Entrevista: Alain Johannes (Eleven) fala sobre carreira solo e relembra parcerias com Chris Cornell, Mark Lanegan e QOTSA

entrevista por Luiz Mazetto

Um dos músicos mais versáteis e talentosos das últimas décadas, Alain Johannes tem suas digitais para sempre marcadas na história do rock alternativo mundial. O músico, que nasceu no Chile e viveu em diferentes partes do mundo até fixar residência nos EUA no início dos 1980, possui um extenso currículo que inclui trabalhos e parcerias com nomes como Chris Cornell (Soundgarden), Mark Lanegan (Screaming Trees), Queens of the Stone Age, PJ Harvey, Them Crooked Vultures e What Is This, sua primeira banda que contava com Flea, Jack Irons e Hillel Slovak, trio que depois formou o Red Hot Chilli Peppers ao lado de Anthony Kiedis.

Como se essa lista não fosse o bastante, o multi-instrumentista e vocalista também esteve à frente da cultuada banda Eleven, onde tocava guitarra e dividia os vocais com a tecladista Natasha Shneider, sua companheira de música e vida por três décadas. Apesar de não ter alcançado o público merecido, o grupo lançou alguns dos discos mais interessantes dos anos 1990 e 2000 e fez turnês com nomes como Pearl Jam e Soundgarden, que inclusive chegou a pagar do próprio bolso para ter o Eleven como banda de abertura em uma tour na Europa, como revelado por Alain no papo a seguir.

Na entrevista, feita por telefone no último mês de junho, Alain fala sobre o processo de composição e as influências de Nick Drake em seu mais recente álbum solo, “Hum” (2020, Ipecac Records), sua recente parceria com Mike Patton (Faith No More), a relação com o país natal, Chile, comenta sobre a história e o legado do Eleven ao lado de Natasha, relembra sua longa parceria e amizade com Chris Cornell e Mark Lanegan, destaca do que mais gostou em suas viagens ao Brasil e revela a história de um inusitado encontro com Ney Matogrosso no México nos anos 1970. Confira!

Há cerca de dois anos, você lançou o seu terceiro disco full-length, “Hum” (2020), que é um álbum muito bonito e contemplativo.
Obrigado. Foi a primeira coisa que fiz depois que consegui sobreviver após ficar doente por três meses. Basicamente o disco todo foi criado em 12 dias. Eu tinha dois trechos: a guitarra meio fado, portuguesa, com os acordes da faixa “Mermaid’s Scream”, que até postei no Instagram na época, mas ainda não era uma música. E depois eu escrevi a melodia e a letra. Essa foi a primeira música que eu gravei. A segunda música é a faixa-título, “Hum”: eu já tinha aquele lance meio no estilo de tocar do Nick Drake há uns cinco meses, que também tinha publicado no Instagram. Eu uso meu Instagram como meu caderno de anotações, sempre que tenho uma ideia, vou lá e gravo muito rapidamente. Todas as outras músicas foram escritas e gravadas em sequência ao longo de 12 dias. Foi quando eu finalizei o disco e fui para o Chile para tocar…Ou melhor, para supostamente tocar no Lollapalooza (de 2020), com a minha banda, nós íamos tocar o “Euphoria Morning” na íntegra (nota: disco de Chris Cornell de 1999 em que Alain participou como compositor, músico e produtor). Isso foi em março de 2020 e então todo mundo precisou ficar trancado por algum tempo, como você se lembra.

Você afirmou que o “Hum” provavelmente é o disco mais pessoal que já gravou. Pensa que isso deve ao fato de você ter ficado na cama doente por três meses?
Sim, eu acho que ter ficado doente… E também foi um período em que perdi muitas pessoas: a Natasha, depois a minha mãe, o meu pai, o meu tio Peter, e o Chris Cornell – eu participei do show em tributo ao Chris, no Forum, em Los Angeles. E também o documentário em que me seguiram por aí (nota: Alain se refere ao filme “Plano Inacabado – O Caminho de Alain Johannes”, sobre ele, lançado em 2016, trailer abaixo). Eu nunca tinha realmente pensado, apenas vivia a minha vida. E me cansei de ver tantas pessoas queridas morrendo. Agendei uma tour solo, foi a primeira vez que fiz isso. Toquei por dois meses na Europa e então fui para Nápoles para produzir o The Devils (grupo de rock cru blasfemo italiano). E foi quando eu voltei da Itália que eu fiquei doente. Sei que foi aquela primeira leva da COVID-19, que era bastante intensa. Eles não sabiam o que era nos Estados Unidos, ficavam apenas me dando antibióticos. Acho que isso foi em novembro ou dezembro de 2019 e havia conversas sobre esse vírus – agora eles sabem que algumas pessoas pegaram antes, mas na época eles não sabiam como fazer o diagnóstico ainda. Eles fizeram alguns raios-X e disseram que não parecia com bronquite ou pneumonia, mas talvez fosse alguma doença autoimune, algo nos meus pulmões, então me deram esteroides. Houve noites em que não achei que… ficava indo para a emergência e recebendo tratamento; eu não precisei ser hospitalizado, mas foi muito ruim, tive febre alta, não conseguia respirar. E você fica na cama apenas esperando que vá melhorar e conseguir levantar, então você meio que acaba refletindo muito sobre a vida. Há algumas músicas ainda comigo falando com a Natasha e o Chris, como “Mermaid’s Scream”. O conceito do disco “Hum” é de você ouvir esse… não é exatamente um som, é mais um sentimento que há na vida, na natureza, que é meio que uma conexão com a origem de tudo. Como a maneira como a música pode ser – para mim, a música está sempre acontecendo e você precisa se ligar a ela e então ela vem através de você, como um interruptor elétrico. Os álbuns “Spark” (2010) e “Fragments & Wholes, Vol. 1” (2014) eram mais sobre celebrar e lamentar a vida que poderia ter sido, e sentir falta da sua alma gêmea e etc. É por isso que acho que para mim foi… eu meio que usei (o disco) para me fazer voltar à vida. O que acabou não dando muito certo, porque logo depois fiquei preso em um pequeno cômodo por seis meses em Santiago, sem poder voltar para casa. Isso aconteceu imediatamente depois de terminar esse disco. Foi algo como “Sim, eu sobrevivi! Aqui vou eu! Bom, talvez não imediatamente, quem sabe em alguns meses” (risos). Foi bem engraçado.

