Entrevista: Angie Brown (Bizarre Inc) prepara nova versão do hit “I am Gonna Get You” e fala sobre house music e sua carreira

entrevista por André Aram

Talvez você não se lembre do nome, mas certamente aqueles que nasceram nos anos 80 dançaram bastante ao som de “I am Gonna Get You” do grupo inglês Bizarre Inc. Com os vocais poderosos de Angie Brown, a música foi um sucesso mundial, inclusive no Brasil, onde tocou exaustivamente nas boates e rádios do país.

Em 1993, a canção atingiu a posição número um nos Estados Unidos e Canadá segundo dados da Billboard Hot Dance/Disco Club. No Reino Unido, foi um dos singles mais vendidos, ultrapassando as 200 mil cópias e levando Angie e o Bizarre Inc para o Top of The Pops. No Youtube, o videoclipe possui mais de 6 milhões de views.

30 anos depois, Angie Brown prepara uma nova versão de  “I am Gonna Get You”, e diz, na entrevista abaixo, estar cantando melhor hoje em dia do que em 1992. Animada com os novos projetos, a cantora concedeu uma entrevista para falar sobre o hit, o poder da house music, relembrar a carreira e muito mais. Leia abaixo.

O hit “I Am Gonna Get You” foi lançado em 1992 e foi um enorme sucesso no mundo inteiro. Como você analisa essa evolução da house music? Mesmo 30 anos depois, a música permanece vívida na memória daqueles que viveram os anos 90?
Quando “I am Gonna Get You (IGGY)” foi lançada houve uma grande enxurrada de jovens experimentando sons sintéticos. Crescemos ouvindo músicas ótimas, disco e soul, nos anos 70 e 80, como Kool & The Gang e Earth, Wind & Fire. Havia muitas músicas incríveis de rock e pop, com grandes artistas como Duran Duran, David Bowie, Culture Club etc. Mas as pessoas sempre gostaram de dançar e de curtir a vida noturna; então, quando veio os anos 90, houve um novo gênero musical, uma enorme explosão de batidas mais rápidas, era a house music. Os jovens produtores/DJs começaram a experimentar ainda mais novos sons, por causa da possibilidade de poder misturar música e adicionar vocais a uma mixtape, juntamente com vários ‘bootlegs’ (gravações não oficiais). Na maioria das vezes era uma voz gospel potente onde o vocalista estava cantando com o coração e com uma energia vibrante. As pessoas que gostam de dançar acharam esse novo som inovador, esse tipo de vocal estava impressionando, além de ser emocionante de se ouvir, especialmente quando mixado com uma batida de 124-126 (BPM).

Por exemplo, o início da música “Somebody Else’s Guy”, de Jocelyn Brown, que surpreendeu a todos quando a ouviram pela primeira vez. Tenho certeza que você sabe que “Somebody Else’s Guy” começa devagar, pois ela estava realmente cantando cada nota, segurando a nota por um longo tempo, e então o resto da faixa começava. E esse som era tão enérgico quando o escutamos pela primeira vez. Quando DJ/produtores começaram a misturar esses sons guturais, isso causou uma nova onda de música underground. A house music estava sendo literalmente feita e gravada nas casas das pessoas de forma independente e sendo levada para lojas também seguindo essa linha independente. O estilo house nada mais é que o ritmo da discoteca que foi acelerado para torná-lo mais contemporâneo. Uma música incrivelmente gay, preta e com um público diversificado que realmente gostou, e que seguia essas pessoas interessantes e expressivas, que queriam apenas quebrar barreiras e festejar juntas. Foi assim que se iniciou todo esse movimento. Era um novo som e uma forma totalmente nova de produzir música; era mais rápido, e mais animado, positivo, especialmente quando jovens produtores tocavam e programavam as suas criações assumindo o sintetizador.

