Entrevista: Francisco, El Hombre abre as portas de sua casa

entrevista por Bruno Lisboa

Com quase 10 anos de estrada, a serem completados em 2023, a Francisco, El Hombre segue sendo uma das bandas mais incendiárias ao vivo do cenário nacional. Por isso, não estranha que eles sejam um nome disputado por festivais (o Scream & Yell tem resenhas de seis festivais diferentes em que a Francisco tocou nos últimos anos). No caldeirão sonoro proposto pela banda, a latinidade convive em plena harmonia com a estética punk numa elogiada discografia em que constam três EPs e três álbuns. O trabalho mais recente é “Casa Francisco”, lançado em outubro de 2021 (e presente na lista de 50 melhores álbuns do ano passado para a APCA).

Da primeira entrevista que eles deram ao Scream & Yell em 2016, falando sobre o então álbum de estreia, “Soltasbruxa”, só o baixista Rafael Gomes não está mais presente no grupo, sendo substituído por Helena Papini em 2020. Seguem em frente os irmãos mexicanos Sebastián (vocal, percussão e violão) e Mateo Piracés-Ugarte (vocal e violão), o guitarrista Andrei Martinez Kozyreff e a vocalista e percussionista Juliana Strassacapa, formando um quinteto cuja verdade maior acontece no palco, em perfeita comunhão com o público.

Para manter o contato com esse público em tempos pandêmicos de isolamento e sem aglomeração (duas coisas impossíveis de acontecer num show do grupo), o processo de gravação de “Casa Francisco” foi exibido em formato de reality show e está disponível no canal do Youtube da banda. O recém-lançado clipe para faixa “Ocê” condensa parte da experiência de um trabalho que soa como contraponto ao que é peculiar ao quinteto, pois aposta numa sonoridade mais introspectiva. “Casa Francisco” conta com as participações especiais de artistas como Céu, Rubel, Dona Onete, Josyara e La Pegatina.

Na entrevista abaixo, realizada por e-mail, Mateo Piracés-Ugarte fala sobre o processo de gravação de “Casa Francisco”, explica a aposta em novas roupagens sonoras, reflete a força das apresentações ao vivo do grupo, a aproximação (cultural e o geográfica) com a América Latina, o time diversificado de parcerias, a importância do engajamento político pela classe artística, planos futuros e muito mais. Leia abaixo!

Primeiramente, gostaria perguntar a vocês como estão as coisas? Como tem enfrentado este cenário pandêmico, aparentemente infindável? Quais foram os principais desafios de gravar um disco neste período?
Muito obrigado por perguntar 🙂 Estamos bem de saúde, tanto a banda como a equipe, então estamos agradecides por isso. Acho que o mais difícil de gravar nesse período são as distâncias. Somos uma banda muito estradeira e era nas tours que testávamos músicas novas diretamente com o público. Elas se moldavam nessas apresentações e então já íamos pro estúdio com uma sensação diferente delas. A gente também se encontrava muito para ir entendendo a nova fase que um disco apresenta, sempre alinhando nossas vontades como banda. Nessa distância pandêmica há um eterno esforço de aproximação entre a banda, entre a equipe, entre o público. Isso tudo gera uma dificuldade. Mas na hora que nos encontramos pras imersões de criação, arranjo e gravação, tudo parecis que era fantasia. Como se a distância passasse num piscar de olhos.

Vocês lançaram ano passado “Casa Francisco”, álbum em que, ao meu ver, vocês desaceleraram a catarse sonora habitual em prol de uma sonoridade, em parte, mais introspectiva. Os tempos de reclusão impostos pela pandemia foram cruciais para esta guinada? E como tem sido a receptividade deste novo material?
A nossa música espelha nossa realidade. Ela tem um poder de adaptação, para ser tocada de acordo com o lugar, rotina, público. Quando começamos a compor esse disco nos vimos imersos numa casinha, isolades, todes dormindo juntes, passando o dia todo cozinhando, conversando, tocando juntes. Pareceu muito uma volta às nossas origens: nós 5 tocando violão e mostrando canções. Acabou que o disco tomou essa sonoridade para si. É o disco daquela Francisco que mora e come junto numa casinha. A recepção tem sido interessante. Parece que o público ficou mais íntimo à nós. E teve muita gente que gostou do resgate que fizemos às nossas raízes sonoras. Também se deve ao fato que fizemos um reality show próprio para lançar o disco, o “Casa Francisco”. Nesse programa pudemos mostrar muito das individualidades e pormenores que nunca pudemos mostrar sobre a banda. Então parece que a intimidade com o público cresceu.

