Faixa a faixa: “Stand-Up Drama”, Feito Café

introdução por Marcelo Costa
faixa a faixa por Hugo Oliveira (Feito Café)

Depois de um EP e uma série de singles, o duo Feito Café chegou enfim ao primeiro álbum cheio, “Stand-Up Drama” (2021), disco financiado pela Lei Aldir Blanc e lançado em maio, tendo sido precedido pelo single / clipe “Parece”, “um rock pop ensolarado que conta com o pedal steel maravilhoso de Rick Ferreira”, conta Hugo Ferreira, violão, voz e percussão do duo, que traz ainda Letícia Pacheco na voz e percussão.

A praia da dupla é o indie folk agridoce com acenos agradáveis à MPB. Tematicamente, “Stand-Up Drama” debate as dualidades e altos e baixos da vida contemporânea. “Apesar de não ser um disco absolutamente conceitual, as músicas acabam conversando entre si, tratando de sentimentos e emoções comuns a todos aqueles que, mesmo com as porradas e obstáculos que aparecem, precisam ficar plenos, em pé, no palco da vida”, conta Hugo.

Com sete anos de estrada, o duo já sente à vontade para inserir naipe de metais em algumas canções, acordeon, tanto quanto contar com o apoio de uma lenda do rock brasileiro em duas faixas: o guitarrista Rick Ferreira começou a acompanhar Raul Seixas no álbum “Gita” (1974) e ficou ao lado de Raul (em shows e discos) por toda a vida até “A Panela do Diabo” (1989). Especialmente para o Scream & Yell, Hugo fala de “Stand-Up Drama” faixa a faixa.

01 – Stand-Up Drama – (Hugo Oliveira)
A música que dá nome ao álbum começa comigo e com Letícia deitados, sonhando acordados antes de dormir. É sobre querer viver daquilo que se ama, independente da torcida contra, entendendo que a dor e a delícia da escolha não são opcionais. Contém a frase chave do disco: “não subestime o que te faz feliz / mesmo se isso for na contramão / em todo caso tenha um plano B, C, D, E até o Z por pura precaução”. Pensei num clima meio circense, com uma introdução nos moldes de “Denmark Street”, dos Kinks. De qualquer forma, também aponta pra algo do tipo “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, pelo lance dos metais e por abrir o disco e finalizá-lo.

02 – A vida é… (Longa despedida) – (Hugo Oliveira / Cecel Alves)
Nossa “tentativa de Arcade Fire”. Voz, violão, guitarras, baixo, bateria, teclados, metais e cordas, numa música de estrutura simples, criada em parceria com o músico Cecel Alves, também de Angra dos Reis. Cecel, que chegou a tocar com a gente no começo do Feito Café, chegou num dos ensaios falando que queria criar uma canção que falasse sobre a perda da pureza, dos brinquedos abandonados no fundo do quintal. Juntei um trecho de letra que já havia escrito, peguei a ideia que ele sugeriu e completei a parte textual – juntos, criamos a música. É uma música sobre o desafio diário da vida, sobre crescer e, por conta das porradas constantes, não se reconhecer mais.

03 – Num dia como outro qualquer – (Hugo Oliveira)
É uma historinha de alguém que larga tudo, que se livra de todo e qualquer grilhão da sociedade para descobrir o real sentido da vida. Acho emocionante, ingênuo e perigoso. É aquele lance do “Into The Wild”, mas aqui, com um final diferente. Falando da sonoridade, é um folk rock acelerado, bem na pegada da versão do The Lumineers para “Subterranean Homesick Blues”, do Dylan. Adoro o registro de voz da Letícia nessa, cantando a história com senso de drama, com o clima certo para cada trecho.

04 – Terra do Nunca – (Hugo Oliveira)
É uma música sobre a passagem do tempo, muito significativa para mim, muito pessoal. Sobre eu e meus amigos nos anos 90, principalmente os amigos que fiz na minha primeira banda, Malkavianos. Terminávamos de ensaiar e ficávamos imaginando como seria a vida sem aquela banda… E todo mundo balançava a cabeça, numa expressão “sem chances dessa banda acabar”! Tem a ver com a ressignificação de lugares e situações também: meu quarto, que era sinônimo de diversão na época, por conta da música, hoje é o local onde minha mãe, acamada por uma doença neurológica sem diagnóstico fechado, vive. Descobri a morte com esses amigos de banda, que perderam parentes antes de mim – mãe e irmão. Numa hora, você e seus amigos estão carregando um engradado de cerveja; na outra, dividindo as alças de um caixão da mãe de alguém. É a vida, a gente sabe… Mas que dói, dói. Tem um Cello lindo que veio diretamente de Glasgow, na Escócia, para o Morro do Carmo, em Angra dos Reis, no Brasil.

