Entrevista: Um mariachi romântico urbano, Elder Effe abraça o power pop em seu novo disco solo, “O Ciclo das Flores”

entrevista de Ismael Machado

Há duas expressões que indicam uma possibilidade imaginária, que nos fazem elucubrar sobre algumas alternativas na vida. No futebol, por exemplo, há sempre aquele lamento suspiroso ‘se aquela bola não tivesse batido na trave’, ‘se o juiz não tivesse garfado o nosso time’. O ‘se’ é uma tentativa de mudar um passado ruim por algo melhor. Há outra expressão: ‘fosse fulano isso ou aquilo e as coisas seriam diferentes’.

É nessa segunda expressão que se pode conjecturar sobre o guitarrista, cantor e compositor paraense Elder Effe. ‘Fosse um cara gringo e seria aclamado como um ídolo indie do power pop’. ‘Fosse ele do Sul Maravilha, aquele eixo situado entre Rio de Janeiro e São Paulo’, seu reconhecimento seria maior.

São projeções. Fato. Mas é realmente uma pena não ser Elder Effe mais (re)conhecido no cenário musical do rock e do pop brasileiro. A ele se permitem alguns clichês batidos em textos jornalísticos culturais, como ‘artesão pop’, por exemplo. O cara sabe fazer canções melódicas-grudentas-emotivas-agridoces-solares e mil e um eteceteras que quisermos inserir.

E isso vem de longe. Desde quando lá no início dos anos 2000, ajudou uma banda surgida em Castanhal, município da Região Metropolitana de Belém, a criar um disco feito da maneira mais caseira possível que se tornaria um marco no rock paraense. Recheado de canções pop do mais alto quilate, “Fanzine” tornou o Suzana Flag uma das queridas do cenário alternativo de Belém. Não é exagero repetir o clichê: ‘fosse uma banda do eixo, o Suzana Flag seria rapidamente alçada à condição de queridinha de crítica e público’.

Mas o tempo passa. Elder sai do Suzana Flag e envereda por outros caminhos. Monta e participa de outras bandas, enquanto aos poucos vai costurando uma carreira solo com aquilo que sempre fez de melhor, as canções certeiras de trovador urbano.

É isso que mais uma vez, tantos anos passados, maturidade cobrando pedágios, sonhos se transmudando e a vida seguindo seu rumo na luta pela vivência e sobrevivência, que Elder traz mais uma vez, com “O Ciclo das Flores” (2023), disco mais recente, onde ele, para usar novamente uma expressão futebolística, ‘bate o escanteio e corre para cabecear’. É ele quem faz de tudo um pouco nesse artesanato quase solitário de produzir o disco.

Ciclo das Flores” está repleto de guitarras power pop, refrões, tiradas poéticas inteligentes e sensibilidade de um jovem maduro que um dia sonhou ser guitarrista de banda de rock. E ainda se mantém nessa estrada, apesar de tudo. “Na pressão, na pressão / de repente abre o chão e o mundo te engole / É a pressão”, ele canta logo na abertura do disco. Em “O Abraço do Cacto” Elder afirma: “Eu sou plano que fracassou / Eu sou a volta pra trás / Eu sou a raiva que esfriou”.

Há muito de busca por uma ingenuidade perdida e uma maturidade ainda por se estabelecer de forma plena, com suas dores e angústias, sim, mas também com aquele traço de esperanças e certezas de se ter trilhado um caminho certo, com curvas e voltas, erros e decepções, mas ao mesmo tempo, como aquele herói de filmes de faroeste, entendendo que há outra cidade, outras paragens, outro dia, por trás daquela montanha, ao fim do pôr do sol. Elder é um mariachi romântico urbano. Um guitar hero de ego domesticado por acordes cheios.

“De onde vem a solidão? De onde é que vem o chão? Quando se esconde, que sensação é você?”. São essas dúvidas que ele traz. São dúvidas nossas. Para quem tem o rock como pedra angular na vida, como bote salva-vidas a nos resgatar, cabe sempre à pergunta: “Com quantas partes se faz uma canção?”. Elder Effe talvez não tenha as respostas completas, mas certamente sabe que, pelo caminho, muitas vezes as perguntas são sempre mais importantes.

