Entrevista: Dolores Fantasma e o pop desafiador de “DF2”, o segundo disco

entrevista por Leonardo Vinhas 

Dolores Fantasma é Olavo Rocha e Pedro Canales. É uma banda que, por ora, só existe em estúdio. É uma banda que, desde o primeiro momento, desafia o ouvinte com canções pop. E é uma banda que pouca gente conhece e poucos irão conhecer, mas não é isso que irá pará-los.

Olavo e Pedro são pai e filho, e são também integrantes do Gianoukas Papoulas, uma banda que alguns chamariam de power pop, outros de indie, e outros até de rock. Rock decididamente se aplica ao Lestics, outra banda de Olavo, mas jamais rock naquele sentido caricato que, tristemente, parece estar se tornando a percepção majoritária do gênero – por culpa do próprio gênero, diga-se.

O Dolores Fantasma nasceu como um projeto de estúdio que, em seu primeiro lançamento, “Voto de Silêncio/Horror Vacui”, abraçou diversos convidados, pinçados entre o universo de músicos admirados por Olavo Rocha. Thomas Pappon (Fellini, 3 Hombres, The Gilbertos, Voluntários da Pátria, Smack e talvez alguma outra que eu esqueci), Loop B (um dos precursores da música eletrônica autoral no Brasil), Rubinho Troll (Sexo Explícito) e Ivan Santos (OAEOZ, Hotel Avenida, IMOF, SAM&C), além dos parceiros de longa data (e igualmente admirados) Umberto Serpieri, Marcelo Patu (ambos do Lestics) e Luiz Miranda (Gianoukas Papoulas).

Já esse segundo, “DF2” (Bandcamp / Spotify), é apenas Olavo nas vozes e Pedro tocando todos os instrumentos. Salvo pela participação do baterista Felipe Rezende em três faixas, é tudo concentrado nos dois. E mais: são 13 faixas em 14 minutos. Mas não, não é o disco punk rock hardcore do duo. Ao contrário, é ainda mais delicado e agridoce que o álbum anterior. É, como já se escreveu no primeiro parágrafo, pop. Pop breve, direto, por vezes contundente, e até bem-humorado.

Porém, não é o pop mainstream. Se o primeiro trazia melodias envolventes para emoldurar um disco entristecido e denso, esse segundo é solar, ainda que de maneiras tortas. E claro, a presença do sol não quer dizer que as sombras desaparecem. Estão apenas melhor dosadas com outros tons de azul e verde. E passando tão rápido como uma nuvem de chuva em seus breves 14 minutos.

Essa brevidade instiga a ouvir e reouvir o disco, mas também atiça a curiosidade de quem pensa na música para além do que soa nos ouvidos. O que levou a buscar essa síntese? É esse o ponto de partida para a conversa que o Scream & Yell teve, via e-mail, com a banda.

Não se chega a 13 canções em 14 minutos sem um esforço consciente, acompanhado de muito trabalho para depurar as composições ao essencial. Por que essa busca tão consciente e laboriosa pela brevidade? O release adianta um pouco a resposta, mas gostaria que você falasse um pouco mais sobre.
Olavo: Da minha parte, eu costumo dizer que o tempo é a minha Moby Dick. Se for reparar, é um tema recorrente nas minhas letras. E à medida que eu vou ficando mais velho, essa perseguição tragicômica (a gente já sabe quem vai pegar quem) me intriga ainda mais. O jeito como a gente “aproveita” ou “desperdiça” o nosso tempo, a dissonância entre a velocidade do mundo e a velocidade da vida, a exigência cada vez maior por respostas rápidas e breves – eu acho que essas coisas merecem alguma reflexão. O conceito do disco começou por aí, mas a ideia não era abordar essas questões nas letras. A gente queria esmiuçar o tema na própria estrutura das canções. Um primeiro impulso podia até nos levar a andar na contramão, fazendo músicas super longas, abusando dos silêncios etc. Mas a gente preferiu abraçar a lógica TikTok antes de subvertê-la, fazendo um disco só de canções muito curtinhas. Porque no fim das contas, a subversão seria inevitável. Ela fica por conta do tipo de música que a gente faz mesmo, que não se encaixa nos padrões mais populares do momento, apesar de ser pop.

