Série: “Andor” entrega o espetáculo visual tradicional da franquia “Star Wars”… e também um texto rico e elaborado

texto por João Paulo Barreto

Em um dos momentos iniciais de “Rogue One: Uma História Star Wars”, filme lançado no distante ano de 2016, Cassian Andor, personagem vivido por Diego Luna, não pensa duas vezes ao executar a sangue frio um informante que, limitado em seus movimentos físicos, seria fatalmente capturado pela força do Império Galáctico representada pelos stormtroopers que se aproximavam do local marcado pelos dois, revelando, assim, segredos imprescindíveis para a causa rebelde.

Em outra cena, no entanto, quando já estamos mais familiarizados com as motivações do capitão das Aliança Rebelde e anti-imperial, o vemos desobedecer a ordens diretas ao optar por não executar Galen Erso, personagem vivido por Mads Mikkelsen, cujo conhecimento técnico da Estrela da Morte traria ao Império uma vantagem sagaz contra seus oponentes.

Ali, começamos a compreender a complexidade de uma figura cujo final trágico que encerra o filme na trama cronologicamente anterior ao clássico “Episódio IV – Uma Nova Esperança” (1977), poderia ser explorada de maneira a nos mostrar não somente como se deu a construção de seu pragmatismo frio, bem como entender sua devoção à causa rebelde e sua competência técnica na patente de capitão da mesma causa.

Mas o Cassian Andor que conhecemos na série que leva seu nome ainda não se aproximou dessa frieza. Sua personalidade traumática, moldada juntamente à aspereza que advém da constante luta proletária dos que vivem ao seu redor, rima com o outro lado da balança trazida pelo roteirista e criador de “Andor” (2022), Tony Gilroy, diretor e roteirista do excelente “Michael Clayton”, de 2007, e autor do roteiro dos dois primeiros filmes da franquia “Bourne” (2002 e 2004).

Gilroy, que também co-escreveu “Rogue One”, opta por construir toda uma complexa trama política como pano de fundo para a evolução de seu protagonista, bem como para nos fazer entender como o Império Galáctico evoluiu como um câncer político que, subestimado, soube avançar ao ponto de derrubar qualquer senso de Justiça. Qualquer semelhança com os últimos anos dos lados de cá da realidade não é mera coincidência.

Neste norte, as peças do tabuleiro que se movem dentro dos conchavos tanto do Senado ameaçado pela sombra do Império, quanto nas menores hierarquias burocratas das supostas forças de segurança daquela sociedade que parece tão restrita, mesmo que abrace diversos planetas, servem a “Andor” como uma construção lenta e paciente dentro dos doze episódios que compõem a primeira temporada da série. Nessa opção, Tony Gilroy, junto a seu irmão, o co-roteirista Dan Gilroy, estruturam de maneira paulatina os diversos arcos dramáticos que equilibram “Andor”.

No aspecto da sua estruturação narrativa, é perceptível (e muito bem-vinda) a maneira como Gilroy opta por valorizar em “Andor” tais aspectos deste emaranhado político naquela gama variada de personagens. Sabemos qual é o futuro daquele arco dramático. Sabemos como se dará a luta entre a Aliança Rebelde e o Império Galáctico nos três filmes seguintes para os quais “Andor” e “Rogue One” servem como prelúdios. Por essa mesma razão, é com satisfação que mergulhamos naquele aspecto de espionagem e artimanhas, onde nem tudo é o que parece e a busca por um modo de desestabilizar as forças imperiais é o que move seus principais personagens.

Nesta dúzia inicial de episódios, os momentos de ápices dramáticos são vários envolvendo roubos de colossais somas de dinheiro (ou créditos, como é chamada a moeda naquele universo) em uma alusão curiosa a clássicos ataques cinematográficos a trens pagadores e a diligências do velho oeste. A fuga do grupo de rebeldes em um desses momentos, que utiliza um fenômeno semelhante a uma chuva de meteoros como um suposto meio de camuflagem, figura entre um dos mais belos de toda a temporada.

Junto a este há, também, o denso arco do encarceramento de Cassian, colocado em uma prisão por puro abuso de poder da força policial de um dos planetas. Gilroy, sagaz roteirista, compreende a necessidade de ilustrar de modo fluído a evolução da causa rebelde em paralelo à ascensão do Império e, com isso, estruturar o gatilho mental que compromete seu protagonista na luta que o fará deixar de ser apenas um mercenário. Ao criar toda uma subtrama envolvendo os prisioneiros que se percebem como uma massa descartável pelo opressor (a presença de Andy Serkis como um líder institucionalizado na sequência de episódios os torna ainda melhores), Tony Gilroy enriquece o desenvolvimento de seu personagem central para aquele que veremos como um verdadeiro estrategista em “Rogue One”.

E se “Andor” traz o luxo de ter Serkis em uma participação especial de apenas três episódios, outro nome que merece destaque é o de Stellan Skarsgård, cuja imponente presença como o articulador Luthen Rael, um dos rebeldes infiltrados nos círculos sociais dos membros do Senado, confirma sua versatilidade como ator na necessária dissimulação diante das sombras advindas do Império. Seus diálogos travados com a senadora (e futura líder da Aliança Rebelde), Mon Mothma (Genevieve O’Reilly, também presente em “Rogue One”) demonstram justamente o peso de sua aparição entre os que lutam contra a ascensão de Papaltine.

Em um diálogo chave entre Rael e Andor, este lhe diz que não é necessário mais do que um uniforme e uma conversa imperial para poder roubar o Império. A arrogância deles os tornam cegos, explica o anti-herói ao atento homem que já segue exatamente esse protocolo antes de recrutar o jovem para a causa. A união de tais mentes estrategistas contra um Império a ruir é o que move “Andor”, mas, claro, sem deixar de satisfazer os fãs de “Star Wars” que anseiam pelo espetáculo visual que marca o universo imaginado por George Lucas. Mas um texto mais rico e elaborado será sempre bem-vindo. E é o que encontramos aqui.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual. Na foto do abre, Nestor posa ao lado do jornalista JP no lan;amento do livro. 

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