Entrevista: Deniz Tek (Radio Birdman)

entrevista por Luiz Mazetto

Deniz Tek é provavelmente um dos músicos mais ativos e produtivos das últimas décadas. Nascido nos EUA, onde acompanhou de perto o surgimento de bandas como MC5 e Stooges, o músico se mudou para Sidney, na Austrália, no início dos anos 1970. E foi lá, em 1974, bem longe de casa, que ele e o vocalista local Rob Younger deram início a uma das bandas que mudariam o rumo da música na Austrália: o Radio Birdman

Mas a sua lista de trabalhos na música inclui também outra banda lendária australiana, The Visitors, e uma extensa e prolífica carreira solo, além de inúmeros outros projetos e parcerias, com destaque para o recente disco gravado com James Williamson (The Stooges), “Two to One” (2020), que chegou alguns anos após a dupla lançar um EP com regravações bastante inspiradas de músicas do Stooges intitulado “Acoustic KO” (2017).

Na entrevista abaixo, feita por telefone diretamente da sua fazenda de café no Havaí, um mais do que simpático Deniz relembra os primeiros dias do Radio Birdman e a rejeição da indústria musical local, fala sobre a parceria com James Williamson, que também é seu vizinho no Havaí, conta como foi subir ao palco com os Stooges em 2011 e ainda revela como a sua experiência em outras profissões, como médico e piloto de avião, pode trazer inspiração na hora de compor. Confira!

Como estão as coisas aí no Havaí?
Boas. Quer dizer, é um lugar muito bom para estar quando você tem uma pandemia. É uma ilha, então é muito fácil controlar as fronteiras. Tem sido bastante suave aqui, não tivemos realmente um problema com isso, a não ser pelo fato de ter prejudicado a economia. A economia aqui é basicamente 90% turismo e isso desapareceu completamente no último ano.

E a sua rotina mudou muito com a pandemia? Ou por estarem mais isolados, as coisas continuaram meio que iguais?
Praticamente iguais. Não saímos tanto, de qualquer maneira. Vivemos em uma pequena fazenda. E realmente não mudou muito quanto ao nosso dia a dia. O que obviamente mudou é que não pudemos fazer turnês no ano passado – nem neste ano, aliás. Normalmente viajamos bastante e não pudemos viajar, então essa foi a grande mudança para nós.

Falando em turnês, você também estava planejando fazer shows com o James Williamson para divulgar o disco que vocês lançaram no ano passado, “Two to One” (Cleopatra Records)?
Na verdade, não. Pelo menos não fazer turnês, com certeza. Poderia ter havido alguns shows, um na costa oeste e outro na costa leste do país, mas nada estava realmente planejado quando a pandemia chegou. E ele (James) não queria fazer turnês, isso é uma certeza. Recentemente, ele fez turnês com os Stooges em um nível muito alto. E ele não quer voltar a passar de seis a oito horas por dia em uma van, que é como eu faço turnês. O James quer voar de primeira classe e ser bem cuidado, o que eu entendo. Ele é mais velho do que eu, por alguns anos de diferença.

Estava lendo o seu site… aliás, o site da sua marca de café, Tekona, em que você diz que gosta muito dessa vida como produtor de café e diz que é um trabalho pesado. Sei que é um negócio de família, por isso queria saber se você já tinha uma ligação com o café antes, se era uma daquelas pessoas que precisam do café para tudo – porque eu sou uma dessas pessoas, que basicamente não funciona sem café (risos).
Com certeza eu sou uma dessas pessoas. Mas até então eu era um consumidor, não um produtor. E agora eu sou as duas coisas. Pensei que mesmo que se não conseguirmos vender muito do nosso café, ainda tomo café o tempo todo e nunca mais terei de ir comprar café. Então isso é ótimo. E o nosso café é de alto nível, é muito especial, ficamos felizes com ele. O clima aqui é perfeito para esse tipo especial de café. Estamos próximos de um vulcão, e as condições climáticas são realmente perfeitas para café.

