Três discos: Cris Braun, Suzana Flag, Lou Reed

texto por Marcelo Costa

“Atemporal”, Cris Braun (Psicotrônica)
Praticamente oito anos após sua estreia solo com “Cuidado Com Pessoas Como Eu” (1997), Cris Braun retorna com um novo disco, “Atemporal” (2005), em tom leve e tranqüilo. Egressa dos Sex Beatles, que também revelou Alvin L. (excelente letrista e dono de um dos melhores discos desconhecidos dos anos noventa, “Alvin”, 1997), Cris Braun abandonou a metrópole Rio de Janeiro em 2000, mudando-se para a não tão afastada Teresópolis, mas distante do barulho e da loucura da “cidade grande”. A opção pelo afastamento refletiu no som calmo deste “Atemporal”. Se em “Cuidados Com Pessoas Como Eu”, Cris misturava MPB com eletrônica em versões pessoais para canções como “Brigas” – de Jair Amorim e Evaldo Gouveia e famosa na voz de Ângela Maria –, “Bom Conselho” (de Chico Buarque) e “Conforto” (parceria inédita de Frejat e Cazuza), agora a cantora opta por arranjos delicados que destacam sua bela voz. “Atemporal” compila nove faixas que destacam o lado compositora da artista. Pela primeira vez ela assina canções sozinha, três ao todo, entre estas a bonita faixa de abertura, “Entre o Céu e a Terra” (“Tudo é tão lindo / É só olhar que não há metáfora / E olha que a metáfora é a coisa mais linda / Que há na língua”) e a provocativa “Drum And Bass Is Past”. Duas boas covers marcam presença no álbum – “Falso Amor”, de Jair de Oliveira e “Nenhuma Dor”, de Caetano Veloso – enquanto Paula Toller divide vocais na linda “Bom Dia”, e assina com Billy Brandão e Cris a faixa que fecha o disco, “Magda”. Produzido por Gustavo Corsi, Billy Brandão e Beni Borja, “Atemporal” chega ao mercado pelo selo independente Psicotrônica, o mesmo que colocou nas lojas o bom retorno dos Picassos Falsos.

“Fanzine”, Suzana Flag (Independente)
A música pop tem o dom de transformar as coisas mais abjetas em sucesso de massa ao mesmo tempo em que renega coisas geniais que correm o risco de passar desapercebidas do grande público. Como disse sabiamente José Emilio Rondeau um dia, “um bilhão de Robertos e Erasmos para cada Arnaldo Baptista”. Esse foi o primeiro pensamento que surgiu após uma audição de “Fanzine”, primeiro álbum da banda paraense Suzana Flag. O combo de Belém faz um (pop) rock de extrema qualidade, em que guitarras comportadas e eficientes fazem a cama para as vozes de Elder (também baixista) e Susanne. É o tipo de som que deveria estar ocupando um lugar de destaque nas rádios brasileiras. “Fanzine” foi lançado originalmente em 2002, como CDR. Esgotou rapidamente as 500 cópias e a banda decidiu fazer uma nova prensagem mais profissional (mas ainda artesanal), que viu a luz do laser em 2004. O encarte caprichado traz as boas letras enquanto a contracapa conta detalhes da aventura: o disco foi gravado no quintal da casa do guitarrista, com dois aparelhos de mini-disc, uma mesa de oito canais, uma pedaleira, um gravador de rolo e um teclado simulando bateria eletrônica. Parece tosco? Parece, mas não é. A banda passou quase um ano no processo de gravação caseira, o que acabou dando um punch maior aos arranjos. No final, o disco saiu redondinho e cheio de músicas perfeitas para se tocar em rádios, botecos e acampamentos, melodias juvenis como a brisa antes de se transformar em vento. A unidade do repertório é tão grande que é impossível indicar apenas uma faixa de “”. Dá para dizer que entre “Ludo” (a música que abre o disco) e a versão ao vivo de “Eu Vou Lembrar de Você” (faixa bônus gravada ao vivo no estúdio da Rádio Cultura da cidade), o rock nacional tem onze motivos para olhar com admiração para o Pará e se render ao som do Suzana Flag.

“Animal Serenade”, Lou Reed (Reprise)
Quem precisa de mais um disco ao vivo de Lou Reed? “Animal Serenade” é o sexto álbum ao vivo da carreira do músico, sem contar uma centena de bootlegs solo e de registros com o Velvet Underground. Porém, “Animal Serenade” já valeria o registro: Lou entra em cena, a plateia urra. O guitarrista pega seu instrumento e, sozinho, preenche o ambiente com a batida inconfundível de “Sweet Jane”. Não dura nem vinte segundos. Lou para tudo e diz: “Bem, eu gostaria de explicar como eu crio uma canção de três acordes”. O público ri. “Eu quero que os integrantes das novas bandas prestem atenção, essa é a lição 1”. Três acordes depois, com o público rindo, ele termina a aula. E não toca “Sweet Jane”. No entanto, diverte ao parar tudo, novamente, em “Smalltown” e conversar com a plateia “Men Of Good Fortune” e “How Do You Think It Feels”, ambas de “Berlin” (1973), ganham versões matadoras ao lado de canções mais novas como “Set The Twilight Reeling” (1996), “Ecstasy” (2000) e faixas do último álbum de estúdio do músico, “The Raven”, como “Vanishing Act”, “Call On Me” e a faixa título. Os arranjos são simples, bonitos e funcionais. No palco, Lou e sua guitarra são acompanhados apenas por Mike Rathke (que se alterna entre a guitarra e o ztar), Fernando Saunders (baixo e bateria eletrônica) e Jane Scarpantoni (violoncelo), com ocasionais acréscimos de backing vocals. “Street Hassle” (1978) e “Dirty Boulveard” (1989) ganham versões acachapantes, mas nenhuma delas chega ao ápice emocional das velhas e clássicas canções do Velvet Underground. “Venus in Furs””Sunday Morning” surge delicada, com um dedilhado de piano conduzindo a música. “All Tomorrow’s Parties” ganha velocidade, mas perde charme, enquanto “Heroin” fecha o show de forma brilhante, matadora e inesquecível, com Lou enxertando trechos de “Ill Be Your Mirror” no meio. “” flagra um Lou Reed inspirado e animado brincando com pérolas de seu repertório. Gravado em Los Angeles, em 2003, o álbum foi lançado em março do ano passado em quase todo o mundo, inclusive na Argentina, mas não chegou às prateleiras brasileiras. Uma pena. “Animal Serenade” é uma ótima maneira de se aprender como ser crítico e contemplativo com seu próprio repertório sem tender a ser um babaca convencido. Mais do que ensinar três acordes, Lou Reed demonstra, na prática, como continuar criativo após os 60 anos. Como não descansar sobre os elogios da crítica. Como continuar vivo e tocando. Como fazer de um show um momento inesquecível para o público. Quem precisa de mais um disco ao vivo de Lou Reed? Todos nós.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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