Entrevista: Festival alemão Summer Breeze chega ao Brasil e seu diretor fala sobre o evento e o mercado heavy metal no país

entrevista por Renan Guerra

Com mais de 30 bandas, quase 30 horas de programação e quatro palcos, a primeira edição do festival alemão Summer Breeze Open Air chega finalmente ao Brasil. Nos dias 29 e 30 de abril, o Memorial da América Latina contará com grandes nomes de diversas vertentes do rock mundial, como Stone Temple Pilots, Sepultura, Skid Row, Napalm Death, Parkway Drive e Blind Guardian. Além dos shows, o público presente também contará com palestras e seminários sobre o universo da música, bem como contará com uma estrutura ampla, que busca trazer a mesma experiência proposta em sua edição original na Alemanha – onde o festival já acontece há mais de 25 anos.

A versão brasileira do Summer Breeze conta com diversas outras experiências para além do heavy metal, de feira gastronômica a feira geek, passando por espaço para tatuagens, encontro com artistas e até um espaço kids para as famílias ficarem mais confortáveis. Essa edição está sendo uma aposta dos realizadores Rick Dallal, Claudio Vicentin e Rodolpho Tourinho. Além deles, o projeto conta com direção executiva de Bruno Gomes, VP de Booking e Eventos da Free Pass e que conta com uma carreira de cerca de vinte anos, com mais de 500 eventos produzidos em três continentes e 16 países, seja no mercado corporativo ou shows.

Aqui para o Scream & Yell, Bruno Gomes explicou de forma ampla, em entrevista via zoom, as demandas e os diferenciais da chegada de um festival como o Summer Breeze no país. Em um papo detalhado o profissional explica as expectativas dessa edição brasileira do evento e fala também sobre o mercado nacional de heavy metal no pós-pandemia. Confira abaixo o papo na íntegra:

Para começar, eu queria entender qual a sua relação com o Summer Breeze? Como você conheceu o festival e como surgiu essa ideia de trazer ele para o Brasil?
É totalmente operacional! Sou o diretor executivo do festival, fui contratado pelos sócios aqui do Brasil para exercer esse cargo, que é um cargo operacional ligado também a área de negócios. A ideia de trazer o Summer Breeze partiu de um dos sócios junto com o Achim Ostertag. O Claudio Vicentin, proprietário da Roadie Crew, uma gravadora aqui no Brasil, tem uma amizade de muitos anos com o Achim, que é o dono do Summer Breeze Alemanha. O Claudio costumava visitar o Summer Breeze e com essa conversa de muitos anos de ter um festival em estilo alemão aqui no Brasil, coisa e tal, surgiu essa ideia. O Claudio entrou em contato com o Rick Dallal – que é CEO hoje em dia do festival aqui no Brasil – e é também o CEO da Free Pass Entretenimento, com que eu venho trabalhando em produções há muitos anos. E eles desenvolveram essa ideia, levaram esse plano e conversaram com os alemães, e decidiram fazer a expansão da marca para o Brasil. Não é um franchise, a Alemanha faz parte da expansão aqui do Brasil. E me chamaram para liderar o projeto daqui.

