Cinema: “Dungeons & Dragons – Honra entre Ladrões”, de Daley e Goldstein, funciona por dialogar com qualquer espectador

texto por João Paulo Barreto

A vontade de começar esse texto chamando “Dungeons & Dragons” (2023) de “Caverna do Dragão” é grande. Se você que está lendo já passou dos quarenta, deve ter se sentido tapeado em algumas das manhãs antes da escola vespertina ou nos sábados matinais. Nessas ocasiões era exibido na TV com uma clássica dublagem um desenho animado que trazia um grupo de adolescentes presos a um mundo mágico, repleto de criaturas que pareciam advindas das páginas de J.R.R. Tolkien, e que, apesar de sempre tentarem, permaneciam presos àquele local sem conseguir voltar para a própria realidade deles.

“Dungeons & Dragons” (em tradução livre, “Calabouços e Dragões”) é, de fato, o nome original do desenho em questão que, antes de se tornar a aclamada animação que embalou infâncias, se tratava de um jogo de estratégia muito popular no começo dos anos 1980. O conhecido RPG (Role-Playing Game, ou jogo de personagens) se tornou febre entre adolescentes que tinham naquela diversão conjunta que envolvia regras rígidas, leituras de textos (tempo bom a fase antes do smartphone…), tabelas com características complexas de seus personagens, bem como dados apurados com diversas faces que indicavam não somente movimentos, mas índices emocionais de cada uma das figuras heróicas ou vilanescas que se tornam alter egos do grupo de pessoas que se reunia ao redor de uma mesa para jogar.

Agora, como transformar aventuras imaginadas por diversas mentes dentro de um jogo de encenação em um longa metragem cujo roteiro consiga mesclar personagens carismáticos; uma ambientação de magia; um teor leve de comédia; um vilão que fuja do caricato (mesmo que Hugh Grant se divirta sendo caricato) e aspectos medievais, tudo isso unido a cenas de ação inventivas e efeitos especiais exuberantes que façam valer o ingresso? Claro que muito do que o público verá em tela bebe na fonte de nomes como o citado Tolkien, além dos escritos de Thomas Malory (um dos autores a abordar a saga de Arthur e a Távola Redonda), mas o que encontramos nessa segunda e redondinha adaptação da proposta de “Dungeous & Dragons”, dirigida por John Francis Daley e Jonathan M. Goldstein, é algo surpreendentemente eficiente e bem diferente da tragédia homônima lançada em 2000 que, dessa vez, ganha um frescor criativo e o subtítulo de “Honra entre Ladrões”, fator que definirá o arco de reviravoltas do filme.

Na trama, Chris Pine e Michelle Rodriguez vivem Edgin e Holga, uma dupla de ladrões que, após escapar da prisão onde cumprem pena (em uma hilária sequência que une de modo inteligente o necessário flashback que nos mostra como foram parar ali), tentam retornar ao reino onde viviam para resgatar a filha de Edgin, Kira, que ficou sob os cuidados de um dos seus comparsas, Forge (Hugh Grant). Claro que uma reviravolta impedirá que eles encontrem tudo como era antes em seu destino e a missão de encontrar uma relíquia perdida se tornará prioridade diante do resgate da jovem Kira.

Apesar de trazer elementos que farão mais sentido àqueles familiarizados com o jogo de RPG (como quando instruções de como se atravessar uma ponte são proferidas de modo explícito), “Dungeons & Dragons” funciona por dialogar com qualquer espectador. Principalmente quando momentos como a elfa mutante Doric (Sophia Lillis, de “It – A Coisa”) entra em ação em um espetacular plano sequência que a traz invadindo um castelo e sendo perseguida por guardas e feiticeiros enquanto se transforma em diversas criaturas. E no aspecto comédia, Chris Pine demonstra-se perfeito ao apresentar as trapalhadas de seu personagem, o Bardo tocador de banjo. Com toda a cena envolvendo a necessidade ressuscitar guerreiros que só podem responder a cinco perguntas, fica comprovado o tom certeiro de comédia do filme.

Quando, no labirinto que se desenha no filme em seu último ato, vemos os queridos personagens de Caverna do Dragão surgirem incógnitos, fica certo que ali está a cereja daquele delicioso bolo.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.