Essa inovação musical teria sido a razão do êxito da house music na década de 90?
Acho que aquilo soou tão bom, especialmente para nós que estávamos saindo de uma recessão global (no final dos anos 80 para o início dos anos 90). Acho que as pessoas ficaram entusiasmadas com a house music, como ela elevou seu espírito e fez todos se sentirem felizes e bem consigo mesmos. E os ravers gostaram, e levaram sob suas asas, elevando esse estilo musical para um outro nível nunca antes visto. Acho que nenhum dos organizadores que estava por trás das raves ilegais que aconteciam aqui na Europa imaginariam que a house music estaria ainda reunindo pessoas mais de 30 anos depois. Acho que todo mundo subestimou completamente o quão boa era a música naquela época. Ninguém teria previsto que as batidas criadas nos anos 90 por músicos e não-músicos, talvez em um pequeno estúdio com caixas de ovos no teto (como isolamento acústico), ou uma produção caseira em um quarto transformado em estúdio, teriam sobrevivido ao teste do tempo. Aliás, que nunca envelheceu, e nem desapareceu, e continua trazendo alegria às pessoas.

É verdade que você quase foi a vocalista do grupo DC Project (do hit “Mary’s Prayer”). Por que isso não aconteceu?
Não tenho 100% de certeza o porquê do DC Project não ter acontecido. Muitos cantores gospel americanos vieram para ser a voz principal, e algumas grandes colaborações surgiram como Snap e Ultra Nate. Mas honestamente acho que as negociações fracassaram com o meu empresário na época. Foi bom para Alexa, que conseguiu o trabalho no final, ela foi a melhor artista e com uma excelente canção. O lugar certo na hora certa.

Além de cantora, você também é compositora, tendo colaborado no single “Disco Heaven” de Frankie Goes to Hollywood. Como foi essa experiência?
“Disco Heaven”, escrito com Holly Johnson, foi uma chance em 1 milhão. Fomos apresentados por um amigo em comum, e Holly realmente queria me ver de volta nas paradas musicais naquela época. Então, ele sugeriu que escrevêssemos juntos. E eu até participei do videoclipe; fui à casa da Holly, que não é muito longe de onde moro no sul de Londres, e cantamos, trocamos algumas ideias e chegamos a essa canção. Olhando para trás, numa retrospectiva, não acho que a melodia tenha sido forte o suficiente nos refrões, mas ainda assim foi um grande prazer, e também foi emocionante trabalhar com a lenda ‘Frankie Goes To Hollywood’.

Você já esteve no Brasil antes? “I am Gonna Get You” fez muito sucesso aqui.
É absolutamente surreal como “I am Gonna Get You” foi recebida nos países da América do Sul. Infelizmente eu não sabia disso, mas naquela época sem um gerenciamento e uma gravadora por atrás (não foi possível ir), lembre-se que eu era uma vocalista freelancer há anos e sem vínculo com nenhuma gravadora. Eu não sabia que as pessoas da América Latina gostavam de house music, até mesmo por morar aqui em Londres. Infelizmente nunca estive no Brasil, é uma pena não ter visitado nos anos 90, mas desta vez, com um novo lançamento de “I am Gonna Get You” para a primavera (europeia) de 2023, com certeza espero visitar o Brasil.

Você faz muitos shows em Paradas LGBTQ+ na Europa. O que a comunidade representa para você?
A comunidade LGBTQI-plus significa tudo para mim. Não há diferença entre mim e eles. Todos nós sofremos algum tipo de preconceito, em algum momento de nossas vidas, e eles estão apenas tentando ser quem eles são. Então, encontrar pessoas corajosas que defendem quem são, e a vida que escolheram viver, é fortalecedor. Além disso, ninguém tem o direito de julgar, e eu me alinhei com essas pessoas porque elas são “livres”; são livres em seu espírito e alma, e isso me cativa extremamente. Eles são fortes e poderosas para se manterem sempre firmes. E são pessoas incríveis. Eles têm me mostrado tanto amor e respeito ao longo desses anos. Se não fosse pela comunidade LGBTQl, eu não teria conseguido manter a minha carreira da forma como fiz ao longo desses 30 anos. Sou eternamente grata a eles, e eu amo fazer shows para eles.