Acredito que seja um desafio pegar um festival que já existe, que tem um nome muito forte na Alemanha e em todo o cenário de heavy metal e trazer isso para o Brasil. Queria saber como estão as expectativas de vocês com essa edição brasileira?
As expectativas são as melhores possíveis, as mais altas. É a primeira vez que um festival nesse formato, no segmento de rock e heavy metal, é produzido no Brasil dessa forma. Existem outros produtos excelentes no mercado, outros festivais de outras produtoras que são excelentes, tradicionais ou recentemente trazidos para o Brasil, mas o formato do Summer Breeze é um pouco diferente. Ele tem mais palcos, ele tem mais atrações e ele é mais diverso no sentido de misturar mais bandas e mais estilos no mesmo dia, que é uma coisa muito comum nos festivais europeus, desde os maiores até os menorzinhos que acontecem, por exemplo, no interior de países como a Alemanha. O Summer Breeze realmente trouxe essa aura, essa ideia do festival europeu para cá. Entendemos também que nós temos muitas tribos no Brasil e que essas tribos precisam ser atendidas, todas elas querem ver o seu artista (favorito) e, então, em um mesmo dia de festival você pode ter uma banda de thrash metall, uma de hardcore, uma de hard rock, de death metal, de melódico, todas as vertentes tocando no mesmo dia e coexistindo. Sobre os palcos: não era comum ter festival de heavy metal no Brasil com palcos simultâneos, era comum em festivais de outros segmentos musicais, em que você tinha os palcos tendo shows ao mesmo tempo, mas em heavy metal não. O Summer Breeze está trazendo essa experiência para o Brasil. E estamos atentos ao retorno do público e ficaremos mais atentos ainda ao público que irá no festival para entender – junto com a Alemanha, junto com o público aqui do Brasil – se é isso mesmo que o brasileiro quer, se é isso que o brasileiro gosta, se esse tipo de experiência que foi estudada antes de vir para o Brasil, quando ela se materializar, se é isso mesmo que vai ser bacana.

Essa edição será realizada no Memorial da América Latina e vocês irão utilizar o espaço dele de forma completa, o que também é uma experiência diferente, utilizando os dois lados dele (como foi no Coala Festival, ano passado). Acredito que isso cria uma experiência diferente nesse estilo de festival, como você falou.
Sim, pois é um pouco mais imersivo, você fica imerso ali em um universo rock / heavy metal como se você tivesse dentro de São Paulo em um cluster seu, um espaço pessoal, junto da sua tribo, de gente que fala a sua língua, independente de qual vertente do rock e do heavy metal você mais gosta. Mas existe uma praça principal de shows onde você tem dois palcos lado a lado – você obviamente não tem dois shows simultâneos, quando acaba um imediatamente já começa o outro, então você não tem aquele período de espera, de mudança no palco para sair uma banda e entrar outra. Para o público isso proporciona a possibilidade de ter mais artistas tocando, justamente porque ali na área do Memorial existe um perfil em que você tem que parar o show às dez horas da noite e não pode começar muito cedo, até porque não faria sentido começar muito cedo, as pessoas não querer estar às sete horas da manhã na frente do palco. Essa troca de bandas (nunca palco só) proporciona (perda de tempo e) menos shows, então esses palcos lado a lado vieram para resolver isso. Tem algumas outras experiências acontecendo desse lado, como esse produto premium do festival, que é o Summer Lounge. Ainda desse mesmo lado você também tem alimentação, tem bebida, tem banheiros, o normal de um festival. No outro lado do Memorial teremos a adição de um outro palco. Nesse outro lado estão focados o Espaço Kids, o Skate Room, a feira de tatuagens, toda a parte de merchandising, a parte de culinária, a área de descanso, enfim, traz toda essa atmosfera do festival europeu. E, ao mesmo tempo, o público que decidiu comprar o Summer Lounge terá acesso a um palco indoor exclusivo dentro de um teatro, em que não são só shows, mas também palestras com diversos artistas, como Bruce Dickinson e alguns artistas nacionais.

Uma das frentes que vocês também falam é de ser um espaço em que as pessoas podem ir em família, tanto que tem o Espaço Kids, que é uma coisa também diferente, não?
Exatamente. A gente entende que, olhando o line-up do festival, muitas dessas bandas têm um público 30+, provavelmente já casados e com filhos. E fica complicado na vida que a gente vive hoje (sair pra ver um show e deixar as crianças em casa). Às vezes o casal mudou de cidade e não tem com quem deixar as crianças, talvez não queiram deixar com amigos, pais ou numa creche, enfim, ou simplesmente querem levar as crianças mesmo para curtir o evento com elas e não se vê muito isso em festivais. No Summer Breeze Alemanha há um senso de comunidade, esse senso de todos pertencerem a esse ambiente, de todos pertencerem a esse mesmo mundo. E aí a gente entendeu que aqui no Brasil seria muito bacana se a gente pudesse ter Espaço Kids com brinquedos, com monitoria, com aulas de inicialização musical para as crianças, banheiro exclusivo, fraldário, enfim, uma estrutura voltada para as crianças, para dar um conforto tanto para elas quanto para os pais curtirem o festival com a cabeça tranquila de que os filhos estão sendo bem cuidados. Importante lembrar que a pessoa não pode simplesmente deixar o filho ali no Espaço Kids para o festival cuidar, mas ela tem um espaço para a criança ficar e que ela possa acompanhar.

