Entrevista: Djavan e o canto iluminado do enigmático “D”, seu 25º disco

entrevista por João Paulo Barreto

O título desse texto remete à última faixa de “D” (2022), novo disco de Djavan, recém-lançado. “Iluminado”, a música, é uma ode a tempos melhores. Essa vibração se destaca como um símbolo que advém do otimismo e da leveza da família Viana, representada aqui pelos rebentos do músico de 73 anos e mais de 50 de carreira. É uma canção que, com sua simplicidade de mensagem, em conjunto a todas aquelas vozes, transmite tal sentimento. “Ela tem tudo isso e tem, também, o prazer de reunir pela primeira vez os filhos e os netos em uma gravação. Sempre fazemos isso em casa. Agora, reunimos todos ali, em torno desse projeto, para que ficasse registrada a nossa reunião musical pela primeira vez. Eu fiz essa música com o objetivo de trazer otimismo e acho que cantar com eles foi excelente nessa mensagem”, me explica Djavan em conversa por telefone.

É verdade. A sensação que a audição de “D” nos traz é a de uma obra que remete a recomeços e a uma ideia otimista de renovação. Trata-se de 25º disco da carreira de Djavan e, claro, a metafórica comparação ao alcance das bodas de prata representada por essa marca se torna mais do que apropriada. Para o cantor, porém, a ideia de completude, de olhar para trás e perceber o peso desse simbólico número, não gera o previsível impacto de uma introspecção. “Para mim, é simplesmente um trabalho. É um trabalho que desenvolvo com alegria, com paixão. Nem sei se estou me aproximando de um final de carreira, se estou no começo, se estou no meio. Para mim, é um trabalho. Para mim, é como se estivesse, a cada disco, iniciando uma carreira. Isso a julgar pelo prazer que eu sinto em fazer”, pontua o músico.

Trazendo como suporte não somente os filhos e netos para a faixa que finda o disco, o músico alagoano reuniu em “D” nomes que o acompanharam em diversos momentos e ajudaram a construir essa marca. São presenças já obrigatórias de gente do calibre do baterista Carlos Bala, do guitarrista João Castilho e do tecladista Paulo Calasans, aqui atuando também como assistente de produção para a obra que tem Djavan como arranjador e produtor. A visão do cantor e compositor em tais aspectos técnicos, inclusive, surpreende novamente, uma vez que sua capacidade como letrista se sobressai em “D” de maneira perceptível. Em seu processo de criação, todas as letras do disco, à exceção das faixas “Êh Êh!”, que traz uma parceria de criação ao lado de Zeca Pagodinho, e a citada “Iluminado”, foram escritas já após todas as músicas estarem prontas, arranjadas e gravadas.

“É bom porque você tem uma independência maior para fazer uma coisa e outra. Eu, atualmente, componho assim. Por mais estranho que isso possa parecer para muita gente, para mim tornou-se normal. Também tem um detalhe: na cronologia da gravação, a voz é sempre a última coisa que entra. Então, eu gosto de gravar todos os detalhes, e, depois que a coisa está pronta basicamente, faltando somente a voz, eu já tenho todos esses elementos”, equaciona o mestre alagoano que, após gravar todas as músicas em meados de 2021, se recolheu, no começo desse ano, à sua casa em seu estado natal para se debruçar sobre as letras dessa nova labuta. “É uma chance de trabalhar mais minuciosamente tanto a letra quanto a música”, destaca Djavan.

Com a participação de Milton Nascimento, que completa 80 anos daqui a dois meses, a introspectiva e denunciatória “Beleza Destruída” rima duas faces que “D” destaca. A primeira centra-se na já citada necessidade de renovação, de novos meios de se enxergar o mundo, o planeta, em uma forma urgente de se preservar o que ainda temos em termos de natureza. Com versos como aquele que diz “Ver indígenas/E bichos/Implorando para existir/Faz tão mal/Faz tão mal/Mas o homem/Cego por dinheiro/Só sabe dizer:/Dizimar, Dizimar”, é impossível não voltar quase 45 anos no tempo e escutar a clássica “Cara de Índio”, do disco de 1978. A tristeza está em perceber que, mesmo tanto tempo depois, pouco mudou.

A outra face, claro, está na junção inédita de duas das vozes negras de maior importância da música brasileira no século XX e a surpresa de perceber que essa foi a primeira vez que ambas estiveram conjunto no mesmo estúdio. O timbre de emoção dos dois é palpável e, sabendo desse impacto, Djavan, na função de arranjador, soube criar uma estrutura que valorizasse de maneira sólida aquela junção. “Com o Milton, eu nunca tinha feito nada antes, embora o conheça há muitos anos. Nele, eu tenho, inclusive, uma das maiores influências minhas naquele período inicial, quando eu estava observando tudo, colhendo todas as informações e vendo todo mundo. E agora, nós pudemos fazer esse trabalho juntos. Fiz a música com um tema que a gente sempre abraçou como missão. E foi lindo. Foi maravilhoso ele ter vindo e termos trabalhado, nos juntado, nesse projeto que nos trouxe muita alegria”, relembra.

