Ao vivo: Letrux se despede de “Aos Prantos” em BH com dois shows orgásticos atiçando uma ansiedade gostosa pelo próximo disco

Texto e fotos por Bárbara Moreira

Em 2018, Letrux apresentava o espetáculo “Em Noite de Climão“, o que seria seu último show solo em terras mineiras em quase quatro anos. De lá para cá, matou a saudade do público a conta gotas, com algumas apresentações em festivais, como o caso da participação especial com Biltre na edição de 2020 do Festival Sensacional! e o show com banda completa no mesmo festival, mas em 2022. Seu primeiro álbum tornou-se um clássico da música brasileira recente, mas os belorizontinos clamavam pelo show “Aos Prantos”, que até então não havia sido apresentado em turnê solo na cidade.

A história desse texto começa em janeiro, numa sexta-feira 13. Com a capacidade para mil e duzentas pessoas, a Autêntica – agora situada no Santa Efigênia – se abarrotava à medida que Luiz Valente comandava a discotecagem com seu impecável set de brasilidades. Apesar da energia densa que emanava do ar como corrente elétrica, tudo indicava que seria uma noite memorável quando a banda de abertura subiu ao palco – Octávio Cardozzo, Camila Rocha, Gabriel Bruce e PC Guimarães –, elevando a expectativa e aquecendo o público para a artista principal. Porém, antes que a banda de abertura finalizasse os agradecimentos, a casa de show mergulhou em uma escuridão que viria a comprometer toda a noite.

O acontecimento rendeu várias piadas com os títulos dos álbuns. De primeiro sold out do ano e um dos shows mais aguardados desde a reabertura da casa, uma noite de climão se instalou à medida que as horas se passavam e as possibilidades de show diminuíam. E grande parte do público ficou aos prantos quando o cancelamento da noite veio às 2 da madrugada. Num ato de respeito ao público que permaneceu na casa até o último momento, Letícia e banda subiram ao palco e cantaram uma versão acústica de “Cuidado Paixão” na penumbra.

A ironia da noite foi capaz de pôr à prova até os mais céticos que, diferente de Letícia Novaes, não acreditam em misticismos e coincidências. Mas fato é que o adiamento do show causou um efeito positivo, no fim das contas: remarcação do show para o dia 11 de março, com direito a uma data extra no dia seguinte.

Se no dia 13 de janeiro havia uma energia que pairava sobre o público como um véu de tensão prestes a se romper, no dia 11 de março encontrou-se uma massa inicialmente reticente pelos contratempos da primeira noite. Depois de um rápido show de abertura de Octávio – convidado para repetir a noite –, eis que a banda entra no palco com Letícia fazendo sua aparição triunfal em seguida, e foi ao som de “Aos Prantos” que o público relaxou, cantando a música em um êxtase coletivo. Naquela noite, ninguém choraria – nem mesmo os artistas.

“Aos Prantos” não foi apresentado na íntegra, mas as faixas que ficaram de fora (“El Dia Que No Me Quieras” e “Cry Something Awkward”) não fizeram falta crítica. No lugar, os fãs foram presenteados com “Me Espera”, música composta durante a pandemia e uma interpretação de “Agora Ninguém Chora Mais”, de Jorge Ben Jor, um dos pontos altos do show; dedicando a música ao presidente Lula, Letícia aproveita a deixa para mudar o figurino, apresentando uma calcinha com o rosto do presidente estampado. A partir daí, não faltou gritos de “tira a roupa!” para a vocalista, que sofria tanto quanto o público com a temperatura elevada da casa. Fosse pelo calor, fosse um gesto imitado, parte do público também começou a se despir.

Mas não é só de euforia que a apresentação se sustenta. Num dos momentos mais calmos, Letícia, sozinha em cena e dedilhando uma canção no teclado, homenageia Fiona Apple e faz uma retrospectiva do lançamento do álbum mais recente. No momento emblemático do “chora comigo, banda”, em que os membros – Arthur Brangati, Martha V, Nathalia Carrera, Lourenço Dias de Vasconcellos e Thiago Rebello – retornam, era quase como se a respiração da plateia fosse uma só, pesada e entrecortada de expectativa.

O álbum primogênito não foi esquecido e contou com momentos emblemáticos. “Hypnotized”, terceira faixa do setlist, é a condutora que muda a atmosfera do show. Sob luzes magenta, Letrux apresenta “Que Estrago”, com direito a uma performance na qual a artista retira uma longa fita da boca como em apresentações circenses. Se nas apresentações do Climão Letícia era carregada por um mar de pessoas, agora ela se joga no meio do público em “Flerte Revival”. E finalizando a noite, “Ninguém Perguntou Por Você” encanta pela plasticidade da cena, quando a artista segura nas mãos um globo espelhado e os feixes de luzes douradas refletem em seu rosto e corpo.

Foram poucas as diferenças entre uma noite e outra. Dessas, a maior foi a introdução de “I’m Trying To Quit” na segunda noite de apresentação. Havia menos público, então o calor que emanava do público era de uma ordem diferente: o suor escorrendo, os corpos colados apesar do espaço maior para transitar, a respiração pesada e o desejo pelos artistas era de uma ordem sexual. E assim Letrux entregou dois shows orgásticos, um gozo coletivo que foi reprimido no fatídico dia 13 de janeiro, mas compensado com duas apresentações quase dionisíacas quase dois meses depois. No geral, a sensação do corpo mole de prazer era acompanhada da frase “era pra ter sido hoje!”, confirmando que a espera foi satisfatória.

A despedida de “Aos Prantos” comprova a perfeita sintonia da banda, tão madura que percebe-se que não há mais para onde o espetáculo crescer, pois já é perfeito, além de deixar uma ansiedade gostosa para o próximo álbum. Essas apresentações contam com um esqueleto pronto, mas é delicioso ver como o público reage em noites distintas, como a energia consegue inflar de forma positiva todo o show. Mais do que uma apresentação musical-performática-teatral, são quase duas horas de um acordo mútuo entre banda e público que ser blasé é cafona, que tem que explodir, tem que sentir raiva, tristeza, tesão, alegria, tudo o que é possível sentir, pois se é humano ao se permitir viver todas as experiências que o cultuado corpo nos permite. De fato, depois de dois anos pandêmicos, é disso que todos precisamos.

– Bárbara Moreira é fotógrafa. Conheça seu trabalho em https://eusoubabs.myportfolio.com/work

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