Eu queria saber um pouco sobre o título do disco, “Hum”. Como falei, achei o álbum muito bonito e contemplativo, e as músicas sempre me acalmam e me fazem pensar na vida quase que automaticamente. “Hum” é uma palavra que pode ter diferentes significado em inglês, como “murmúrio”, “cantarolar”, “sussurro” e “zumbido”. Há algum significado específico que você tenha pensado quando decidiu pelo título? Ou é essa variedade de significados e sons que falam mais com você e com o disco?
Acho que é algo muito específico sobre algo não específico. No sentido de que a palavra “hum”, a maneira como eu a usava, mesmo antes, na poesia ao longo dos anos, desde que era criança: eu usava a palavra “humming” no sentido de “it´s humming with life”, de que há um espírito dentro. É quase como quando você fica perto de uma corrente elétrica e escuta um barulho que é algo como “zzzzz”, como um zumbido, quase como um cantarolar. É como quando você vai para a natureza e escuta sons da natureza, mas debaixo de todas as coisas vivas, há esse humm, é como me refiro a isso. Mas também a palavra (‘hum”) é tão bonita porque as pessoas cantarolam quando estão felizes, elas meio que cantarolam inconscientemente a melodia de uma música. Não sei, é uma ideia bonita. Muito especificamente para o disco, para mim significa o sentido da parte milagrosa da vida, a parte mágica da vida. É esse cantarolar que está sempre lá se você ouvir com atenção. Não é como se você pudesse realmente escutar, é mais como se você pudesse sentir, uma vibração, como quando você cantarola algo e vibra no seu peito e na sua garganta.

Você mencionou o Nick Drake há pouco. Algumas músicas do álbum, como a faixa-título e “Someone”, me lembram muito uma espécie de versão mais psicodélica do Nick Drake. Isso era algo específico que você estava buscando alcançar no disco?
Há uma conexão com as afinações alternativas, como Bert Jansch, John Fahey e Nick Drake, em que você pega a guitarra e a afina como no folk inglês, escocês, celta, com uma afinação DAGDAD (Ré, Lá, Sol, Ré, Lá, Ré). O Jimmy Page também usava esse tipo de afinação. Isso tem a ver também com o meu amor pela música indiana. Você não está realmente tocando modulando como no jazz, por exemplo. Há um centro tonal que está sempre lá. É como nas minhas influências indianas clássicas, não só do que escuto, mas também nas minhas pequenas jams ou algo assim, em que estou tocando como um drone (no sentido de um som repetitivo). E isso meio que se liga com o “hum”, com o “om” da meditação. Tenho uma conexão com os discos do Nick Drake, assim como com o Bert Jansch e essas coisas. Realmente adoro esse estilo de violão do folk porque está muito conectado com o que imagino que seriam ragas e músicas clássicas indianas meditativas. Sobre a afinação: em faixas como “Hum” e também “Hallowed Bones” (nesse momento Alain cantarola o início da música), eu uso a afinação DAGDAD. E ambas possuem um centro: elas se movem, mas possuem um centro em um tipo de tonalidade. Acho que quando escuto o Nick Drake, isso faz parte daquele mundo. O mesmo com Bert Jansch, não sei se você o conhece, mas a vale a pena procurar. O Jimmy Page pegou muita coisa emprestada dele, de uma música chamada “Black Waterside” (nesse momento Alain começa a cantar as primeiras estrofes da música), em que ele usa essa afinação DAGDAD. É possível perceber que essa música tem algumas similaridades com muita coisa do mundo do Nick Drake – é um lado diferente, mas para mim tem essa conexão que te leva a um determinado lugar.