Quando você gravou “I am Gonna Get You”, você imaginou que ela seria um sucesso tremendo?
Quando houve o lançamento naquela época não imaginei que seria uma música de grande sucesso. Eu vinha cantando profissionalmente há cerca de 7-8 anos, e houve momentos em que me senti decepcionada com a indústria musical, e até tive um ou dois acordos com grandes gravadoras que não aconteceram na época, mas sem arrependimentos, pois tudo acontece em seu devido tempo. Então, quando fui convidada para entrar em estúdio para gravar essa faixa, eu estava bastante indiferente; não me importei muito; estava pensando mais no dinheiro. Eu queria basicamente entrar no estúdio, cantar a música e depois deixá-la lá. Curiosamente, eu contei para alguns amigos na época e eles disseram que já tinham ouvido falar do Bizarre Inc, mas eu não os conhecia, e eu realmente não levei muito a sério o lançamento deles. Logo, não havia como eu prever que a canção seria um sucesso global tão grande. Enfim, se alguém me sussurrasse naquela época dizendo que essa música seria um hit e faria parte da minha história, da maneira que fez naquela época, eu teria achado engraçado com pura descrença de que minha música ainda seria tocada online, no rádio, na TV e em filmes 30 anos depois.

Quais são as lembranças que você tem daquele período quando a música bombou nas rádios e pistas de dança?
Meus pais eram vivos naquela época, e me viram em um programa musical muito popular chamado ‘Top of the Pops’. Foi um grande prestígio ser vista neste programa de TV, gerações cresceram assistindo-o. Sou feliz por meus pais terem acreditado em mim, e que meu trabalho árduo pôde ter realmente valido a pena. Meus pais sempre me disseram que se você trabalhar duro, e fizer algo que você ama, um dia acontecerá, e seus sonhos podem realmente se tornar realidade.

Quais são seus próximos projetos?
Recentemente eu assinei um contrato com uma gravadora chamada Armada, sediada na Holanda. É uma gravadora com um selo independente. De todo modo, é um privilégio ter um contrato assinado como uma artista, e isso levou cerca de 35 anos (risos). Então, eu sei que terei um período empolgante pela frente. Todos da gravadora conhecem o meu passado histórico na indústria musical. Portanto, é muito legal que a Armada queira trabalhar comigo, produzindo um novo álbum e eles estão empolgados em levar minha carreira para outro nível. Especialmente agora que eu também sou DJ, e todos na indústria da dança e dos clubes noturnos tem um bom DJ. É claro que para esse primeiro lançamento tivemos que começar com uma nova roupagem de “I am Gonna Get You”, que será lançada na primavera de 2023. E isso me soa incrível, na verdade, eu acho que estou cantando melhor agora do que em 1992. A razão disso é porque eu canto em quase todos os fins de semana há 30 anos. E ainda posso atingir aquelas notas. “I am Gonna Get You” foi completamente regravada e parece muito mais vibrante, e muito atual. Mal posso esperar para fazer o videoclipe, estamos olhando algumas ideias e storyboards no momento, para que o clipe tenha um resultado ótimo e muito entretenimento. Meu filho de 18 anos que se chama Cuba, e que obviamente ouviu essa música a vida toda, costuma brincar que ouvia essa canção antes de nascer. De fato, Cuba a ouviu na minha barriga (risos). De qualquer forma, nessa nova gravação, Cuba participa cantando o trecho ‘Yo DJ Pump, This Party’, com um sotaque londrino, ao invés de americano. Além disso, estamos trazendo alguns produtores/DJs conhecidos que estão atualmente trabalhando nas mixagens específicas para o lançamento; são pessoas que podem realmente fazer minha voz brilhar mais. Especialmente agora onde estou cantando nos melhores estúdios, com os microfones mais caros, enfim… espero que a produção geral seja a melhor possível.

Podemos dizer que é o retorno da house music?
A house music tem realmente conquistado o seu lugar entre algumas das melhores músicas já lançadas, com artistas como Tiësto, Galantis, David Guetta e Calvin Harris. É uma indústria grande, portanto, para deixarmos nossa marca, precisamos realmente expandir completamente e mostrar a todos exatamente o talento que tem estado basicamente escondido nos últimos 30 anos. Estou muito feliz porque sinto ter ido longe, para conhecer pessoas que realmente acreditam em mim; até o meu novo marido que é um ser humano maravilhoso está me apoiando em tudo. Quero levar minha carreira para onde eu poderia tê-la levado no início dos anos 90. Mas como eu disse antes, de tudo tem que acontecer no seu devido tempo.

– André Aram é jornalista freelancer vivendo em Portugal. Ao longo dos anos colaborou para algumas mídias no Brasil e apoia projetos de conservação de vida selvagem na África do Sul.

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