Entrevista: Blues Pills, banda sueca de soul, blues e rock’n’roll, fala de seu recente álbum, “Holy Moly!”, influências, pressão e diversão

entrevista por Eduardo Ribeiro

Psicodelia, blues metálico, soul retrô e hard rock. É muito animador ver uma banda que surgiu praticamente na última década retomando essas referências musicais, que tiveram seus dias de glória nos anos 60 e início dos 70, com uma propriedade natural. Em tal missão acha-se o quarteto sueco Blues Pills. Depois de excursionar por dois anos direto promovendo as primeiras músicas, o grupo assinou contrato com a Nuclear Blast para seu álbum de estreia, em 2014, autointitulado. O disco preparou o terreno para o começo da verdadeira projeção internacional com “Lady in Gold”, de 2016, que liderou as paradas de álbuns pop na Alemanha e emplacou no Top 40 europeu.

Muita gente pensa que a banda é sueca, mas nas certidões consta que seus integrantes nasceram na Suécia, Estados Unidos e França. Outra curiosidade é que o Blues Pills foi originalmente fundado como um trio: Zack Anderson (guitarra), Cory Berry (bateria) e a vocalista Elin Larsson. Durante uma turnê na França, Anderson e Berry conheceram o guitarrista Dorian Sorriaux e o convidaram para se juntar ao projeto. Com esta formação foi gravado o primeiro EP, “Bliss”, em 2012.

Berry acabou pulando fora e em seu lugar entrou o baterista André Kvarnström. Sorriaux também sairia amigavelmente em 2018. No hiato longe dos palcos, o Blues Pills construiu seu próprio estúdio numa área rural da Suécia. O lugar é todo equipado com aparatos de gravação analógicos. Enquanto recalcava críticas por ter começado a flertar demais com o pop na opinião de alguns ouvintes mais “raíz”, a banda escalou o baixista Kristoffer Schander, se refugiou em meio aos elétricos e valvulados, e apareceu com uma volta ao básico no repertório de “Holy Moly!”.

Em conversa com o Scream & Yell, o guitarrista Zack Anderson relembra os primeiros anos da banda, fala sobre o contrato com a Nuclear Blast e sobre como foi montar o grupo em um país repleto de boas referências de som pesado. Sem meias palavras, Anderson diz que se sente feliz quando o nome da Blue Pills aparece ao lado do Greta Van Fleet e revela que, no começo, o Fleetwood Mac dos primeiros anos eram uma grande referência sonora. Ele ainda mostra bastante maturidade ao lidar com as críticas e avisa: “Faço música porque é o que eu amo fazer”. Leia a entrevista na integra abaixo!

Gostaria que você contasse um pouco da sua história pessoal com a música até chegar ao Blues Pills.
No meu caso, meus pais me apresentaram quando criança ao Pink Floyd, Jimi Hendrix, The Doors, etc. Esses foram alguns dos primeiros álbuns que ouvi na minha vida, e minhas primeiras experiências positivas com a música. Acho que algo sempre fica com você quando apresentado na juventude. Na adolescência comecei a descobrir novas bandas e explorar diferentes gêneros musicais para sentir o que era mais a minha onda. Quando eu tinha 15 anos, peguei um violão e comecei a aprender músicas e me senti atraído de volta às minhas “raízes” do rock e do blues mais antigos. Na mesma época houve uma espécie de revival do rock de garagem com The White Stripes e The Hives, e eu adorava essas bandas e me inspirava muito nelas também. Quando cheguei aos 20 anos, fiquei realmente interessado em pesquisar e colecionar vinis, o que me levou a descobrir muitas músicas antigas mais obscuras dos anos 60 e 70, e na época em que formamos o Blues Pills, esse tipo de som foi a principal influência. A banda evoluiu ao longo do tempo e, hoje em dia, nos inspiramos em músicas tanto antigas como mais modernas.

O Blues Pills não parece ter demorado muito para ser descoberto pelo público e por uma gravadora do tamanho da Nuclear Blast. Música hoje é o que vocês fazem para viver? Era este o plano desde o início, seguir um caminho profissional ou apenas tocar por diversão?
Quando começamos a banda, não esperávamos que nada disso fosse acontecer. Gravamos algumas músicas na garagem dos meus pais, em uma velha máquina de cassetes Tascam. Nós as publicamos no YouTube e recebemos uma resposta muito positiva imediatamente. Acho que isso acendeu uma chama dentro de nós e nos motivou. Ficamos empolgados para fazer mais músicas, e as coisas meio que pegaram um impulso. Começamos a marcar alguns shows e até umas turnês. Fomos atrás, e conseguimos tocar até na Espanha. Então fizemos nossa primeira turnê e só tínhamos cerca de 6 músicas ou algo assim. Quando contamos ao promotor, ele disse que se soubesse que éramos uma banda tão nova, não teria nos agendado. Mas foi ótimo. Em um dos shows que fizemos, alguém postou um vídeo gravado com o celular no YouTube, e esse foi o vídeo que o pessoal da Nuclear Blast viu e, eventualmente, nos fez assinar com a gravadora deles. Então foi muito bom estar no lugar certo na hora certa no começo da nossa carreira.

De tempos em tempos, somos surpreendidos por excelentes bandas de rock da Suécia, como Refused e The (International) Noise Conspiracy, The Hellacopters, Backyard Babies, The Hives, etc., sem falar na tradição do punk, com grupos como Anti Cimex, e hardcore melódico, representado por bandas como Satanic Surfers e outras da família do selo Burning Heart. Como é a relação entre essas diferentes cenas do país e a força do rock’n’roll na cultura local?
Com certeza há uma cena musical muito forte para o rock na Suécia. Não necessariamente no sentido de que todos se conheçam e saiam juntos, mas acho que viver em um lugar onde há uma história tão profunda de grandes bandas e estar cercado por tantos bons músicos, é claro que te leva a ser melhor, porque o padrão já é alto. É como dizem, se você quer ser bom em algo, cerque-se de outras pessoas que são boas nisso. Se a banda local que você acabou de ver na rua na sexta-feira é incrível, você vai para casa e diz a si mesmo: “Eu preciso praticar mais”.