Aliás, o “Hum” foi lançado pela Ipecac Records, gravadora do Mike Patton. E você também lançou recentemente uma música em parceria com ele, chamada “Luna a Sol”. Sempre pensei que as vozes de vocês dois ficariam muito bem juntas, porque pensava que tinham tons similares em alguns momentos. Por isso, queria saber se vocês já se conheciam?
Nós deveríamos nos conhecer, mas ainda não nos conhecíamos. Obviamente, eu era um grande fã dele desde os anos 1980 e 1990. Nós finalmente nos conhecemos em 2009 ou 2010 na casa do Josh (Homme). Quando eu gravei o o álbum “Spark” (em 2010), ia lançá-lo por conta própria, mas o Josh falou “Não, espera aí. Deixa eu te ajudar” e então conseguiu a Ipecac na época. Sobre o Mike… acho que ele conhecia o Eleven, ou mesmo o What is This? antes disso, minha primeira banda. Ele me chamou para fazer uma colaboração, para um cover incrível que nós fizemos, não sei se você já ouviu, vou te mandar o link (nesse momento Alain começa a cantar a música “How Sad, How Lovely”, da cantora Connie Converse, que gravou com Patton). Essa foi a primeira vez que colaboramos. Então nos falamos ao telefone, ele me falou sobre o amor dele pelo Chile. E eu não ia ao Chile havia 46 anos. Eu nasci lá, mas com um ano meu avô me levou para Zurique, depois fui para o Panamá, depois para o México e então me mudei para os Estados Unidos quando tinha 12 anos. Então eu não ia há bastante tempo. E eu sabia que tinha um pai de verdade, com quem eu não tinha contato. E então eu o conheci, e também meus dois irmãos, meus primos, e comecei a ir muito mais para o Chile.

Mas o Mike foi ao Festival de la Viña (de Vinã del Mar, no Chile) e causou uma grande comoção, as pessoas realmente se conectaram com ele, queriam que ele fosse um chileno mesmo (risos). Eu sempre pensei nas similaridades (entre as nossas vozes), especialmente no meu começo de carreira, com influências do Stevie Wonder, como no primeiro disco do Eleven, quando eu tinha uma voz com um tom mais alto. E eu pensei: “Caramba, nós soamos bem parecidos!”. Mas o Mike é obviamente um gênio vocal e eu sou um compositor que toca guitarra e também canta. Ele (Mike) foi muito gentil em concordar em fazer essa parceria (em “Luna a Sol”). Eu nunca tinha escrito uma música com letras em espanhol, então levou um tempo para a letra fluir naturalmente, porque eu não queria escrever em inglês e traduzir para espanhol. Queria que ela soasse natural em espanhol – e também que soasse natural dentro da minha visão, da minha visão poética e lírica ou que quer que seja isso. Então há muitos símbolos, símbolos mitológicos, eu suponho. Então foi muito legal, espero que a gente possa fazer mais coisas juntos no futuro. Adoro o Mike e adoro a Ipecac, o Greg Werckman, que é o presidente, e o Marc Schapiro, que meio que cuida das coisas do dia a dia. É como uma família e eu confio neles para lançar o disco. Nos dias de hoje, tem que ser com alguém que seja um amigo ou eu vou fazer por conta própria. Porque não importa, de qualquer maneira, não vou mais colocar discos para streaming, não faz nenhum sentido. Vou fazer via Bandcamp ou algo similar que te dê alguma habilidade de continuar fazendo isso, em termos financeiros. Não é algo como você tem 700 mil streamings e você e a gravadora recebem 2 mil dólares. Se você é grande a ponto de saber que terá 100 milhões de streamings por mês, então sim, pode ser uma maneira de sobreviver. Mas para a maioria dos músicos… Quer dizer, há tanta música que eu conheço e compro pelo Bandcamp, seja avantgarde, eletrônico, jazz, etc. Então abro meu app do Bandcamp e tenho lá minhas centenas de discos, você pode apoiar os artistas, é muito legal.

Em 2011, você tocou com o Chris Cornell no Brasil, em um festival chamado SWU. Não pude ir ao show, mas vi pela TV e foi uma apresentação muito bonita, aliás. Há um momento no show em que o Chris te apresenta para o público e então você toca uma música do seu disco solo anterior e é possível ver no vídeo que ele está realmente curtindo enquanto você toca. Por isso, queria saber como era a sua relação com o Chris?
Nós tínhamos uma amizade incrível desde 1991. É engraçado porque o Kim (Thayl, guitarrista do Soundgarden) costumava tocar a minha primeira banda What is This?, ele era DJ na faculdade. E ele mostrou a banda para todo mundo no Soundgarden e eles realmente gostaram do nosso som. Falando no What is This?, a pessoa que apresentou eu e a Natasha foi o nosso empresário da época do ensino médio, Erin Jacobs – e eu realmente gostava dele, ele era ótimo. Mas nós acabamos tendo de buscar outro empresário na época e ele ficou chateado com a gente, do tipo: “Ah é, vou mostrar para eles” e acabou indo trabalhar na área de A&R (Artistas e Repertório, responsável pela pesquisa de talentos e desenvolvimento artístico) da A&M Records. Então ele nos apresentou. Por volta de 1987, 1988, eu e a Natasha estávamos na casa dele e ele falou: “Preciso mostrar uma banda para vocês, estão tentando fechar um contrato com eles na A&M, eles se chamam Soundgarden, vocês precisam escutar o vocalista deles”. Então ele colocou umas músicas pra gente ouvir e eu fiquei meio como: “Que porra é essa? Como isso é possível?”. Foi muito legal porque quando finalmente nos conhecemos estávamos em turnê e eles estavam tocando o nosso disco e nós estávamos ouvindo o disco deles em nossas vans e ônibus. Por isso, já sabíamos que éramos fãs deles e eles nos convidaram para abrir aquela turnê. A Natasha tocou em uma faixa do “Superunknown” (1994) e nós abrimos para eles e depois de novo na turnê do “Down on the Upside” (1996) – fizemos muitos shows juntos. Foi apenas uma amizade incrível. Obviamente, eu tocava com o Matt (Cameron, baterista do Soundgarden, Temple of the Dog e Pearl Jam) e com o Ben (Shepperd, baixista do Soundgarden) em Seattle antes disso. Mesmo antes de conhecermos o Josh, era como uma família estendida.

