Cinema: “Trem-Bala”, com Brad Pitt, diverte, mas cansa ao abusar da fórmula

texto por João Paulo Barreto

Recentemente, um inusitado e brilhante filme chamado “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” (2022) entrou em cartaz. A obra dirigida por Dan Kwan e Daniel Scheinert, apesar do nome indicar uma história que se passava em diversos lugares, na verdade, mesmo apresentando a ideia de realidades paralelas, tinha seu roteiro condicionado a basicamente dois cenários.

As tais realidades (ou múltiplos locais – multiverso, para usar o termo da moda) surgiam de cena em cena através de uma montagem entrecortada e frenética, que levavam o espectador aos vários pontos geográficos nos quais seus personagens (ou suaa cópias) coexistiam. A ideia, ali, era utilizar as diferentes narrativas de modo acelerado, inserindo as subtramas como elementos de uma construção narrativa que engendrava todo o roteiro do filme sem nunca perder sua coesão. Um exercício imaginativo nada simplório que desafiava seu público.

“Trem-Bala” (2022), novo filme do diretor David Leitch, se faz valer de uma ferramenta semelhante. A diferença principal, aqui, é que sua montagem frenética busca se equilibrar sempre em flashbacks, de modo a inserir a cada momento uma explicação oriunda do passado e que venha a justificar uma fala ou atitude de um personagem na trama do tempo presente, que, como diz o título, se passa dentro de um trem em movimento a ligar algumas cidades do Japão.

A comparação entre as duas obras é feita nesse texto sob a justificativa de se observar como a utilização de uma muleta narrativa (no caso, as inserções instantâneas de subtramas) pode, de um mesmo modo, colaborar com uma construção original e bem engendrada de roteiro, ou servir apenas como isso: uma muleta narrativa que após longos 120 minutos terminam por cansar sua audiência. Infelizmente, é justamente essa segunda possibilidade que se concretiza com o novo filme do diretor de “Deadpool 2” (2018) e “Atômica” (2017).

Na trama, Brad Pitt interpreta um suposto ladrão de aluguel em crise de identidade e disposto a mudar suas atitudes sendo alguém mais otimista, buscando por não mais causar mortes em sua atividade profissional. Essa premissa funciona bem justamente por vermos alguém com a presença física e carisma do ator notório por papéis de impacto dramático e na ação em alguns trabalhos, bem como de apelo emocional em outros, ser retirado desse local consolidado (ou zona de conforto) e colocado como alguém a fazer piada de si mesmo.

Em determinado momento de “Trem Bala”, a aparência maltrapilha de Brad Pitt é comparada a de “qualquer pessoa moradora de rua que eu já vi na vida”, frisa o personagem de Brian Tyree Henry, o assassino psicopata que adora citar histórias infantis envolvendo trens e tem o curioso codinome de “Limão”. E é justamente essa possibilidade de voltarmos ao mesmo que os Irmãos Coen fizeram com o galã Pitt em “Queime Depois de Ler” (2008) que torna minimamente atrativa aquela viagem pelos trilhos japoneses.

Há, inegavelmente, um atrativo que vai além do incômodo trazido pelos cortes constantes de subtramas infinitas que são inseridas de maneira a rechear aquele roteiro deveras vazio. Sem ele, por sinal, o filme seria apenas uma viagem de trem na qual o roteirista estreante em longas, Zak Olkewicz, adaptando o livro de Kôtarô Isaka, precisaria se esforçar para captar a atenção de sua audiência criando entre um vagão e outro uma história diferente a ser contrabalanceada com mais um flashback.

Tal atrativo está justamente no impacto visual que toda previsível destruição que um trem desgovernado poderá causar, e em como Leitch, que já havia mostrado suas credenciais nessa competência em “Deadpool 2”, construirá esse aspecto de seu filme.

Neste ponto, o roteiro de um ladrão sortudo que se depara com dois assassinos de aluguel cuja psicopatia só não é maior que as tiradas rápidas de ironia e sarcasmo, ingredientes obrigatórios aqui, se torna uma obra que, mesmo podendo ter sido meia hora mais curta, não falha em divertir seu público, ainda que acabe cansando o público ao abusar de uma fórmula. Na dúvida, veja se “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” ainda está em cartaz e troque o duvidoso pelo certo.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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