Cinema: O slasher “Noite Infeliz” destaca um Papai Noel Duro de Matar

texto por João Paulo Barreto

Um Papai Noel Duro de Matar. Sim, a referência ao clássico estrelado por Bruce Willis há mais de 30 anos é óbvia e inevitável de ser feita logo de cara. Noite de natal e festa social “comemorando” a data. Casal em crise afetiva. Terroristas estrangeiros e soturnos. Uma quantidade absurda de dinheiro pronto para ser roubado. Armas de grosso calibre sendo utilizadas e um inesperado herói que aparece “do nada” e, sozinho, consegue acabar com cada bandido um por um.

A sinopse acima é, de fato, do filme que redefiniu o cinema de ação nos anos 1980 (referenciado aqui, também, em um blu-ray pedido de presente por alguém). Um elemento a ser inserido altera, no entanto, esse contexto totalmente e concede à pérola da violência slasher, “Noite Infeliz” (“Violent Night” no original), em cartaz atualmente, a mesma sinopse da saga de John McClane, mas em um contexto que o difere e lhe dá uma personalidade cômica (histriônica, na verdade) incomum. Aqui, o tal inesperado herói é o Papai Noel.

Mas não alguém que paga boletos vestido de vermelho em dezembro (e possivelmente sendo chamado de comunista esquerdopata por bolsominions), mas o próprio São Nicolau, ou Santa Claus, ou Babbo Natale ou garoto propaganda da Coca-Cola, seja lá como você o chama. O próprio velhinho simpático que entrega presentes anualmente e mantém uma lista para quem foi bonzinho ou levado se faz presente. Mas, aqui, os levados adultos levam marretadas no crânio e viram polpas de sangue e vísceras.

Na pele de um barbudo beberrão e glutão, David Harbour, o querido Hopper de “Stranger Things”, traz sua já notória aparência combalida e fora de forma tão explorada em outros personagens, mas que esconde uma brutalidade que se faz presente no momento exato quando necessário. Flertando com a violência gráfica a partir do momento em que a sanguinolência do seu protagonista se revela, o diretor Tommy Wirkola, que já havia dirigido a divertida tentativa de transforma Jeremy Renner em astro na adaptação da clássica história de João & Maria, utiliza-se da chocante visceralidade das mortes de seus vilões justamente para contrapor a ideia de pureza vinculada à imagem do Papai Noel.

Não que seja novidade abordar tal símbolo natalino em um contexto diferente. Impossível não lembrar do clássico slasher “Natal Sangrento” (1984), no aspecto de vermos alguém vestido de Santa Claus se tornar um serial killer; ou então de “Papai Noel às Avessas” (2003), que trazia Billy Bob Thornton na figura de um malandro beberrão. Mas mantendo-o ainda bondoso, porém quase um “Justiceiro da Marvel” no modo como age contra sequestradores de crianças, é a primeira vez.

Principalmente quando o roteiro da dupla responsável por “Sonic” (!?) coloca a lenda mitológica da figura natalina misturada aos aspectos nórdicos de uma de suas origens folclóricas. Trata-se da velha história do exército de um homem só, mas que, com estratégia e força bruta, trucida literalmente (com a ajuda de uma marreta) um exército real e sem usar armas de fogo. Sim, é exatamente isso. Mas, aqui, tal homem tem mais de mil anos e dá presentes a crianças no mês de dezembro.

Do lado de lá, John Leguizamo entrega o que se espera de um líder de grupo terrorista que utiliza codinomes natalinos (ele mesmo se intitula Scrooge, em referência ao clássico de Charles Dickens). Alguém que agride fisicamente com um soco na cara a sua antagonista, a milionária sem escrúpulos vivida por Beverly D’Angelo, e que, diferente do Ebenezer dickensiano, não possui vestígio de salvação. E isso mesmo sendo confrontado em sua consciência assassina pelo Papai Noel que o conhece desde criança, bem como a seus capangas imediatos em uma sequência que termina de modo tão brutal que te faz questionar os limites daquelas mortes gráficas.

Mas àquela altura, não havia mais espaço para qualquer sutileza. O modo como Noite Infeliz faz valer o seu título original de Noite Violenta é uma chave que vira e acelera sua sanguinolência de modo exponencial. Não que tenha alguém reclamando na plateia. Afinal, fazia tempo que o Natal era só tédio, uva passa e Roberto Carlos na TV.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.

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