Você falou há pouco sobre os planos que tinha de tocar o “Euphoria Morning” (1999) na íntegra. Por isso, queria saber como foi a experiência de escrever e gravar esse disco com o Chris e a Natasha? Porque quando o álbum foi lançado, eu me lembro de ouvir e gostar, especialmente dos singles, mas confesso que só fui compreendê-lo melhor depois de alguns anos, quando passei a prestar mais atenção na complexidade do disco e em músicas como “Steel Rain”, “Follow my Way” e “Pillow of your Bones”. É um disco bastante bonito e complexo.
O lance é que esse disco dura por muito tempo, dura para sempre, ele realmente se desenvolve. Na época, o Chris queria fazer um disco que não soasse como o Soundgarden. O Soundgarden é uma banda incrível, mas ele queria explorar algumas coisas diferentes. Ele veio depois de o Soundgarden terminar e ficou conosco. Primeiro de tudo, ele nos conseguiu um contrato com a A&M Records. Então o presidente da gravadora nos ofereceu um contrato de gravação de 200 mil dólares, que hoje em dia seria algo insano, mas naquela época era padrão ou abaixo do padrão, era algo como “Ahh, é bom”. E então eu e a Natasha fomos loucos o suficiente para pedir a ele (presidente da gravadora) o valor todo para usar para comprar equipamento para o estúdio. Basicamente pegar 200 mil dólares e ir até uma loja de instrumentos para microfones e tudo mais, montar o nosso próprio estúdio. Algo como “Esquece essa ideia de contratar um engenheiro de som e um produtor” (risos). E ele, o Al Cafaro, que era presidente da gravadora na época, era um cantor de ópera nas horas vagas, era um ótimo cantor, uma pessoa muito musical, achou totalmente hilário que nós tivemos tido a coragem de fazer esse pedido. Porque eles nunca fariam isso, eles preferiam alugar algo do que comprar para você, mesmo que isso significasse gastar mais dinheiro, essa era apenas a maneira como as gravadoras operavam. Mas ele (Al Cafaro) disse “sim” e então de repente, graças ao Chris, nós temos um estúdio. Nós já tínhamos gravado o “Avantgardedog” (disco do Eleven lançado em 2000) por conta própria, fizemos o disco inteiro literalmente – mas ele só foi lançado depois (do “Euphoria Morning”) porque a A&M pediu para esperarmos até depois do disco com o Chris, mas então a A&M obviamente desapareceu e nós acabamos na Interscope, que não fez nada para divulgar o álbum. Mas enfim, já tínhamos experiência (no estúdio), tínhamos feito algumas gravações por conta própria ao longo dos anos. Então agora nós tínhamos um estúdio inteiro. Quer dizer, não era um estúdio inteiro, era o 11AD, onde fizemos alguns discos com o Mark Lanegan (“Bubblegum”, 2004; “Blues Funeral“, 2012; “Imitations”, 2013; “Phantom Radio”, 2014; “Gargoyle”, 2017; “Straight Songs Of Sorrow”, 2020), No Doubt (“Rock Steady”, 2001), Queens of the Stone Age (“First It Giveth EP”, 2003 e “Stone Age Complication EP”, 2004), Eleven (“Avantgardedog”, 2000 e “Howling Book”, 2003), entre outras coisas (Beth Orton, Brody Dalle, Desert Sessions, Duke Garwood, Jack Irons, Live, Soulsavers e The Black Box Revelation). Então o Chris veio para trabalharmos e a Natasha o ajudou a rearranjar “Flutter Girl”, eu escrevi a parte musical de “Mission” e “Follow my Way”, ela escreveu “Pillow of Your Bones” – ele escreveu a melodia e as letras para essas canções. Ela o ajudou com os arranjos de “Steel Rain”. Nós trabalhamos sem parar por dois meses para finalizarmos as músicas. E ele (Chris) deveria ser produzido pelo Daniel Lanois, que fez o “Joshua Tree” (1987) com o U2 e muitas outras coisas (como Bob Dylan). Então estávamos deixando as músicas prontas e fizemos algumas gravações rápidas, que não consigo mais encontrar. Mas enfim, as músicas estavam prontas, o Chris falou: “Eu vou trabalhar com o Daniel e então vocês podem vir e tocar no disco” e nós dissemos “Ok, ótimo”. Então ele (Chris) recebeu um telefonema do empresário do Daniel dizendo que o Daniel estava tendo um surto ou algo parecido e que estava cancelando todos os seus projetos. Aí o Chris estava lá sentado, pensando: “Que merda eu vou fazer agora?”. E a Natasha falou: “Como assim? Nós temos um estúdio e você já está aqui, vamos apenas começar a gravar nós mesmos amanhã. E não conte pra ninguém” (risos). Então ele falou: “É isso, vamos gravar. Foda-se todo mundo, vamos fazer o disco nós mesmos” (risos). E tivemos um incrível período de sete meses em que fizemos muitas experimentações, porque quem se importa, não há um orçamento, não é preciso se preocupar com a quantidade de dias de gravações. Então ele ia para casa em Seattle por algumas semanas, depois voltava pra cá e em alguns dias apenas assistíamos TV o dia todo e começávamos a gravar 1h da manhã. E em outros dias nós ficávamos 30 horas gravando direto sem parar. Foi assim que as coisas aconteceram. E então de repente convidamos o Josh Freese para vir tocar, o Victor Indrizzo, o Matt Cameron, o Jason Faulkner, o Bill Rieflin, eu gravei baixo, guitarra, o Chris gravou guitarras também, e então depois de sete meses nós tínhamos o disco. Nós mostramos o álbum para A&M e foi um grande sucesso artístico, eles ficaram muito felizes. Me lembro que cerca de um ano depois do disco ser lançado as pessoas disseram: “Bem, você sabe, o disco só vendeu 750 mil cópias. Me desculpe, mas foi meio que um fracasso” (risos). E eu pensava: “Ah é, sério? 750 mil cópias do disco solo do vocalista de uma banda famosa. Você não acha isso bom? Eu acho isso incrível pra caralho”. Especialmente um disco que é tão musical. Nós saímos em turnê e ficamos esperando para poder lançar o “Avantgardedog” (do Eleven), que só saiu em 2000, mas o disco foi gravado em 1997. Em 1997 foi quando o Chris veio ficar conosco e conseguimos o estúdio. Entre 1997 e 1998 foi quando finalizamos o “Avantgardedog” e depois fizemos o “Euphoria Morning” entre 1998 e 1999. Nós já tínhamos feito as faixas “Sunshower” e “Ave Maria” (com o Chris) antes de termos o estúdio, porque tínhamos um pequeno gravador de 8 canais. Então em “Sunshower” foi eu, a Natasha e o Greg como banda do Chris, fizemos tudo em um dia basicamente. E em “Ave Maria” foi logo que assinamos com a A&M, mas antes de entrarmos no estúdio, o Al Cafaro estava fazendo um novo volume da compilação de Natal “A Very Special Christmas” e nós escolhemos a bonita e doce “Ave Maria” com todos os teclados bregas (risos). Ficou bem anos 1990, eu escuto hoje em dia e penso “Oh, Meu Deus” (risos). Mas enfim, nós fizemos e foi divertido.

