Música: Primeiro álbum cheio do quarteto paranaense terraplana, “olhar pra trás” é uma estreia soberba que merece atenção

Capa de “olhar pra trás”, primeiro disco do terraplana

texto por Luciano Ferreira

A cada ano, novas bandas brasileiras de shoegaze tem surgido com a proposta de cantar em português. Em 2022, Gorduratrans, Chama e Turmallina lançaram trabalhos consistentes que misturavam elementos de shoegaze, post-rock, noise e alternativo noventista, tendo as barulhentas camadas de guitarras e efeitos como elemento base importante em suas composições, e com letras em português. É um caminho que o quarteto paranaense terraplana tem trilhado desde a sua estreia com o surpreendente EP “exílio” (2017), e que acaba de ganhar sequência com o álbum “olhar pra trás” (2023).

Sob a chancela do selo Balaclava Records, em “olhar pra trás” o grupo dá prosseguimento às propostas que nortearam tanto seu EP quanto o single de 2021, uma versão para “Na Sua Estante”, de Pitty: paredes de guitarra noise soterrando os vocais de Stephani Heuczuk (baixo e voz) e Vinícius Lourenço (guitarra e voz), mescladas com passagens de guitarras mais melodiosas (Cassiano Kruchelski, guitarra e voz), enquanto a cozinha fornece uma base com linhas de baixo profundas e graves e batidas precisas de Wendeu Silverio (bateria), seja nos momentos mais pesados ou quando a sutileza é reclamada.

Diferente de “exílio”, em que a banda fez tudo sozinha e de forma caseira, aqui há a produção de Gustavo Schirmer (Terno Rei, Marrakesh) e o trabalho de mixagem e masterização de Nico Braganholo, que mantém intactas as qualidades que fizeram do EP uma ótima carta de apresentação. Ao mesmo tempo, esse novo approach torna tudo mais “cristalino” dentro do universo musical do grupo.

Cheias de punch, as guitarras rangem, cortam, escalam as alturas, mas permite que as vozes, embora pálidas (quase sufocadas) sejam audíveis, o que se estende a todos os outros instrumentos. São várias camadas sonoras coexistindo em acordo para criar ambiências totalmente envolventes e efeitos hipnóticos, quase oníricos, como nas texturas etéreas da curtinha e incidental “um sonho, um fim”, espécie de introdução para “você”, a faixa mais post-rock do disco.

Com um conjunto de canções que primam por arranjos cadenciados, letras mínimas compostas de frases curtas, quase como fragmentos de pensamentos e ideias, que sugerem um diálogo consigo mesmo ou com o outro, “olhar pra trás” propõe imergir o ouvinte em seu universo interior e nas atmosferas envolventes que constrói. Há uma onda enorme de sentimentos em ebulição: nostalgia, melancolia. Há, principalmente, uma mensagem sobre seguir em frente (apesar do título), como dizem os versos de abertura do álbum com a ruidosa faixa título: “Por que não se joga / Sem olhar pra trás / Sem se preocupar?”, ou em “Me Esquecer”: “Eu quero esquecer / Todos os erros que cometi / Eu quero esquecer / Todas as vezes que me importei”.

Formado por oito canções que não tem medo de se entregar ao barulho, que se completam e quase se fundem, embora cada uma com personalidade própria, “olhar pra trás” é uma estreia soberba. Um álbum conciso em sua proposta sonora e certeiro em seu repertório de melancólicas e hipnóticas canções barulhentas. E dentro desse conjunto, há que se exaltar a força incrível da ótima “conversas”, desde já uma das grandes canções de 2023.

 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.