O Ben para todo mal: semana 1 em São Paulo com Marcelo Costa, Viviana Torrico, Henrike Baliú, Flávia Biggs e Daniel Ete

por Homero Pivotto Jr.

“Hei, São Paulo, terra de arranha-céu”, cantou Mano Brown na clássica ‘Nego Drama’, dos Racionais MCs. Como fã do grupo, é difícil não lembrar desse verso ao circular pela terra da garoa e perceber a quantidade de edifícios e o quão altos são. E, mais interessante, é constatar que, mesmo na rotina atribulada da selva de pedra, resistem pessoas dispostas a acolher e trocar vivências. Durante a primeira semana gravando entrevistas na capital paulista para a nova temporada d’O Ben para todo mal, que será exibida na Music Box Brazil, tivemos uma experiência bastante receptiva. Talvez Criolo tenha se equivocado ao afirmar que “não existe amor em SP”.

Nosso primeiro anfitrião foi o pai do Martín (quase 4  anos), o queridão Marcelo Costa, que, antes do rebento biológico, criou o Scream & Yell, uma espécie de filho para o jornalista. Mac nos recebeu em casa com tratamento fraterno para falar sobre o amor pelo filhote e pelos sons. O acervo considerável de CDs na estante da sala – móvel projetado pela esposa, a arquiteta Lili Callegari, para acomodar as mídias físicas – demonstra que a música ocupa espaço cativo na vida dele. Foi nesse cômodo da residência, entre alguns goles de cerveja, que Marcelo nos contou como a música o conquistou, o contexto familiar que isso envolveu e como é dividir o amor entre o filho e o gosto pela música.

“A música me abriu caminhos que eu não teria seguido de outras maneiras, ainda que ela tenha sido aliada ao jornalismo, que foi o que me trouxe a São Paulo. Como dá para observar, ela ocupa um espaço imenso na minha vida (aponta para os discos). Quando o Martín surge é um choque. Eu sempre quis, mas não fazia ideia de o que é ser pai. E hoje ele (Martín) é muito mais importante do que a música, e não sei se eu estava pronto para isso”, reflete Marcelo.

Marcelo Costa

Também conversamos com Viviana Torrico, mãe dos hoje adolescentes Victoria (18) e Pietro (16). Vivi desenvolve, ainda, outra atividade pela qual nutre carinho quase maternal: o Solidariedade Vegan, projeto para auxiliar população em situação de rua. Professora de formação, ela já foi jornalista musical e atuou em gravadoras. No papo, que rolou na Matilha Cultural – locação escolhida pela própria entrevistada -, abordamos tópicos que vão de como a família pode influenciar o gosto musical ao bullying, passando ainda por ativismo, lições que as crianças podem ensinar, Queen e satisfação de ver os pequenos se tornando grandes seres humanos.

“Uma das coisas que me irrita muito é mentira. Eu prefiro que seja cabulosa, mas que seja a verdade. E eles sabem disso. Minha filha queria uma tatuagem que eu não gostei. Falei: ‘não gosto, não quero que faça’. E ela perguntou: ‘se eu fizer, vai mudar nossa relação, mãe?’. Não, não vai!’, conta Vivi, esposa do vocalista João Gordo.

Viviana Torrico

A terceira gravação foi com Henrike Baliú, pai do Pedro (25), do Paulo (19) e do Felipe (5). O vocalista do Blind Pigs e da Armada nos recebeu na própria casa, em Santana da Parnaíba, onde vive com a atual companheira e mãe do caçula, Paola Zambianchi. Contente em falar sobre as ligações possíveis entre família e música, o filho do comandante Paulo Afonso nos ofereceu ótimas histórias. Entre elas, assistir quatro shows do Ramones com o coroa, a paixão por vinis herdada do pai e ser surpreendido pelo filho mais velho em pleno palco para cantarem junto.

“Depois de cinco anos parado, o Blind Pigs voltou e ia fazer um show no Cine Jóia, casa de show fudida. Lotado, melhor show da minha vida! Mas não por que estava cheio ou pelo fato de não tocar com a banda há um tempo. É que a apresentação estava rolando e tal, de repente vejo alguém me puxando, no palco, e quando eu olho é o Pedro. Dei o microfone pra ele e o moleque foi para a frente do palco. Eu só fiquei olhando e pensando “noooossaaaaaaaaa”, recorda Henrike, visivelmente emocionado.

Henrike Baliú

Quem também topou nos agraciar com suas experiências foi Flávia Biggs, mãe do pequeno Gael (2 anos e 8 meses), socióloga, educadora, produtora cultural, responsável por criar o Girls Rock Camp no Brasil e musicista – guitarrista e vocalista do The Biggs e ex-integrante do Dominatrix. Trocamos uma ideia antes de ela mandar brasa em um show na Cecilia Cultural, reduto fomentador da cultura alternativa em SP. Música como forma de expressão para ideias e ideais em busca de um mundo com mais equidade, como a arte sonora ajuda a criar identidade própria e as dificuldades de educar um filho sensível em uma sociedade machista estiveram na pauta.

“Minha vida é voltada para o empoderamento feminino. Descobri que ter um menino é um desafio. Porque é um momento para eu pensar também que o afeto precisa ser desenvolvido neles. Os meninos são privados de muitas coisas, são podados de outras formas de pensar. A opressão de gênero afeta todo mundo, inclusive os homens. Menino não pode chorar, não pode expressar o que sente. Precisamos ficar atentos para não reproduzir preconceitos”, observa Flávia.

Flávia Biggs com a equipe d’O Ben para todo mal

Fechamos a semana em Campinas, com o pai da Teodora, o músico e ilustrador Daniel Ete. O baixista e vocalista de bandas como Drakula (ex-Muzzarelas) relatou como é ser um artista independente que ganha a vida desenhando “bicho feio”, destacou o apoio da esposa Wal para poder trampar com arte e lembrou de alguns sacrifícios paternos (ele fechou uma loja de discos que tinha para passar mais tempo com a filha). A conversa foi registrada na entrada do prédio onde Ete mora, com direito a vizinhos indo e vindo, alguns brincando com ele: “tinha de ser o artista”.

“Eu quis muito ser pai, principalmente de menina. Tinha medo de ser pai de menino porque fui meio que um anticristo júnior. Eu tinha receio de passar o que meus pais passaram. A Teo é muito tranquila. Mas são épocas diferentes. Fui criado no tempo da ditadura, tinha uma raiva ali. O diálogo que temos com ela hoje é muito maior do que aquele que tive com meus pais. Falamos sobre tudo, assistimos muita coisa juntos. Acho que já menti pra todo mundo, menos pra minha filha”, reflete Ete.

Segue o baile. “Caprichado” (piada interna)!

Daniel Ete

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.