Falando sobre o Eleven, como você vê o legado da banda hoje em dia? Você tem algo favorito entre tudo que fez com a banda, seja um disco, uma música ou um show?
Tudo que fiz com a banda realmente é um legado para mim. Meu disco favorito é o “Howling Book” (2003), quando o Jack (Irons, baterista) voltou – ele tocou com o Pearl Jam por um tempo. E então o “Avantgardedog” seria o disco número 2 porque foi um período em que o Greg Upchurch nos salvou quando o Jack saiu da banda. O “Thunk” é especial porque o Matt Cameron se juntou a nós para tocar em quatro músicas. Quer dizer, apenas poder estar… O Eleven obviamente é a minha coisa favorita, porque era o meu lance com a Natasha, era nós criando juntos. O “Euphoria Morning” seria o número 2. E depois o nosso período com o Queens of the Stone Age, a minha relação com o Josh (Homme) – o Desert Sessions 7, 8, 9 e 10 e fazer parte do “Songs for the Deaf” (2002), do “Lullabies to Paralyze” (2005), e depois também o “Era Vulgaris” (2007), em que eu principalmente toquei e mixei. Mas quando a Natasha ficou doente, eu deixei de fazer parte da banda. O Josh é muito esperto e ficou preocupado comigo, porque ele não achou que eu fosse conseguir sobreviver com a morte da Natasha. Então ele me fez ficar muito ocupado imediatamente. Primeiro com o Arctic Monkeys (“Humbug”, 2009), fazendo captação e gravação com eles. E depois com o Them Crooked Vultures. Isso foi o Josh cuidando do seu amigo para garantir que ele não se matasse (risos).

Você falou sobre o Queens of the Stone Stage. Vocês tocaram no “Songs for the Deaf”, mas acho que estiveram mais presentes no “Lullabies to Paralyze” – você e a Natasha.
Sim, estivemos mais presentes no “Lullabies”, mas também toquei em algumas faixas do “Songs for the Deaf” – e a Natasha tocou teclado e também fez a voz da apresentadora mexicana na faixa-título. Então nós também estivemos bastante presentes no “Songs for the Deaf”, mas é obviamente o Nick (Olivieri, baixista e vocalista), o Dave (Grohl, baterista), o Josh (Homme, guitarrista e vocalista) e o Lanegan (vocalista em algumas faixas). Mas nós estávamos lá sempre. E, é claro, eu escrevi “Hanging Tree” para o Desert Sessions, e também toquei na versão que entrou no disco (“Songs for the Deaf”). Mas é, o “Lullabies” foi realmente a primeira vez, porque o Nick tinha acabado de sair da banda. E nós já éramos amigos, acho que o Josh pensou que seria melhor ter alguém próximo. Mas não foi fácil, porque eu nunca tinha tocado baixo em um palco antes, eu tocava baixo em casa. Nós tivemos apenas dois ensaios e saímos para tocar com o Queens of the Stone Age. O primeiro show foi no Stubb´s BBQ, em Austin, no Texas, e o Nick estava no avião a caminho do show e eu perguntei: “Que merda você está fazendo?” (risos). E ele disse: “Eu quero ir ver o show”! E eu falei: “Puta merda, não. Você vai me deixar muito nervoso”. E ele respondeu “Ah não, pelo menos foi você”. Isso foi muito louco.