A banda tem como forte elemento a presença de palco que, aliás, já foi testada e aprovada em diversos palcos do país. Primeiramente, gostaria de saber como construíram esta poderosa relação com o público? E ainda: como vocês tem lidado com esse período de incertezas relacionado a volta aos palcos?
A relação da banda com o público durante o show é fruto de começarmos tocando nas ruas. Para passar o chapéu como músico de rua é necessário você criar uma conexão com o público. É necessário cativar, comover, comunicar. A gente sempre acreditou que o momento do show é um momento de criar uma vivência única e impossível de repetir com o público. Cada show é um. Uma vez que essa é a premissa, tudo fica leve, brincalhão, divertido. Então a interação é parte do que a gente sente que é gostoso de um show. É necessário para nós também. Nos shows que fizemos ano passado, ao subir nos palcos me deu uma dúvida sobre como interagir. Isso porque eu (Mateo) pessoalmente gosto de descer pra galera, fazer roda, me meter na muvuca. Sempre gostamos de fazer as pessoas se misturarem entre si e agora não é recomendado. Mas rapidamente fomos encontrando outras maneiras de brincar com o público. Demos a volta por cima nisso. O que realmente é estranho é não poder descer do palco depois do show para dar um abraço em quem foi no show. Eu sempre valorizei esse momento de total horizontalidade entre quem estava no palco e quem veio assistir.

Voltando a falar do novo disco, a latinidade sonora, já presente antes, agora ganhou contornos de protagonismo. A que se deve tal escolha?
Nós temos um funcionamento parecido ao de uma esponja: por onde fomos passando nas turnês fomos absorvendo música, ritmos, gêneros e temáticas. A graça de estar em turnê não é ir mostrar nossa música, se não poder fazer uma troca. A gente absorve e a gente mostra o que fazemos. Como rodamos muito pelo continente latino-americano, essa mistura de ritmos latinos é algo muito intrínseco à nossa levada natural.
Se nós nos dedicamos a fazer o “Disco Mais Francisco de Todos”, deixamos os arranjos e levadas vir naturalmente e essa mistura rítmica saiu. Não foi algo pensado, mas sim foi o não-pensado que deixou essa latinidade ressurgir naturalmente.

Aliás, esta conexão latina se dá não só de forma musical como também geográfica. Nesse sentido qual a importância de se estabelecer e fortalecer conexões com os nossos países vizinhos?
O imperialismo cultural força pelas nossas gargantas que devemos sempre consumir música e produções artísticas vindas do norte, da Europa, dos EUA, etc.. isso é algo que rola há tanto tempo que se incrustou como “normal” dentro das nossas vidas. Mas a verdadeira fortaleza das culturas latino-americanas está em saber se valorizar. Temos uma matéria prima artística, temos os meios de produção artísticos, temos público, temos festas, temos temas, temos novidades. E por que se conectar com nossos países vizinhos? Porque todas as culturas desse continente passam por essa mesma situação. Se fortalecermos a troca musical dentro do nosso continente, mais fortalecides somos frente ao cenário mundial. Isso vai pra cultura mas também vai pra sociedade. Já vimos a potência que a latinoamerica pode ser quando se cultivam as relações e trocas internas, então temos que cultivar isso dentro de cada instância que nos toca.

