Três perguntas: O jornalista e pesquisador Renato Vieira fala sobre o livro que homenageia o produtor Manoel Barenbein

entrevista por Marcelo Costa

No clássico “disco do fardão”, o disco de 1968 de Gilberto Gil, uma frase em tom de galhofa cantada pelo baiano junto com os Mutantes, que o acompanham na faixa, chama a atenção em “Pega a Voga, Cabeludo”: lá pelas tantas, está todo no estúdio gritando no estúdio “Ê, Manoel, para de encher”. Bem, o tal Manoel é Manoel Barenbein, um paranaense que hoje ostenta 80 anos e esteve largamente envolvido com alguns momentos decididamente importantes da música brasileira. Ele é o tema de “O Produtor da Tropicália – Manoel Barenbein e os álbuns de um movimento revolucionário”, do jornalista e pesquisador musical Renato Vieira, atualmente em financiamento coletivo em catarse.me/tropicalia com lançamento previsto pela editora Garota FM Books.

“Foi o Manoel quem convenceu Chico Buarque a gravar cantando”, conta Renato na conversa abaixo. Manoel está por atrás de hinos como “A Banda” e “Roda Viva”, ambos de Chico Buarque, e também “Alegria, Alegria” e “Tropicália”, de Caetano Veloso, “Domingo no Parque” e “Aquele Abraço”, de Gilberto Gil, “Baby” e “Divino, Maravilhoso”, de Gal Costa, “País Tropical” e “Que Pena”, de Jorge Ben e até “Vem Quente Que Eu Estou Fervendo” e “De Noite na Cama”, de Erasmo Carlos (em que, na segunda canção, o parceiro de Roberto solta um “Viva o Mané!” no final da canção) – Jorge Ben também o saúda em “Oba, Lá Vem Ela”, do discaço “Força Bruta”, de 1970: “Está acabando, Manoel, e eu estou de olho nela!”.

“Fico muito feliz de poder falar desses discos que produzi”, diz Manoel Barenbein. “Muito humildemente, eles são históricos. Devo muito aos artistas com quem trabalhei e este livro também é uma forma de agradecer a todos eles”, completa. O livro “O Produtor da Tropicália – Manoel Barenbein e os álbuns de um movimento revolucionário” conta com prefácio de Gilberto Gil (que escreve: “Naquele momento da Tropicália, Manoel era um de nós”) e é uma homenagem ao legado de Barenbein na música brasileira. “Ele sempre gostou de estar nos bastidores”, pontua Renato. “Ele acredita que o holofote tem que ser do artista. Graças à compreensão de Barenbein, esses artistas se sentiram livres para criar. Ele estimulava isso”, completa. Ele conta mais abaixo.

Renato, “O Produtor da Tropicália – Manoel Barenbein e os álbuns de um movimento revolucionário” nasceu de um podcast. Quando você percebeu que aquelas entrevistas rendiam um livro? Imagino que ficaram muitas coisas de fora do podcast, muitas histórias…
Na verdade, eu tinha para o podcast um foco bem estabelecido: relembrar o trabalho que o Manoel fez produzindo os discos tropicalistas e o convívio dele com artistas importantes. Não dava para deixar Chico Buarque de fora, por exemplo, foi o Manoel quem o convenceu a gravar cantando. Então, daquela série original de 9 episódios, todas as histórias relevantes foram mantidas e permanecem no livro. Manoel fez produções para outros artistas, ele foi de Amado Batista a Zimbo Trio, mas o foco do podcast (e por consequência do livro) é o trabalho dele como produtor e diretor artístico da Phonogram, onde ele ficou por quatro anos. O recorte foi bem específico justamente para sermos aprofundados. A ideia de transformar o podcast em livro veio da Chris Fuscaldo, ela me procurou com a proposta e aí topei desde que a gente conseguisse colocar conteúdo exclusivo. Foi o que fizemos: temos entrevistas inéditas de Barenbein sobre Rogério Duprat, Nara Leão, Jair Rodrigues, Claudette Soares, Erasmo Carlos e Ronnie Von

Dos discos que o Manoel Barenbein conversou com você, teve algum que a conversa lhe fez olhar de uma outra maneira para o artista e para o disco?
Ele ressaltou muito o trabalho do Rogério Duprat como arranjador, realmente isso é uma coisa que depois de ouvir de novo os álbuns eu prestei mais atenção. Mas acho que o que mais chama a atenção de tudo que ele me contou são as histórias da gravação dos discos de Caetano e Gil de 1969, em Salvador, na véspera do exílio. Há histórias curiosas e algumas tensas, como quando ele é abordado por agentes da Ditadura Militar que queriam saber se ele era o “responsável pelo evento” de Caetano e Gil. Ele foi pressionado, mas se saiu bem: estava com as pastas com todas as letras liberadas e falou: eu estou autorizado por Brasília.

Além dos trabalhos de pesquisa musical, você já trabalhou nos livros da Wanderléa (“Foi Assim”, de 2017) e no de fotos da Gal Costa (2022), além de ter escrito o “Tempo Feliz: A história da gravadora Forma” (2022) e, agora, o “O Produtor da Tropicália – Manoel Barenbein e os álbuns de um movimento revolucionário”. Como é para você ir tapando essas lacunas históricas que, em muitos momentos, se completam, pois todos estavam frequentando aquele mesmo “espaço/tempo”?
Fazer livro no Brasil exige tempo e paciência. É algo que pra mim é um hobby, é impossível viver disso no Brasil. Mas acredito que, em um país sem memória e num mundo em que cada vez mais tudo é imediatista, recuperar histórias de quem fez a diferença é quase um ato de resistência. Mas cada livro tem sua linguagem: o da Wanderléa era em primeira pessoa (ela falando), o da Gal era uma fotobiografia (a ideia desses dois livros não é minha, apenas fui convidado a me incorporar aos projetos), o da Forma era o livro sobre uma gravadora em que cada disco é um capítulo… acho que quanto mais diversidade de assuntos e linguagem, melhor é para os leitores.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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