Como é que tu encaras a passagem do tempo? Esse ciclo… juventude e maturidade. O que se altera em termos de sonhos e realidades? O que trafega no meio desse caminho? É a mesma coisa pegar uma guitarra hoje em relação há 20 anos? O que muda nisso?
Eu tenho dito que esse álbum é o trabalho que quero fazer desde quando eu tinha 14 anos de idade. Falo isso porque ele sintetiza todas minhas influências e traz as referências que fizeram eu querer ter uma banda. Está tudo aí, o rock oitentista, o grunge e rock alternativo dos anos 90. Não que eu não tivesse flertado com esses estilos antes, o fiz nas mais de 80 canções que lancei. Só que agora o aparato técnico, equipamentos, experiencia e o entendimento dos processos me permitiu chegar na sonoridade ideal.

A questão de fazer tudo quase sozinho? ‘eu sou o plano que fracassou’… é mais fácil, mais solitário, quais os ganhos e perdas disso?
Eu continuo fazendo música da mesma forma que fazia na casas dos pais, eu monto as músicas, faço os arranjos e gravo a maioria das coisas, gosto de exercer minha criatividade nesse formato “solitário”, considero o resultado 100% fiel dessa forma. Por alguns anos eu contextualizei fazer tudo sozinho como uma coisa egoísta e estava sempre procurando bandas pra dividir os “pincéis” que a música pediu. Depois, com a maturidade, eu entendi que a música vem desenhada na cabeça por inteiro e aceitei isso como um “superpoder“ e não como uma coisa negativa.

Essas músicas são de antes ou depois do auge da pandemia? Isso te afetou de que forma? Como a música te ajuda a atravessar momentos como esse, por exemplo? Que papel ela ainda tem hoje para ti?
É sempre uma mistura de coisas novas e antigas. Eu sempre tenho um banco bem versátil de composições prontas pra serem trabalhadas, esse terceiro álbum estava ganhando um formato Bob Dylan (esse disco já está composto e uma hora sai) mas, no meio do caminho, resolvi envenenar o álbum, muito influenciado pelo feedback de amigos e fãs que me diziam coisas tipo “Cara, a tua pegada powerpop é minha fase favorita” ou “cadê as bandas de powerpop do Pará?”. Sobre a questão da pandemia, acho que todo mundo que trabalha com arte foi afetado pelo oque gente passou durante essa dança com essa crise sanitária mundial e o fascismo brasileiro. “Doravante Hotel”, “Gatilho” e “Trovador” foram músicas que lancei antes do disco que estavam muito mais contextualizadas nesse momento. No álbum acredito que o fluxo criativo seja mais de buscar uma sonoridade mais explosiva e fora do que vinha fazendo nos trabalhos anteriores. Meus álbuns sempre soam diferentes, propositalmente. Também coloco o disco dentro do contexto de fomento ao rock paraense que a gente vem fazendo com o projeto “Rajada Night” e “O Rock não para no Pará“.

Dia de sol ou noites sem lua? Canções luminosas ou músicas para embalar as quedas? A chuva olhada da janela ou o passeio de bicicleta? Que ciclo é o melhor definidor para canções pop? A ideia do Jim Reid de ‘se estou bem não vou fazer uma canção, vou viver’, ou a ideia do Paul… ‘sempre tem espaço para tolas canções de amor?’
Luz e sombra sempre, carrego comigo isso desde moleque, ao mesmo tempo que ouvia um Kreator eu ouvia o Palhaço Carequinha. Ser músico e compositor é filtrar o máximo de referências sonoras possíveis, lógico que o gosto sempre vai te levar para um lado mas nunca me limitei a um só estilo de música ou nicho. Um exemplo que dou é da minha fase compondo pro (disco infantil do) Espoleta Blues, ao mesmo tempo que a gente fazia um bolero a gente fazia um punk rock e outros estilos. No momento estou na vibe de fazer uma música mais “potente”, mas minha gaveta sempre tá cheia de músicas variadas prontas pra ganharem vida.

Qual tua idade hoje e qual a tua lembrança mais primeva sobre o poder de uma canção rock sobre tua vida?
Estou com 43 anos, em maio completo 25 anos de carreira. “Fanzine” completou 20 anos em maio desse ano. Eu tive a sorte de nascer nos anos 80, então fui criança ouvindo rock Br na rádio, televisão, vendo bandas de crianças como Trem da Alegria e Balão Mágico. Depois fui arrebatado pelo rock dos anos 90, grunge, metal, punk rock, MTV. Então posso dizer que minha geração queria ter uma banda de rock. Eu quis mais que aFes maioria e por isso segui isso desde os 14 anos de idade.

– Ismael Machado é escritor, roteirista e diretor audiovisual. Publicou cinco livros e é ganhador de 12 prêmios jornalísticos. Roteirista dos longas documentários “Soldados do Araguaia” e “Na Fronteira do Fim do Mundo” e da série documental “Ubuntu, a partilha quilombola“.

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