismo abandonado por gravadoras e ouvintes.

O tempo correu rápido e chegamos a 2023. A internet 5G é ubíqua. A inflação voltou, menos feroz que antes (até quando?). Gravar CDs é fácil e barato, mas ninguém quer mais saber de CDs, só de cassetes (de novo!) e de… discos de vinil. Outra coisa que não existia em 1997 era a prática de relançamentos comemorativos de álbuns históricos, geralmente em edições cheias de penduricalhos.

O tempo corre rápido e nossos discos favoritos completam 15, 20… 25 anos de lançamento. E o primeiro álbum dos Cigarettes, “Bingo“, que sobreviveu como uma heroica e rara relíquia digital da década de 1990, correu atrás do tempo e o alcançou. Hoje, podemos ouvir um dos trabalhos mais importantes do rock indie brasileiro em glorioso som analógico, remixado e remasterizado, com direito a faixas extras. Um tratamento outrora reservado a dinossauros, incomum no Brasil até mesmo para medalhões consagrados.

Marcelo Colares / Foto: Eugenio Vieira

Tanto em termos sonoros quanto mercadológicos, “Bingo” é um instantâneo histórico, um retrato de uma fase mais espinhosa e incerta do indie rock brazuca – espinhosa, incerta e cheia de boas lembranças. Não sabendo que era “impossível” lançar um CD independente com canções cantadas em inglês em 1997, Marcelo Colares, Rodrigo Lariú e o selo midsummer madness foram lá e lançaram. Com o passar do tempo, multiplicaram-se as lendas sobre o álbum. Dizem que o álbum foi remixado depois de pronto, na calada da noite, por Colares, à revelia dos demais envolvidos. Metade da tiragem original foi enviada para um distribuidor de Portugal e desapareceu, o que contribuiu para a atual raridade do CD original.

Mas vamos imprimir os fatos, não a lenda. E os fatos são a música. “Bingo” soa tão fresco e encantador quanto em 1997. Ou ainda mais, com o benefício do som remasterizado. Mesmo as pequenas imperfeições no instrumental e/ou nos vocais tiveram seu charme elevado. O crunch em “Show”, “We’re Gonna Make a Sound”, “Sweet Little Darling” e “Junk” nunca pareceu tão crocante. Já o shimmer de “Happiness”, “The Beauty of the Day” e “Friendship” nunca foi tão límpido. Assim como “Blues”, “Say Goodbye”, “Naturally Sad” e “Fool” nunca soaram tão melancólicas. “You Gonna Make a Movie” ganhou cores cinematográficas, um rave-up em Cinemascope e Technicolor.

E quando Colares canta os versos que abrem este texto, na abertura do mini-épico “Under Lights”, sua voz nunca soou tão perto de nós, para submergir num dos grandes momentos de heroísmo guitarrístico daquela década. Sempre foi o encerramento perfeito para o disco.

Por mais que o tempo tenha corrido rápido (até demais) e a nova mixagem de Eduardo Ramos e o remaster de Alan Douches tenham trazido inédita clareza e punch, um aspecto fundamental de “Bingo” não foi alterado. Pode ter mesmo se intensificado. Refiro-me à sensação de que o disco existe em um universo paralelo, mais inocente e sonhador e ao mesmo tempo mais ambicioso. Um universo no qual canções barulhentas fazem sucesso na rádio e na TV; onde a melancolia e o romantismo juvenil sejam vistos como qualidades, não sinais de imaturidade; e onde podemos nos referir aos Cigarettes sem tantos complementos e apostos. Não como “uma das mais importantes bandas da história do indie brasileiro”, e sim como “uma das mais importantes bandas brasileiras”, apenas.

– Marco Antonio Barbosa é jornalista (medium.com/telhado-de-vidro) e músico (http://borealis.art.br).

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