05 – Parece – (Hugo Oliveira)
Primeira música de trabalho do álbum, “Parece” é um rock pop ensolarado que conta com o pedal steel maravilhoso de Rick Ferreira. Fala sobre a eterna incerteza de se trabalhar com música e cultura no Brasil. Da dificuldade nossa do dia a dia em lutar contra esse lado negro da força que vem da sociedade e de nós mesmos. Estímulos contínuos que nos puxam em direção a uma vida segura, padrão, sem maiores percalços – como se algum brasileiro médio hoje em dia conseguisse ter isso, né? Mas, enfim: é uma ode ao “vou fazer música porque eu preciso fazer isso, é mais forte do que eu”. Afinal de contas, a vida é curta, e a única coisa que podemos perder é a completa sanidade e todas as outras oportunidades que a vida poderia nos dar, se a gente fosse normal, rs. Na primeira parte B da música, invoco Belchior, Cazuza e Lulu Santos na letra, numa tentativa de tornar essa jornada mais fácil. Tem um solinho de teclado rápido – e lindo – do produtor e multinstrumentista, Clower Curtis, quase como uma homenagem ao saudoso Lafayette. Na sonoridade, a gente mirou no Tracyanne & Danny, projeto paralelo da vocalista do Camera Obscura, mas muitos citam o Kid Abelha – por conta da voz da Letícia – e o Skank – este último, baseado naquela sonoridade a partir de “Cosmotron”.

06 – Triste de quem – (Hugo Oliveira)
Eu e Letícia cantamos boa parte dessa canção juntos, buscando aprovação do Paul Simon e do Art Garfunkel, guardadas as devidas proporções. Aliás, o arranjo de cordas lindo escrito pelo Clower teve como influência inicial “Song For The Asking”, faixa que fecha o disco clássico deles, “Bridge over Troubled Water”. É sobre o amor pela música e pela cultura pop. Sobre amar ser “enganado” por uma música, um livro, um filme, e enxergar nesse ato a verdadeira mágica da vida, a emoção, o sonho e a imaginação. Muita gente acredita que há algo maior no final dessa vida. Falo por mim: acho que esse algo está nas coisas banais, nos lances do cotidiano.

07 – Caminho – (Lê Pacheco / Hugo Oliveira)
Como a Letícia está muito atarefada com a prestação de contas relacionada ao projeto que gerou “Stand-Up Drama”, fiquei com a missão de falar sobre uma música que é a nossa primeira parceria. Vamos lá: Letícia passou um longo período sofrendo com crises de ansiedade. Durante a terapia, começou a entender que, apesar de tudo, tinha que seguir o caminho dela, e que ele, o caminho, talvez fosse o próprio objetivo, até mais do que uma possível conclusão. Foi muito tocante quando ela chegou com essa letra praticamente pronta. Quando li os versos, achei que eles combinariam com uma levada que misturasse partes rápidas e outras mais lentas. No violão, tentei emular aquela batida de “In Between Days”, do Cure, nos trechos mais acelerados.

08 – Santuário Interior – (Hugo Oliveira)
Talvez seja a música mais “diferente” do disco. Uma balada com dedilhados e cordas grandiosas, amparada por uma letra que fala sobre buscar o equilíbrio olhando pra dentro, pro interior. Escrevi na mesma época em que compus as canções de “Compactando o Agora”, double single que lançamos em 2020, e tem toda a carga emocional motivada pela pandemia e pelo desgoverno do nosso país, num ano que certamente foi um dos piores da minha vida… E provavelmente de muita gente que está lendo este texto. Arranjo lindo de cordas escrito pelo Clower, com um trecho instrumental entre as estrofes que é pura tensão.

09 – Aquele Amor – (Hugo Oliveira)
A última faixa do disco também conta com Rick Ferreira no pedal steel e no banjo, num quase bailão folk que fala sobre a alegria de ter a música de volta na minha vida, por culpa direta da Letícia, que jogou no peito a responsabilidade de a gente criar um duo e aqui estamos nós. Tem guitarra, violão, bateria, baixo, acordeom e teclados, com um final meio low-fi que repete um trecho da primeira canção do disco. Fala também sobre os experts que de uma hora para a outra tomaram a internet de assalto e parecem entender de tudo, ter opinião formada a respeito de qualquer coisa que acontece no Brasil e no mundo. Estudar é crucial, mas entender nossas limitações – e tentar ultrapassá-las, obviamente – é igualmente importante.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne. 

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