Sim, sim. A gente falou um pouco dessa questão do line-up, dessa diversidade e tal, e eu queria entender se esse mix de gêneros é uma escolha para essa edição do Brasil, se é algo trazido da Europa, como que foi montado esse line-up, como ele foi pensado?
Essa edição em São Paulo é uma edição de celebração. O festival completou 25 anos na Alemanha em 2022 e em 2022 foi anunciada a expansão da marca para o Brasil, então tudo que acontece em 2023 é um ponto um pouco fora da curva, porque está dentro dessa celebração, então esse line-up extremamente diverso e algumas das ações que estão sendo feitas no festival em 2023 são parte dessa celebração. O festival vai mudar completamente de cara para 2024? Não, o festival tem essa cara porque ele tem essa cara na Alemanha, só que essa é a primeira edição, então é uma edição de celebração por ser a primeira e ela ajuda a celebrar os 25 anos da marca no mundo e a partir de 2024 ele é um negócio regular que acontece no país, assim como outros festivais acontecem. E aí daqui a 10 anos a gente vai ter uma edição celebrando e aí talvez venha com alguma novidade, essas coisas.

Você citou as palestras, que acredito ser um tipo de experiência diferente quando a gente pensa em um festival de heavy metal, não é uma coisa comum, pelo menos não para o público brasileiro e aí gostaria de entender como foi pensada essa logística das palestras?
A gente entende que dentro do universo rock n roll e heavy metal você tem muitos tipos de pessoas, com diversos interesses e a ideia foi trazer palestras de ícones do rock, pessoas que talvez os fãs já tenham visto em cima do palco cantando diversas vezes, mas não tenham tido a possibilidade de conhecer esse grande ídolo dele de uma outra forma, por um outro ângulo, e ouvir dessas pessoas que são extremamente influentes e importantes no mercado algum tipo de dica. A gente sabe que tem muito músico que frequenta esses festivais, muita gente que tem banda, que pensa em ter carreira, então essas palestras são muito bacanas por isso. Você ter, por exemplo, o Bruce Dickinson, que é um dos maiores ícones do rock e do heavy metal, um empreendedor extremamente habilidoso, um grande gênio, dando uma palestra dentro de um festival, eu acho que seria o primeiro quadradinho que eu circularia de show que eu precisaria ir e depois eu veria o resto das bandas, porque a gente se preocupou inclusive em colocar essas palestras em horários que não conflitassem com algumas das bandas que a gente já sabe que são as bandas queridinhas, que todo mundo quer assistir. Por exemplo, se eu colocasse a palestra do Bruce Dickinson na hora do headliner do festival, eu sei que eu teria problemas.