Me chama muito a atenção quando você canta que, “se tudo acontece ao mesmo tempo / nada sobra pra depois”. Parece uma síntese desses tempos de urgência consumista e consumidora. Como resistir a essa simultaneidade esgotadora?
Olavo: Meus lugares de resistência são as pessoas que eu amo e a música. São os espaços onde eu respiro, onde o tempo pode acertar o passo, por assim dizer. Mas com muita frequência eu me sinto completamente esgotado. Acho que é um fenômeno muito amplo, uma espécie de fatalismo coletivo, uma sensação disseminada de inevitabilidade do desastre. Como se a gente estivesse em rota de colisão e acelerando cada vez mais. Torço pra que isso passe, espero realmente que passe.

Queria aproveitar e perguntar que tipo de ouvinte você se tornou. Você sempre foi uma pessoa que ouvia muita música, com apreço aos álbuns e à audição atenta, dedicada. Em meio a tanta dispersão, você ainda ouve música da mesma forma?
Olavo: Sim, eu ainda tenho o costume de ouvir discos inteiros. Quase todo dia eu faço um percurso longo pra ir e voltar do trabalho, aí eu aproveito pra ouvir CDs (quando estou de carro) ou descobrir coisas novas no streaming (quando pego o trem). Nessas eu já desenterrei uns CDs muito legais que eu tinha há anos e mal tinha ouvido.

Ouvindo o álbum pronto, você não tem nenhuma sensação de algum potencial não-aproveitado? Pergunto isso porque várias das composições sugerem possibilidades que poderiam ter sido exploradas, estendidas.
Olavo: Sendo bem honesto, acho que não. Não tenho a sensação de que qualquer daquelas músicas tenha sido mutilada ou deixada incompleta. Falo isso pensando no resultado do disco, no modo como as músicas se sucedem e funcionam naquele contexto. Mas espera, que eu vou completar essa resposta aproveitando a próxima pergunta.

Pedro: Também acho que não, haha. Até porque no processo a gente se aproximou das composições de uma forma diferente – os nossos recursos e ferramentas familiares, que costumam ser eficientes em formas mais tradicionais, não necessariamente funcionam pras mini-canções. Isso significa que tivemos que apostar em outras ideias, e explorar novos caminhos pra conseguir resultados interessantes e coesos dentro dessa estética.

Sendo um duo e tão dedicado ao trabalho no estúdio, existe espaço para Dolores Fantasma nos palcos?
Olavo: Apesar de não ser muito simples de fazer acontecer, a gente adoraria tocar ao vivo. Inclusive pra experimentar umas versões estendidas das músicas do DF2, trabalhar com improviso, dar umas despirocadas, reler as músicas do primeiro disco… Enfim, seria (ou será) muito divertido. A gente até já planejou como fazer isso, mas por ora não vai rolar. O Pedro tá viajando, e vai ficar fora um tempo. Quando ele voltar, pode ser que a Dolores afinal suba ao palco.

Pedro: Como na minha resposta anterior, acho que é só uma questão de entendermos como adaptar o nosso modus operandi pra um novo contexto. Fazer concessões, entender o que funciona e o que não funciona ao vivo, e tentar explorar ao máximo o potencial das composições nesse formato (que nos abre um montão de possibilidades!)

O Dolores Fantasma nasceu como um projeto paralelo e familiar (no sentido de ser algo centrado em você e no Pedro). Hoje, com o aparente hiato dos Lestics e dos Gianoukas, ele se tornou o principal?
Olavo: Apesar de rolar um trancetê de músicos entre as três bandas, eu acho que cada uma delas tem uma pegada bem diferente. O Lestics não é a mais antiga, mas é a mais prolífica e a que se mantém em atividade mais constante: a gente já lançou vários singles, oito discos, e o nono álbum está em processo de gestação. Os Gianoukas Papoulas são o meu berço, a minha origem, uma banda que produziu relativamente pouco mas tem muuuita história, e que a qualquer momento pode tirar algum novo projeto da cartola. Já a Dolores Fantasma a gente começou chamando de projeto, mas agora eu chamo de banda mesmo – com dois discos, já dá pra lançar essa cartada. No que depender de mim, a gente ainda faz um monte de discos e shows.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) é produtor e assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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