É, o “Lullabies” é um disco incrível. Acho que para mim é o último disco realmente incrível da banda.
Obrigado. Eu amo esse disco e a turnê que fizemos. Acho que o Queens of the Stone Age comigo, a Natasha, o Josh, o Troy (Van Leewuen, guitarrista) e o Joey (Castillo, baterista), aquele período, os shows de 2005, como o Montreux, Pinkpop e Pukkelpop, com alguns tempos loucos e shows intensos e loucos, são algumas das minhas memórias mais incríveis sobre o poder de uma banda.

Voltando um pouco ao Eleven. Você acha que a banda teve o reconhecimento que deveria? Sempre penso que mais gente deveria saber sobre a banda.
O problema é que o reconhecimento veio dos nossos colegas, como o Soundgarden, Pearl Jam, e o Queens of the Stone Age, mas nós realmente tivemos a pior sorte. Quer dizer, acho que a pior sorte é nunca assinar um contrato, mas algumas vezes conseguir um contrato pode ser a pior sorte, quando você tem de lidar com a frustração de fazer um disco e ver ele ser lançado sem nenhuma divulgação. Por exemplo, todos os discos do Eleven se esgotaram rapidamente quando foram lançados, mas eles nunca fizeram mais cópias depois. Não sei a razão para isso, foram gravadoras diferentes com histórias diferentes. A Morgan Creek nunca foi uma gravadora séria, eles só queriam um lugar para lançar trilha-sonoras, não fizeram nenhuma divulgação. A Hollywood Records estragou tudo com “Reach Out” (single de 1993), a música poderia ter sido enorme, nós estávamos em rádios de metal, no Beavis and Butthead, eles não fizeram nenhuma divulgação, nenhum impulso. E mesmo nós tendo apoiadores muito fortes na gravadora, nunca chegou ao presidente ou algo assim. A A&M teria sido um grande impulso para nós, tirando o fato de eles terem desaparecido já que foram comprados pela Universal. E tristemente o Al Cafaro e o David Edery, essas pessoas incríveis que estavam nos apoiando, tiveram de ir para casa e então a A&M acabou. E tivemos de esperar cerca de um ano até a Interscope decidir que realmente não iam fazer nada. É por isso que com o “Howling Book” (2003) nós decidimos fazer tudo por conta própria. Se nós tivéssemos tido a oportunidade de ir para a estrada… Aliás, você não vai acreditar nisso. Nós abrimos para o Soundgarden, ficamos cerca de dois anos e meio abrindo turnês diferentes, entrando e saindo, com Jeff Buckley, TAD, Moby, estávamos abrindo esses shows incríveis. Mas de repente não temos mais uma gravadora, nós tínhamos deixado a Hollywood Records e não tínhamos nenhum dinheiro. Então o Chris liga e diz: “Ok, nós vamos fazer uma turnê na Europa”. E eu disse “Me desculpa, cara, mas nós não podemos ir porque não temos dinheiro, gravadora nem nada”. E ele disse: “Oh, Ok. Já te ligo”. Aí uns 30 minutos depois ele liga de novo e diz: “Ok, nós vamos fazer uma turnê” (risos). E perguntei “Como assim, o que aconteceu?”, e ele respondeu “Todo mundo na banda está dando 15 mil dólares, então vocês têm 60 mil dólares para sair em turnê conosco. Vocês podem usar a nossa equipe, nosso ônibus de turnê”. Foi incrível. Então imagina isso, o Soundgarden pagou para o Eleven abrir os shows deles (risos). Isso é algo que não acontece nunca.

Isso é realmente incrível (risos).
Ah! Antes que eu esqueça. Quando eu toquei com o Chris no Brasil em 2011 no SWU, o que aconteceu foi o seguinte: nós estávamos a caminho do festival, e naquele dia teve uma tempestade enorme, então o festival estava atrasado. Nós chegamos lá, e o Peter Gabriel tem uma orquestra gigante, com umas 100 pessoas, o Lynryd Skynryd também ia tocar e tudo mais. Então nós chegamos lá e o tour manager do Peter Gabriel e o produtor do festival, o chefe, estão nos esperando e eles dizem: “Chris, nós precisamos te pedir um favor. Nós estamos realmente atrasados e gostaríamos de saber se é possível você tocar menos. Você deveria tocar 1 hora, mas você pode tocar 45 minutos?” E o Chris respondeu “Você quer que eu toque por 45 minutos?” (risos). E o Chris olha para mim com um olhar meio estranho e dá um sorriso e diz: “Tudo bem, eu toco 45 minutos”. E então eles falaram: “Muito obrigado, você realmente nos ajudou”. E ele falou “Sem problemas”. Então o Chris cortou um pouco o setlist e então nós terminamos a penúltima música – nós tocamos duas ou três músicas juntos e então ele tocaria a última música sozinho. Então termino a minha última música com ele, só falta mais uma para encerrar o set, já ia me preparar para guardar o meu violão cigar box. E então ele olha para mim no meio da música como se falasse: “Não, não guarde o violão”. Já fazia 45 minutos que o Chris estava tocando e ele anuncia no microfone: “O meu amigo Alain adoraria tocar uma música dele para vocês” (risos). Então ele se senta ao meu lado enquanto toco e todo mundo na lateral do palco está indo à loucura, do tipo: “Ah não, que merda está acontecendo?”. E o Chris está lá sentado, sorrindo, olhando para todo mundo, me pedindo para tocar por 15 minutos. No final, toquei apenas uma música, mas depois disso já tinha sido engraçado o bastante, sabe? (risos) Depois de terminar a música, eu falei: “Ok, acho que isso já é o bastante”, e ele concordou. Mas o Chris era assim, sempre muito divertido e com ótimo senso de humor.

