Música: Em “Stumpwork”, Dry Cleaning deixa de lado o Sonic Youth, diminui a pegada pós punk e investe na melodia

texto por Luciano Ferreira

Quando se fala da música do quarteto britânico Dry Cleaning é quase unanimidade o comentário sobre o estilo spoken word da vocalista Florence Shaw ou seu cantar propositadamente blasé, adotado desde o início da banda., algo que soa natural, já que é um dos elementos que se destaca no conjunto de sua música. Mas um olhar mais aprofundado sugere uma atenção mais adequada, semelhante ao olhar para a música dos Smiths, por exemplo, na similaridade que os aproxima: vocalista de presença magnética, cada qual ao seu modo; e uma música em que a guitarra surge como protagonista, cada qual a seu modo também.

Com esse foco, é inadmissível deixar o genial trabalho do guitarrista Tom Dowse em segundo plano, percepção que vem desde o álbum de estreia, o ótimo “New Long Leg” (quatro disco mais votado no melhores do ano Scream & Yell 2021), reafirmada agora em “Stumpwork”, o segundo álbum, lançado em 21 de outubro pela badalada 4AD.

Ainda que “Anna Calls From the Arctic”, faixa que abre o disco, pareça direcionar a sonoridade para uma menor presença das seis cordas, com sintetizadores e sopros ganhando um espaço até então inédito, o trabalho de Dowse se faz presente, inserido de forma discreta. É essa versatilidade, e mais a variação de timbres, domínio de riffs, uso de dissonâncias e, aqui, o acréscimo de dedilhados e batidas, que o guitarrista imprime na música do Dry Cleaning. Somado ao estilo de Shaw, o trabalho de Dowse promove o diferencial na sonoridade do grupo, quase como um paradigma.

Se por um lado o filme é reprisado, na atrativa repetição monocórdica beirando o tédio do estilo da vocalista, com suas letras de texto subjetivo e fragmentado sobre situações cotidianas, por outro ele muda, abandonando o formato de guitarras frenéticas entusiasmadas ou catapultadas por texturas, ao desacelerar e direcionar para climas mais suaves. Perceptível nas pinceladas acústicas de violão e nos dedilhados melodiosos de “Kwenchy Kups”, uma música otimista e alegre – nas palavras de Shaw – e “Gary Ashby”, dos poucos momentos em que Shaw resolve cantar uma letra sobre uma tartaruga de estimação.

Quando a opção é pela sonoridade mais comum à banda, eles retomam a trama de riffs em profusão preenchendo espaços vazios, num arranjo impulsionado pelo baixo de Lewis Maynard e bateria de Nick Buxton, em “Driver’s Story”. A faixa segue o já conhecido ritmo cadenciado, e pouco avança para além de uma paisagem musical conhecida.

Essas quatro faixas são como um microcosmo de “Stumpwork” contendo praticamente tudo que engloba o disco. Mais constatação do que demérito, a verdade é que todo paradigma cobra um preço, e não é diferente aqui. A sensação de homogeneidade bate forte. A incrível versatilidade de Dowse não é suficiente para dinamizar a música do Dry Cleaning para além de ambientes já conhecidos, mesmo quando dobra a sonoridade da guitarra em “Don’t Press Me”, a faixa mais aceleradinha e básica do disco, junto com “Conservative Hell”.

A mudança do enfoque – sai Sonic Youth e a sombra pós punk é diminuida, entram influências jazzísticas e elementos mais melodiosos – mostra a tentativa de variação ou reinvenção dentro do paradigma, ainda que o final repita o roteiro de “New Long Leg”, com duas canções longas e contemplativas e alguma experimentação pontual em “Liberty Log”, cuja letra fala sobre gostar de ficar no quarto, e “Icebergs”, adequadamente nominada, já que é a faixa mais gélida do disco, com timbres de guitarra soando psicodelicamente assombrosos.

Falta contraponto na música do Dry Cleaning. Ao que tudo indica, não era isso que buscavam ao repetirem o script de seu primeiro álbum, mesmo estúdio e mesmo produtor, John Parish (colaborador costumaz de PJ Harvey). Talvez uma expectativa demasiada para um segundo trabalho, lançado num curto espaço de tempo, com a banda numa rotina incessante de shows pós-pandemia, ainda que não deixe de ser bom que eles estejam próximos dos holofotes, mas não tão perto ao ponto de se queimarem.

 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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