O som de vocês vem tendo grande repercussão na Alemanha, Áustria, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos. Qual é a resposta do público no Brasil e na América Latina?
Teremos que ver quando estivermos aí. Mas, a julgar pelos comentários na internet, há muita gente animada para nos ver. Recebemos muitos pedidos para vir ao Brasil, bem mais do que outros países.

O que você acha de bandas como Greta Van Fleet? Vocês se sentem desconfortáveis sendo citados ao lado deles em menção a um renascimento do heavy/hard rock?
Acho ótimo que eles tenham conseguido chegar a um público mais mainstream fazendo esse tipo de música hoje. Eu fico feliz em ser listado ao lado deles.

Referências como Big Brother & the Holding Company, Led Zeppelin e Free são frequentemente aludidas em artigos sobre a banda. Mas, na concepção inicial do grupo, havia esses nomes como ponto de partida?
Free foi definitivamente uma influência. Led Zeppelin e Big Brother, apesar de ótimos, não foram os principais. O número um foi o Fleetwood Mac, fase Peter Green. Nos primeiros dias, nós só queríamos soar como eles, direto. Acho que éramos muito jovens e ainda não tínhamos encontrado nosso próprio estilo, então tentamos recriar as coisas que gostávamos de ouvir.

A música dos anos 1990 em diante também está entre as inspirações da banda, ou toda a fonte do Blues Pills remonta à era pré-grunge do rock?
Hoje em dia, com certeza gostamos de alguns rocks dos anos 90. Adoro a intensidade de certas bandas, como Nirvana e Rage Against The Machine. É um negócio simples, mas poderoso.

Apesar dessas referências do passado, há um tom evidentemente moderno no som da banda. Uma abordagem que não poderia existir naqueles tempos, mas somente após a chance de colocar em perspectiva para tudo o que já foi criado. Nesse sentido, você acha que rock, blues e soul continuam sendo uma fonte inesgotável de criação? Quer dizer, não há lá um tesouro perdido para ser redescoberto pelas novas gerações?
Acho que rock, blues e soul são estilos amplamente gerais e atemporais, então as pessoas continuarão a descobri-los e a adaptá-los por muito tempo. Sempre haverá novas gerações que descobrirão o que há de tão bom nesses gêneros musicais e farão algo novo com eles.

Quando vocês lançaram o álbum “Lady in Gold”, houve críticas dos fãs em relação a uma suposta mudança no som da banda, principalmente no single “Lady In Gold”, em que algumas pessoas reclamaram da ausência de solos e que a música seria “fraca” em comparação com o repertório anterior. “I Felt A Change” também foi criticada por sua sonoridade, e houve quem atribuísse uma comparação com a cantora Adele. O que você acha de tudo isso? Você defende e se orgulha dessa fase da banda ou teria feito diferente se pudesse voltar? Talvez parte do próprio público não tivesse maturidade suficiente para apreciar o som naquele momento. O que você acha?
Eu não teria feito nada diferente. Gostamos de experimentar e apostar em coisas novas, caso contrário, qual o sentido? Música é encontrar novos sons, crescer e descobrir o mundo da música. Seria tão chato apenas fazer a mesma coisa uma e outra vez…. Percebi que como músico você tem que fazer isso por si mesmo, porque cada fã diferente terá uma opinião diferente e você simplesmente perderá a cabeça se estiver tentando agradar todas as opiniões diferentes do mundo. Eu faço música porque é o que eu amo fazer, e se as pessoas gostarem, isso é um bônus.

Gostaria que falasse um pouco sobre “Holy Moly!” e a nova fase. Com a entrada do novo baixista na banda, Kristoffer Schander, o som também ganhou novas formas?
Kristoffer é um velho amigo nosso. Nós nos conhecemos há muito tempo. Então ele entrando na banda definitivamente traz uma nova energia. Não sei se é só por causa dele entrar na banda, pode ser por vários fatores, mas sinto que agora a energia na banda está menos séria. Estamos apenas nos divertindo e gostando de tocar juntos. Após os primeiros dois álbuns, com turnês seguidas, houve muita pressão e estresse. Agora tentamos deixar isso para trás e começar uma nova página, em que não cometamos os mesmos erros.

“Proud Woman” acabou sendo uma música de grande destaque em todo o repertório do grupo até o momento. Existe alguma história especial sobre ela?
Esta é uma pergunta que seria melhor a Elin responder, mas, na ausência dela, vou tentar explicar da melhor forma possível. Lembro-me do dia em que fizemos a música, e foi muito espontâneo. Estávamos apenas tocando um riff, e literalmente a primeira letra que ela cantou foi o refrão “I’m a proud woman!”. Então não rolou exatamente um monte de discussões e pensamentos por trás disso antes das letras, foi mais apenas, acho, que seus sentimentos instintivos sendo expressos naquele momento. Foi apenas um fluxo de inspiração, e tinha um ótimo riff e groove, e estávamos sentindo isso, então a música inteira foi realmente escrita naquele dia em algumas horas. Inclusive, a versão que está no álbum é a mesma que criamos no primeiro instante em nosso ensaio.

Eduardo Ribeiro é editor-assistente na revista/site Problemas Brasileiros (Agência TUTU) e colabora com veículos como Elástica, Vista, UOL, BBC News, TMDQA!, Media Lab Estadão, piauí e Trip.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.