Além do Chris, você também tocou muito com outro grande vocalista da região de Seattle, o Mark Lanegan. Vocês trabalharam juntos em muitas coisas, incluindo o incrível “Blues Funeral” (2012). O Mark já disse que a vida dele na música realmente começou quando ele te conheceu, que você é o cara mais talentoso que ele conheceu e que você foi o primeiro a transformar a visão dele em realidade. Como era a relação entre vocês, musical e pessoalmente? O que pensa que fazia com que vocês se conectassem de maneira tão fácil e forte?
Ah, cara, é tão difícil. Tenho sentido muita falta dele, nós deveríamos começar a gravar juntos de novo em julho (nota: a entrevista foi feita em junho). Nos falamos uma semana antes de ele falecer. Me lembro da primeira vez… eu obviamente era fã do Mark por causa do Screaming Trees, mas nós só nos conhecemos na época do Desert Sessions 7 e 8 (2001), em que ele canta “Hanging Tree”. Depois disso, acho que foi em 2002 ou 2003, ele me ligou porque ele queria fazer um cover do The Kinks. Então ele veio até mim – eu já tinha o estúdio e tudo mais – e em três horas nós tínhamos feito essa incrível e estranha versão hillbilly de “Nothing in This World Can Stop me Worryin’ Bout That Girl”. Então nós já sabíamos que tínhamos essa incrível facilidade de comunicação. Ele estava fazendo o “Bubblegum” (2004) e estava trabalhando com o (Chris) Goss. Então ele me pediu para tocar um lead na música “Metamphetamine Blues”, o que eu fiz, e ele disse: “Eu quero fazer mais algumas músicas para esse disco. Posso ir até aí?”. E começamos com “Morning Glory Wine”, depois “Driving Death Valley Blues”, “Head” e era apenas eu e ele. Eu tocava todos os instrumentos, fazia a captação da gravação e mixava as músicas. Então nós já sabíamos que tínhamos essa incrível facilidade de comunicação. Era como se ele nem precisasse explicar muito, ele podia apenas me olhar de uma certa maneira – ou apenas dizer uma palavra ou tocar um pouco de algo que tivesse escrito. E era muito fácil para eu me conectar com o que ele queria, sabe? E foi isso que deu início a tudo no ‘Blues Funeral’. Na faixa ‘Gravedigger’s Song’, por exemplo, sou apenas eu e ele.

Você mencionou antes que tem visitado mais o Chile, seu país natal, nos últimos tempos. Hoje o país é visto, pelo menos por uma parte das pessoas aqui no Brasil e em outros locais da América do Sul, imagino, como um farol de esperança talvez.
Sim, acho que agora com o Boric, tão jovem, espero que as coisas comecem a melhorar de forma geral. É interessante, eu realmente me identifico e entendo muito sobre esse sentimento quando estou lá (no Chile). Me sinto em um lugar histórico, com o qual tenho raízes, o ar – bem, não a fumaça (risos), porque Santiago pode ser bem pesada. É uma daquelas coisas: me sinto em casa, me sinto feliz quando estou lá. Mas também me sinto feliz na Europa, sempre tento tirar o melhor de onde eu estiver, porque a minha família viajava pra caralho – acho que morei em 12 países antes dos 14 anos (risos).

Mas isso foi por causa do Pinochet ou foi antes da ditadura no Chile?
Não, isso foi em 1962 (nota: o golpe militar do Chile aconteceu em 1973). Minha avó me levou para Zurique quando eu tinha um ano de idade, em 1963. E então depois a minha mãe e todo mundo foi na metade dos anos 1960, quando eu já estava lá. Também vivemos no Panamá por um ano, porque a minha mãe tinha um trabalho em uma telenovela (nota: Alain fala essa palavra em espanhol), sabe (risos)? Apenas os latino-americanos podem fazer isso, nada se compara com o levantar da sobrancelha e aquelas músicas (nesse momento, Alain cantarola uma música de suspense exagerada). E então o alienígena chega e ele é o pai, ou algo assim (risos). Então ficamos no México entre 1968 e 1974 e me lembro que o sentimento dos anos 1960 e início dos 1970 era muito claro porque a minha mãe tinha todos esses amigos boêmios e um toca-discos com álbuns do Black Sabbath, Zeppelin, “Tommy” (1969) (do The Who), e “Jesus Christ Superstar” (1970). Aliás, sabe o que é muito engraçado? Não sei se você os conhece. Mas o meu padrasto era um produtor e ele levou um grupo de Carnaval para lá. E sabe quem mais ele levou e que ficaram conosco? O Secos & Molhados.

Ah, sério? O Ney Matagrosso? Isso é demais.
Sim (nesse momento Alain começa a cantar o refrão de “O Vira”, do Secos & Molhados). Eu me sentei com ele na sala de estar e ele começou a cantar e me mostrou como cantar a porra do refrão de “O Patrão Nosso de Cada Dia” (risos). Eles tocaram no Siempre Domingo, o programa do Raul Velasco. E lá foi ele com pouca roupa e a maquiagem do Kiss antes do Kiss. Ele estava deixando todo mundo louco, assustando todo mundo, porque isso foi por volta de 1972, 1973 (nota: a turnê da banda no México aconteceu em 1974). Ainda tenho o disco deles, com as cabeças na mesa do banquete, tenho a cópia que ele me deu. O meu padrasto, que na época achava que era o meu pai e depois descobri que eu tinha um outro pai, ele costumava levar artistas para o México – ele também era empresário de um cantor argentino da época chamado Palito Ortega. Por isso, me diverti muito no México. Mas decidi que queria ser um guitarrista de rock, e achava que não devia ficar no México para isso. Então a minha tia Frankie, a esposa do meu tio Peter era inglesa e estava vivendo em Laurel Canyon (em Los Angeles). Então nós meio que nos convidamos para passar o verão e eu apenas acabei ficando (risos).