Você é provavelmente uma das pessoas mais ocupadas que já vi no mundo da música. Não só você já lançou um número considerável de discos e tocou com inúmeras bandas, mas também é médico, já foi piloto de avião e hoje em dia é produtor de café. Por isso queria saber se essas suas outras experiências de vida para além de ser músico influenciaram a maneira como você enxerga, aborda e cria música?
Ah sim, acho que isso é um problema para muitos músicos, especialmente quando falamos de composição, se eles não têm uma vida fora da música. Eles ficam sem material para se inspirar para escrever músicas com as quais as pessoas normais possam se identificar. E eu não tenho esse problema, porque eu estou aí na vida, assim como na música. Você vê muitas dessas bandas em que, se tiverem sucesso, os primeiros dois ou três discos são realmente bons, mas depois a qualidade cai. E penso que parte disso é por conta do isolamento em que elas acabam depois.

E isso te ajuda a encontrar inspiração em coisas que talvez não fossem vistas como tão importantes por artistas talvez mais autocentrados em suas carreiras como músicos/artistas?
Sim, acho que sim. Qualquer coisa pode ser matéria bruta para arte. Uma das coisas que eu costumava fazer é que, na minha carreira médica, eu sempre trabalhei na emergência – fui especializado nisso em toda a minha carreira. E o setor de emergência em uma cidade é realmente uma janela para toda a sociedade – você vê de tudo lá e encontra todos os tipos de pessoas. Então sim, você pode ter inspiração a partir de tudo isso – e de qualquer coisa.

Como você já viveu em diferentes lugares, incluindo, obviamente, a Austrália, Ann Arbor, e mais recentemente o Havaí, gostaria de saber se você pensa que teria feito os mesmos discos que fez se tivesse vivido em outros lugares? Os locais em que viveu tiveram um papel importante para você, em termos criativos?
É, acho que a localização tem sim um papel. Quando estava crescendo em Ann Arbor, a cidade tinha uma cena musical muito energética – isso foi anos 1960. Eu saí de Ann Arbor em 1971, mas a cena musical nos anos 1960 era realmente incrível. Nós tínhamos a Motown logo ali, a menos de uma hora de carro – todas essas coisas, Detroit também tinha uma cena grande de blues e jazz. A partir da metade dos anos 1960, você também tinha uma cena de rock de muita energia. E todas essas coisas eram misturadas, você podia ver uma banda de soul hoje e amanhã poderia ver o Carnal Kitchen, do Steve Mackay, fazendo meio que um free jazz louco. E você também poderia ver Pharoah Sanders e o MC5. Para nós, era… nós achávamos que isso era normal. Quando era adolescente, eu e meus amigos da escola pensávamos que isso era normal e todos os lugares eram assim. Mas não eram. E quando eu saí de Ann Arbor e fui para Londres, realmente não era a mesma coisa. E então quando cheguei na Austrália, eles tinham uma grande cena musical de música beat dos anos 1960, que era realmente fantástica. Mas em 1971 ou 1972, tudo isso havia desaparecido. E o que estava rolando eram coisas muito discretas. Isso meio que me deu a oportunidade de escrever em um pedaço de papel em branco em Sidney. Vi isso como uma oportunidade de apenas fazer algo novo e diferente, que não estava acontecendo lá. Eu tinha toda essa influência de Ann Arbor, fui para Austrália e meio que fiz o meu próprio lance. Então o local fez sim uma diferença para mim. Isso não é dizer que não poderia ter acontecido se eu tivesse ido para outro lugar, provavelmente poderia. Mas para mim especificamente foi algo bom.

E pensa que o fato de que você era um estrangeiro em um país muito longe de casa te ajudou a talvez ser mais livre em termos musicais?
Sim, não apenas na música, mas na minha vida pessoal também. Uma das razões pelas quais eu fui para a Austrália era ficar o mais longe possível dos meus pais.