“Casa Francisco” conta com participações especiais de artistas como Céu, Rubel, Dona Onete, Josyara e La Pegatina. Com um time diversificado como este, como se deu a seleção? Quais as afinidades foram cruciais para a formalização destas parcerias?
Primeiro nós gravamos as músicas inteiras, como se não tivessem participação. Fizemos elas soarem prontas, completas. Mas sentimos que seria gostoso ter outras pessoas cantando conosco, como se as convidássemos a nossa casa. Então a gente foi ouvindo de uma em uma pensando com que amizade nossa cada música tem a ver. Meio que deixamos a música escolher quem convidaríamos! E, honestamente, achamos que deu super certo. Cada participação agregou muuuuito em cada canção. Parece até que as canções eram das participações! Em alguns casos preferimos dar os principais versos para essas amizades, pra deixar a música ainda mais delas.

Para além do disco, como você já disse, teve um reality show próprio para se manterem conectados ao público. Em tempos nos quais se discute questões ligadas à exposição midiática, como foi a experiência desta atividade? E como ela se reflete no registro audiovisual de “Ocê”?
Normalmente o público se aproxima de ume artista a partir de suas músicas, do recorte das redes sociais ou pelos shows. Mas fica faltando mostrar muito do que somos, tudo aquilo são somente recortes daquilo que é a história de banda, de cada disco, de cada significado que nos levou a criar as canções, shows e vídeos que fizemos. Nesse reality pudemos realmente deixar as origens, significados, histórias. Deu para falar da totalidade que consideramos a banda e não somente um disco, uma fase, um clipe, etc.. O que a gente vê no clipe de “Ocê” são justamente todas as coisas que fazem uma banda ser melhor amiga, tudo aquilo que fazemos quando estamos juntes. Não somente é trabalhar, compor, tocar, etc.. a gente se diverte MUITO. A gente faz isso porque nos divertimos muito no processo. É isso que o clipe registra. 🙂

Saindo do universo do novo álbum, a primeira vez que conheci o trabalho de vocês foi através da versão de “Triste, Louca ou Má” com a Maria Gadú, presente no disco “Acorda Amor“. A faixa (que foi indicada ao Grammy Latino na versão da própria Franciso), aliás, é a predileta de grande parte dos ouvintes. Qual o significado dessa canção para vocês? Imaginavam que ela teria tamanha repercussão?
Nós nunca imaginamos que nenhuma música nossa teria uma repercussão como essa. A gente faz canções sobre nossas ideias em relação ao mundo. Primeiro compartilhamos entre nós, trabalhamos ela juntes e então lançamos ao mundo. Nunca se espera que realmente tanta gente vá se conectar à uma ideia assim. Mas ela veio pra nos mostrar o poder que uma canção tem de derrubar fronteiras, idiomas e gêneros musicais quando ela é carregada por uma ideia. Hoje temos uma reflexão que “Triste, Louca ou Má” caminhou muito por si só, sem a gente estar divulgando, trabalhando, ou inclusive sem estar junto a ela. A canção é maior que a banda, é maior que nós. Isso é lindo, porque uma ideia é atemporal.

Politicamente falando, para além da música, vocês têm usado as redes sociais para demarcar muito bem de que lado estão participando, inclusive, de diversas ações de cunho social. Em tempos de polarização e omissão de muitos da classe artística, qual a importância de se posicionar e de colocar em prática o trabalho de base voltado às minorias?
A gente não tem opção, não existe mais ficar em cima do muro. Estamos num momento em que tentar ficar em cima do muro já é uma posição. Quem está se omitindo está deixando muito claro sua opinião sobre o momento que vivemos. A cultura foi sucateada em todas as instâncias. Precisamos lutar e reconstruir muito do que foi destruído, senão não haverá como viver de música mais. Tudo isso faz parte de uma pauta maior, um planejamento de sociedade que não pode deixar ninguém de fora.

Por fim, quais são os planos futuros?
Por enquanto é rodar tocando as músicas do “Casa Francisco”, rever nosso público, rever nossas amizades, construir novas vivências únicas nos shows. Tamo afim de tocaaaar.

– Bruno Lisboa  é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Azevedo Lobo.

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