Você já veio ao Brasil várias vezes, seja com o Chris Cornell, com a sua carreira solo (abrindo para o Queens of the Stone Age) e com a PJ Harvey (no Popload Festival 2017), por exemplo. Por isso, gostaria de saber quais as suas lembranças das suas viagens ao país e também se houve algo em especial que chamou a sua atenção – um lugar, uma comida, uma cidade?
Ahh, tudo, tudo. Quer dizer, eu cresci com ótimos músicos e, obviamente, vocês tinham (Tom) Jobim e Egberto Gismonti. Sempre me identifiquei com eles, especialmente com o lado blues mais obscuro. As coisas super festivas e alegres… de qualquer cultura, eu posso escutar, mas não é a minha parte favorita. Gosto das coisas obscuras e sofridas (risos). A Bossa Nova e tudo aquilo. E obviamente a comida também. Nós fomos para Porto Alegre, fomos a ótimos restaurantes e sempre que comíamos era algo bonito. Nunca fui ao Rio de Janeiro, apenas para São Paulo e Porto Alegre. Quer dizer, acho que também fomos para o lado brasileiro das Cataratas do Iguaçu e é realmente muito, muito bonito, é muito legal. Adoraria poder passar mais tempo aí. Gostaria de fazer uma turnê, mas é muito caro. Penso que me divertiria muito fazendo uma turnê por toda a América do Sul.

Sempre gosto de fazer essa pergunta: por favor me diga três discos que mudaram a sua vida e porque eles fizeram isso.
Hmm, diria que o primeiro disco que me lembro de mudar a minha vida é o “White Album” (1968), dos Beatles. Antes disso, eu tinha singles dos Beatles. Comprei o disco assim que saiu, acho que foi em 1967 ou 1968. Mas há algo nesse disco que imediatamente me expandiu de muitas formas diferentes – isso aconteceu com muitas pessoas, é claro. Lembro de pedir para a minha mãe comprar os singles dos Beatles à medida que eles eram lançados – eu tinha 7 ou 8 anos de idade e já tocava guitarra desde os 4 anos.

Outro seria o “Physical Grafitti” (1975), do Led Zeppelin, que representa o som de uma banda, a química entre todos no Led Zeppelin – e nesse disco em especial, porque ele soa muito vivo quando você escuta.

E para terminar diria algo não esperado, o Fred Frith, com um álbum chamado “Gravity” (1980). Ele é um gênio de improvisação avantgarde e o “Gravity” tem muita coisa folk, do leste europeu, em termos de instrumentação e composição.

Você mencionou o “Physical Grafitti”. Como foi para você sair em turnê com o John Paul Jones e o Them Crooked Vultures?
É algo tão surreal. Você precisa meio que tentar se controlar. Porque você não pode sair em turnê estando em uma banda, no palco com o John Paul Jones, e desmaiar todas as noites (risos). Não dá certo. O que adoro nele é que ele é um cara muito doce e humilde, mas é um tremendo gênio. E ele adora tocar – e eu também. Então depois dos shows nós ficávamos horas fazendo jams no ônibus, com bandolim e cigar box. Ou ele me falava: “Alain, há uma exposição de instrumentos antigos em Boston” e eu dizia “Ok” e lá íamos nós. Ou “Alain, nós vamos para a casa do Béla Flack para uma jam de bluegrass. Vamos lá!” e eu respondia: “Ok, legal, vamos!”. A turnê inteira foi assim, foi incrível.

Olhando para tudo que você fez em sua carreira de mais de 30 anos, do que você tem mais orgulho?
Acho que, para além de qualquer coisa em particular, o que tenho mais orgulho é de ter conseguido manter minha integridade artística e criado conexões com músicos e artistas incríveis. E ter podido ajudar no caminho deles e, desta forma, enriquecer a minha vida e o meu caminho, enquanto criador ou ao ajudar essas pessoas a criar. É isso que amo sobre a parte de trabalhar com produção, gravação e arranjos e tudo isso, em fazer parte dos discos de outras pessoas: com a minha experiência, poder ajudá-las a alcançar as suas visões, como com o Mark. Isso é muito satisfatório para mim. É apenas uma vida na música. Eu não gosto de ficar nos holofotes, isso meio que me tira de mim mesmo. Prefiro ficar no processo, me sentir parte de uma família ou de um contexto de outra pessoa ou de uma equipe. Não sei realmente muito sobre todo o estresse da estrutura do ego. Só quero ficar no processo e não sentir que cheguei em algum lugar ou que sou alguma coisa. Prefiro não pensar e apenas tentar ser criativo todos os dias – ou poder estar lá para ajudar outra pessoa a ser criativa. Não sei, essa é uma resposta bastante confusa (risos).

–  Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud! A foto que abre o texto é de Miklós Pintér

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