No clipe, Milton e Djavan se olham entre sorrisos de admiração, e a sensação é de que “D” nos transmite precisamente essa ideia de reencontros e um olhar para um futuro mais claro, que a experiência de vida nos dá a noção de encontrar. Tal percepção de futuro se torna evidente em composições como a de “Num Mundo de Paz”, com seu conjunto de metais e letra: “Belas noites de verão/De mãos dadas por aí/Retomar o que era bom/Ser feliz é logo ali”, canta o homem no auge de um otimismo experiente aos 73 anos de idade. Djavan pode dizer que se trata de mais um trabalho, que não localiza sua carreira em um ponto de começo, meio ou fim. Nós, tampouco. Mas sua presença na nossa música é estável e contínua. Eterna como as boas sensações da vida devem ser.

No papo abaixo, Djavan fala um pouco mais sobre o processo de criação de “D”.

Ao chegar à marca de 25 discos, uma carreira de mais de meio século, 73 anos de idade, você olha para trás com um sentimento de completude?
Para mim, é simplesmente um trabalho. É um trabalho que eu desenvolvo com alegria, com paixão. Eu nem sei se estou me aproximando de um final de carreira, se estou no começo, se estou no meio. Para mim, é um trabalho. Para mim, é como se eu estivesse, a cada disco, iniciando uma carreira. Isso a julgar pelo prazer que eu sinto em fazer esse trabalho.

Após criar os arranjos e gravar com a banda todas as canções do disco, você partiu para Alagoas, onde se retirou para iniciar a composição das letras. Como funciona o processo de criar as letras depois?
Eu já fiz de várias maneiras. No início, eu fazia a música e a letra juntas. Do modo normal, como a maioria das pessoas faz. Mas já fiz, também, de escrever a letra e fazer a música em cima. Essa forma é mais rara. E nos últimos 20 anos, passei a fazer a música com melodias, arranjos, etc. E depois escrever a letra. É bom porque você tem uma independência maior para fazer uma coisa e outra. Eu atualmente componho assim. Por mais estranho que isso possa parecer para muita gente, para mim tornou-se normal. Também tem um detalhe. Na cronologia da gravação, a voz é a última coisa que entra. Então, gosto de gravar todos os detalhes, e depois que a coisa está pronta basicamente, faltando somente a voz, eu tenho todos esses elementos. Arranjos, todos os músicos, tudo a contribuir até na feitura da letra. Isso traz inspiração. E como falei, tenho a chance de trabalhar mais minuciosamente tanto a letra quanto a música.

Em “D”, você grava com Milton Nascimento. Imagino que tenha sido um momento muito marcante dividir pela primeira vez com ele os vocais em um disco.
Com o Milton, eu nunca tinha feito nada antes, embora eu o conheça há muitos anos. Nele, eu tenho, inclusive, uma das maiores influências minhas naquele período inicial quando eu estava observando tudo, colhendo toas as informações e vendo todo mundo. E agora nós pudemos fazer esse trabalho juntos. Fiz a música com um tema que a gente sempre abraçou como missão. E foi lindo! Foi maravilhoso ele ter vindo. Foi maravilhoso nós termos trabalhado, nos juntado nesse projeto que nos trouxe muita alegria.

O projeto gráfico do disco reflete muito a aura enigmática do seu título, “D”. Como foi esse desenvolvimento?
É algo bonito. Eu abracei essa ideia que foi do Giovanni Bianco desde a raiz do projeto. Abracei porque achei bonito. Gostei e achei diferente. E é uma coisa que tem uma aura. É algo que me encanta. Quando concordei em usar esse título, essa capa, eu estava certo que estava fazendo pela busca do novo, pela busca da novidade.

Há algo que você tem ouvido nos tempos recentes que lhe influencia? Lembro-me de ver uma entrevista sua há uns anos na qual você falou da importância dos Beatles em sua formação.
A minha carreira, a minha música, ela é baseada na diversidade. E tudo de distinto que eu escutei, que eu abracei, inclusive os próprios Beatles, foram uma influência muito forte. Estou sempre ligado e me parece que eu estou ouvindo sempre pela primeira vez. Estou sempre ligado em uma coisa a mais que me pareça mais nova, uma informação que eu ainda não tinha. E isso sempre me encantou. Eu continuo nessa pilha. Tudo o que eu vejo que me cai e me chega bem aos ouvidos, me interessa saber do que se trata, de onde vem, quem faz.

A última faixa do disco, “Iluminado”, traz uma energia de otimismo que é muito bem representada pela presença de seus filhos e netos. Uma ode a dias melhores. Ouvi-la, bem como assistir ao clipe, me deu essa sensação positiva.
Sim. Ela tem tudo isso e tem, também, o prazer de reunir pela primeira vez os filhos e netos e uma gravação. A gente sempre faz isso em casa, ou no sitio e tal. Agora reunimos a todos ali, em torno desse projeto para que ficasse registrado a nossa reunião musical pela primeira vez. Eu fiz essa música com o objetivo de trazer otimismo. Achei que cantar com eles foi excelente nessa mensagem. A gravação ficou linda. Uma alegria em fazer. Todos gostaram muito. Foi um momento muito bonito ao final do disco. Eu estou muito feliz com o resultado.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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