Cinema: “Amira”, de Mohamed Diab, é cheio de boas intenções, mas falha ao falar sobre as famílias palestinas

texto por Renan Guerra

Amira (Tara Abboud), a personagem título do filme de Mohamed Diab, é uma jovem de 17 anos, orgulhosamente filha de um homem que ela considera seu herói. Seu pai é Nawar (Ali Suleiman), um preso político que batalhava pela liberdade do território palestino perante Israel. Sua mãe é Warda (Saba Mubarak), uma mulher que nunca dividiu a cama com seu Nawar. O seu casamento já foi celebrado com Nawar na cadeia e Amira foi concebida de modo não-convencional: o esperma de Nawar foi contrabandeado por um guarda israelense que havia sido subornado para essa função, e Warda fez uma inseminação artificial.

“Amira” (2021), o filme, começa a se desenvolver quando Nawar traz à tona a possibilidade de gerar um segundo filho e, nos trâmites para esse novo processo de fertilização à distância, descobre-se que Nawar é estéril desde sempre, sendo assim, não seria possível que ele fosse o pai de Amira. O filme então se desdobra em um drama familiar com ar de novelão num tensionamento das identidades políticas desses personagens envolvidos. “Amira” é dirigido pelo egípicio Mohamed Diab, diretor de filmes com boas carreiras internacionais, como “Clash” (2016) e “Cairo 678” (2010), excelente longa que fala sobre os abusos sexuais sofridos por mulheres no transporte público do Egito. Com esse currículo, Diab conseguiu estrear “Amira” no Festival de Veneza de 2021 e saiu de lá com dois prêmios, o Lanterna Mágica, da Associazione Nazionale C.G.S., e o Interfilm Award.

Co-produzido entre o Egito, a Jordânia e os Emirados Árabes, “Amira” foi selecionado pela Royal Film Commission da Jordânia para ser o representante do país na corrida pelo Oscar de Melhor Filme Internacional de 2022, porém é aí que começam as polêmicas envolvendo a obra. A sinopse da história e alguns desdobramentos que acontecem dentro da história foram extremamente malvistos pela comunidade palestina e por entidades que defendem a liberdade da Palestina, por isso formou-se um movimento de boicote ao filme. Hoje em dia é só entrar em páginas como o IMDB e o Rotten Tomatoes e ver as avaliações negativas de “Amira”, que foi considerado um aceno ao “inimigo sionista”. Com todos esses B.O.s, a Jordânia decidiu retirar a candidatura do filme ao Oscar, mesmo assim Mohamed Diab ainda tentou que outros países da região apoiassem a candidatura de seu filme, o que não rolou.

Agora que a polêmica já baixou um pouco, o filme chega aos cinemas brasileiros e a questão que fica é: “Amira” é realmente tão polêmico e problemático? Em partes, sim. Falemos primeiro do filme enquanto construção técnica: há boas atuações aqui, Ali Suliman, por exemplo, dá uma complexidade excelente a Nawar e consegue nos transpassar pelo olhar todas as dúvidas e inseguranças desse homem preso; há também uma boa narrativa inicial, que nos apresenta bem esses personagens, o seu universo geográfico e parece dar certa complexidade a essa história. Dito isso, chegamos as “boas intenções” do filme: “Amira” é construído para ser um filme que celebraria essas identidades palestinas, porém cada escolha da narrativa ao longo da história parece deixar tudo mais dúbio. O que o diretor e os roteiristas queriam nos dizer com essa história?

Um ponto central nessa polêmica está em um fato que é um spoiler do filme, mas vamos lá: Amira não é filha de Nawar, ela foi concebida com o sêmen do guarda israelense, assim ela seria oficialmente israelense. E aí entram as reclamações das entidades palestinas, que consideram o filme desrespeitoso com os presos políticos e com as próprias identidades palestinas. E aí está o maior problema de “Amira”, pois eles tentam representar uma comunidade e basicamente o fazem de forma rasa e rasteira. Essencialmente, da metade para o final do filme o que temos é uma representação de uma comunidade palestina que é machista, preconceituosa e violenta, a quem isso serve? Não há complexidade nesses personagens, há um efeito manada causado por uma descoberta do passado que planifica essas personagens e acaba por criar uma representação falha de todo um povo que teoricamente seria celebrado nesse filme.

Enfim, se a gente lesse “Amira” como um novelão em que rolam testes de DNA, “quem é o pai?” e toda sorte de problemas familiares, esse até seria um filme interessante, porém todas as camadas políticas que envolvem o filme deixam a projeção nebulosa e o saldo final é um gosto estranho na boca: o que acabamos de assistir? O que esse filme quis nos dizer? Assista por sua conta em risco.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava. 

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