O festival chega no Brasil em um momento em que o mercado de shows vive uma ebulição pós-pandêmica, e eu queria entender de você, que trabalha há tantos anos nesse mercado, como é a sua visão desse momento em que a gente está vivendo?
O mercado de shows é um reflexo da vida e das referências de consumo de todos os outros mercados. As pessoas ficaram por dois anos, basicamente, trancadas dentro de casa por causa da pandemia, aprenderam a consumir produtos e serviços de forma on-line, porém uma coisa que é insubstituível para o ser humano, que é um animal de convívio coletivo, é a experiência do ao vivo, essa experiência do conviver com seu próximo, do show, do festival, essa catarse coletiva, essa coisa que só um evento ao vivo te proporciona. Sendo assim, obviamente existe uma demanda gigante, porque as pessoas estavam com isso reprimido, mas ao mesmo tempo existe uma oferta gigante, porque todos os artistas e todas as bandas estavam ali também paradas durante dois anos, então turnês, festivais que teriam sido parcelados durante esses dois anos acabaram explodindo e indo pra estrada tudo ao mesmo tempo, pois todo mundo tinha conta pra pagar e precisava botar a vida em ordem. É o que muitos chamaram em pesquisas de efeito champagne, de que a gente viveria em 2, 3 anos – tiveram especialistas que falaram até em 5 anos. Qual é a grande verdade disso? A grande verdade é que isso se aplica de formas diferentes para cada negócio, pois cada segmento é único, mas eu vejo de forma muito positiva. Hoje no Brasil você ter vários festivais do segmento rock e heavy metal é ótimo, pois ajuda a fomentar o segmento, ajuda a trazer uma nova geração para isso, criar novos públicos consumidores, pois era um público que há alguns anos já estava ficando envelhecido e isso complica a durabilidade e a sustentabilidade dos negócios. Hoje esse público já vem se renovando com os grandes eventos e grandes bandas vindo para o Brasil. E isso acelerou agora depois da pandemia, com grandes shows vindo, festivais chegando. E em linhas gerais vai ser como sempre foi, um show ou outro terá suas dificuldades, um festival ou outro vai acabar se dando melhor que outro por determinada configuração… E o ser humano nunca vai deixar de consumir entretenimento. Cabe ao empresário que quer entrar nesse segmento estar mais preparado, estar mais direcionado e entender das novas estratégias de divulgação e de venda, pois o padrão de consumo mudou muito, as pessoas consomem agora de uma forma muito diferente, já vinha mudando, mas se acelerou muito com a pandemia. Por exemplo, coisas que se aplicavam em 2019 e no começo de 2020 não se aplicam mais. Para você divulgar seu evento você não vive mais sem o digital e esse digital muda a cada dia, os algoritmos mudam a cada dia.

Você falou dessa renovação de público e de um público que se modifica, e na sua carreira você já trabalhou com bandas de diferentes frentes dentro do heavy metal, então queria entender qual o seu olhar para esse público de heavy metal hoje no Brasil. Acredito que a gente tem um público bastante diverso atualmente, que consome e que está indo a esse tipo de evento, por isso qual o tipo de público que vocês esperam no festival?
Não só de heavy metal, cheguei a fazer Simple Plan, Ziggy Marley, Gogol Bordello… Mas enfim, dentro do heavy metal foi até um pouco surpreendente, de forma positiva, pois a gente tinha diversos estudos de mercado e de público que tinham sido feitos em cima das bandas que nós já pretendíamos contratar antes do festival ser lançado. E quando a gente abriu a venda se percebeu que a faixa de idade média era mais baixa do que a gente antevia. E isso foi uma grata surpresa. Então ainda hoje a gente vê um público bem jovem ali se aproximando de alguns estilos, principalmente quando a gente fala de bandas como Parkway Drive, que são da nova geração do metalcore, tem um público bem jovem que a acompanha. Mas também tem um público super jovem que acompanha bandas de uma sonoridade que não são tão jovens assim, como o próprio H.E.A.T, que é uma banda nova, mas com sonoridade oitentista. Se tem renovação em quase todos os estilos de rock. O rock tem uma pequena diferença, até por não estar há muito tempo na grande mídia, por não estar há muito tempo tocando em rádios populares, acaba sendo uma coisa que meio que é passada de amigo para amigo, de pai para filho, é uma coisa meio cultural de nicho, de segmento, com um apelo quase que familiar dentro do rock. Então se você nasce numa casa em que você tem um pai roqueiro, a chance de você acabar gostando de rock é grande, porque certamente você vai ser exposto. Essa renovação é bem positiva. Ano passado eu estive em outro festival, feito por uma outra empresa, e pude ver o Bring Me The Horizon e tinha ali um público super jovem, 18, 19, 20, 21 anos, então para quem não conhece tanto do mercado e achava que o rock estava morto, não é bem a verdade.

 Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava. Todas as imagens no post são de Pedro Clash, responsável também pela arte da capa do disco. 

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