Literatura: Jornalista escocês revela grandes histórias em “México 70: A mais bela Copa do Mundo contada por seus protagonistas”

texto por Daniel Abreu

A 26ª edição da Copa do Mundo de futebol masculino ocorre nesse ano no Catar entre os dias 21 de novembro e 18 de dezembro, portanto estamos às vésperas do maior espetáculo da Terra. Aproveitando a oportunidade, a Editora Grande Área recentemente lançou em português a última obra do jornalista escocês Andrew Downie, “México 70: A mais bela Copa do Mundo contada por seus protagonistas” (no original, “The Greatest Show on Earth: The Inside Story of the Legendary 1970 World Cup”, lançada em 2021). Como o título já entrega, o livro trata da edição que ocorreu no México em 1970, uma das mais importantes da história, que reuniu diversas novidades, além de ter consagrado o Brasil de Pelé e companhia como um dos maiores times de todos os tempos. Além disso, o livro é uma história oral, portanto é contada pelos próprios jogadores que atuaram naquela edição, o que torna o projeto ainda mais especial.

Com cerca de 350 páginas, o livro reúne diversos aspectos importantes daquela Copa, um deles sendo a preparação das seleções para a competição. Considerado como um fator chave para o sucesso de uma seleção dentro do evento, no final dos anos 1960 alguns países tratavam essa questão ainda de forma bem amadora e pagaram caro no México. Uma dessas seleções foi a Bulgária. O zagueiro Dimitar Penev conta que os membros do governo soviético, responsáveis pelo time no torneio, decidiram limitar o acesso de água dos jogadores. “A gente recebia um copo de 200 ml de água no café da manhã, depois outro do mesmo tamanho no almoço e um terceiro na hora do jantar. Isso enquanto treinávamos sob o sol escaldante”, relata ele no livro. Obviamente que a ideia não deu muito certo e a equipe búlgara foi eliminada na primeira fase, terminando a sua participação na Copa com apenas um ponto dos nove disputados. “No fundo, sabíamos que esses métodos de treinamento prejudicariam nossa equipe, mas não havia o que fazer. Não demorou para que ficássemos absolutamente sem energia. Era uma situação ridícula – você tentava fazer seu corpo reagir, mas ele simplesmente ignorava os comandos do seu cérebro. Estávamos exaustos”, concluiu Penev.

Porém, ao contrário de algumas seleções, Andrew conta no livro que o Brasil se preparou muito bem para o torneio, com um cronograma de treinos baseado praticamente nos testes aeróbicos que a Nasa aplicava em astronautas. O capitão do time, o lateral Carlos Alberto, conta que a CBD (atual CBF) levou os jogadores para treinar na altitude um mês antes do campeonato para eles se aclimatarem. “Saímos do Brasil quarenta dias antes do início da Copa, passamos alguns dias em Guadalajara, não muitos, e depois para Guanajuato e Irapuato, cada lugar um pouco mais alto que o anterior. Aí quando voltamos para Guadalajara, ficamos dez, doze, quinze dias por lá para as partidas da primeira fase e, depois disso, para as quartas e a semifinal. E a gente tinha pulmão para isso tudo. Estávamos em ótima forma”, lembra o Capita. Já o técnico da seleção, Zagallo, aponta no livro que por conta dessa preparação física o Brasil conseguiu vencer a maior parte dos jogos no segundo tempo.

Outro ponto bem legal que Andrew trata no livro é a respeito dos famosos gols que Pelé não fez em sua última Copa do Mundo. Um desses lances famosos aconteceu contra a Inglaterra na primeira fase do torneio. Campeão mundial em 1966, o escrete inglês era um dos favoritos para o torneio e o jogo contra o Brasil reunia os campeões das últimas três Copas do Mundo, portanto uma das partidas mais esperadas da edição. Aos dez minutos da partida, Jairzinho cruzou uma bola na área do time inglês e Pelé subiu mais alto que os zagueiros e cabeceou a bola no chão, obrigando o goleiro Gordon Banks a fazer uma defesa fantástica que entrou para a história do futebol. Banks conta no livro que tinha visto os goleiros mexicanos e sul-americanos usarem um tipo de luva diferente e resolveu experimentar na partida contra o Brasil. “Eram maiores que as dos britânicos, com palmas cobertas por uma borracha furadinha. Tinha ficado tão impressionado com essa inovação que comprei dois pares. Esses pequenos furinhos na borracha ajudavam: a bola que veio quicando, não desviou imediatamente da minha mão e assim consegui mandá-la para mais alto,” relembra o goleiro. Pelé, por sua vez, afirma no livro que essa foi a defesa mais difícil da Copa do Mundo, uma cabeçada difícil e surpreendente, no cantinho do goleiro. “O mergulho do goleiro foi instantâneo e eficiente”, declara o Rei.

Mas talvez o grande mérito do livro sejam as histórias por trás dos jogos desse torneio. Como o livro traz relatos de cada uma das 32 partidas do torneio, existem algumas histórias que são ótimas, principalmente levando em conta que elas ocorreram há mais de 50 anos atrás, numa época muito diferente da atual. Uma delas ocorreu no confronto entre Alemanha Ocidental e Inglaterra pelas quartas de finais. Perdendo por dois gols de diferença, o time alemão conseguiu empatar a partida aos 37 minutos do segundo tempo e virar o placar na prorrogação, para desespero dos atuais campeões. Por conta de uma intoxicação alimentar antes do jogo, um dos principais astros do time inglês, o goleiro Gordon Banks, teve que acompanhar o jogo pela televisão no seu quarto de hotel.

Andrew conta no livro que, para impulsionar a venda dos ingressos da Copa do Mundo, alguns jogos eram transmitidos uma hora depois de terem começado. Portanto Banks ainda estava assistindo a vitória da Inglaterra quando seus companheiros de time voltaram para o hotel. “Cerca de 25 minutos depois, a porta do meu quarto se abriu e o Bobby Moore, o Brian Labone, o Alan Mullery e o Alan Ball entraram. Estavam com rostos sombrios, mas eu não ia cair na piada deles. Afinal, na televisão, ainda estávamos dois gols a frente”, conta ele. A ficha de Banks só caiu quando Bobby Charlton entrou no quarto com lágrimas no rosto. “Não assisti ao restante da transmissão, nem os melhores momentos editados que eram exibidos no final do dia. Simplesmente não consegui me sentar para assistir. Até hoje ainda não vi a partida inteira,” relembra o goleiro inglês.

Além disso, Andrew fala do jogo do século (Alemanha x Itália), do legado que a seleção brasileira deixou no futebol após a conquista do seu terceiro título em Copas do Mundo, as polêmicas de arbitragem, a participação fenomenal do rei do futebol no torneio, entre outras tantas histórias do maior espetáculo que o futebol já concebeu. Um livro imperdível não apenas para os amantes do futebol e do esporte em geral, mas para todos que gostam de boas histórias, contadas principalmente pelos próprios protagonistas.

– Daniel Abreu é jornalista responsável pelo Geleia Mecânica e colaborador do Scream & Yell e do Whiplash.

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