Uma última pergunta sobre esse assunto. Como foi a sua reação, depois de ter sido uma parte importante desse movimento do proto-punk, vamos dizer, ao ver a cena punk explodindo alguns anos depois?
Bom, nós não nos víamos como fazendo parte de um novo movimento, de forma alguma. Pensávamos que estávamos mais indo para trás, tipo explorando as raízes do rock. Apenas fazendo um rock realmente básico e agressivo. Víamos mais como um retorno às raízes, em vez de algo novo. O que estávamos fazendo era tão diferente do que o que estava acontecendo no mainstream da época que era realmente rejeitado pelo sistema em que estávamos, totalmente rejeitado. Por muito tempo, não conseguíamos shows em nenhum lugar. Tínhamos que organizar os nossos próprios shows, em garagens, igrejas e coisas assim. Nós encontrávamos um lugar para tocar e convidávamos as pessoas. E foi assim por alguns anos, em que não conseguíamos trabalho. Mas quando o punk aconteceu, por volta de 1976, quando as pessoas começaram a conhecer o punk, então nós fomos colocados nessa categoria – nós não nos colocamos nessa categoria. Mas era assim que éramos vistos, porque até então eles não tinham como identificar o que estávamos fazendo. Era apenas muito estranho e diferente. Mas então foi algo como “Ok, agora podemos colocar um rótulo nisso. Agora nós sabemos o que é, então agora vocês podem tocar na nossa casa de shows”. O punk foi muito bom para nós porque meio que nos permitiu voltar a alguns aspectos da indústria que você quer, como uma gravadora e turnês e coisas assim.

E havia alguma banda punk dessa época com a qual vocês se identificavam, se conectavam mais?
Bom, nós absolutamente amávamos os Ramones. Também gostávamos do The Damned, o Richard Hell era ótimo – e achávamos que os Sex Pistols eram incríveis. Nós nunca vimos essas bandas ao vivo, mas as gravações eram incríveis. Então nós pegamos muitas “anotações” deles.

Houve algum show específico que mudou a sua vida? No seu site você fala sobre um show dos Stones que viu em Detroit, em 1969, dizendo que “Não havia mais volta” (“There was no turning back”) depois dele. Esse foi um show que te fez querer ser músico?
Não me inspirou realmente a querer ser um músico porque comecei a tocar guitarra aos 12 anos de idade. Mas eu não ia a nenhum show nessa época – escutava as coisas no rádio. Nós vimos os Beatles tocarem no programa do Ed Sullivan em fevereiro de 1963 e isso foi simplesmente de outro mundo. Foi algo que mudou toda a cultura dos Estados Unidos, em primeiro lugar. Mas também me mudou – eu e todos os meus amigos. A partir daquele momento, eu e os meus amigos queríamos tocar guitarra ou bateria. E foi isso. Quando vi os Stones, em 1969, em Detroit, foi apenas um reforço disso. Eu pensei “É, isso é o negócio mais legal do mundo e você quer fazer parte disso”. E também houve shows locais que tiveram esse efeito. Ver o MC5 e os Stooges no começo, o Bob Seger, o Rationals, SRC, todas essas bandas de Ann Arbor também foram muito eficientes em martelar isso no meu DNA, foi como receber uma tatuagem.

Voltando um pouco ao seu disco com o James Williamson. Você já tinha gravado com ele há alguns anos um álbum acústico de covers do Stooges chamado “Acoustic KO” (2017). Por isso, queria saber se naquela época vocês já tinham essa ideia de escrever um disco de músicas novas em conjunto? Ou, caso não, quem entrou em contato com quem para fazer isso acontecer?
É, quando fizemos o disco acústico, essa foi uma ideia do James. Há um bootleg dos Stooges chamado “Metallic KO” (1976) e um amigo dele disse “Você devia fazer um ‘Acoustic KO’”. Mas quando fizemos esse álbum, não esperávamos fazer nada além disso, era algo por si só – e nem pensamos em nada depois disso. E então a Cleopatra Records entrou em contato com o James e o James entrou em contato comigo e foi assim que esse disco novo acabou surgindo. O Brian Perera, que é o chefe da Cleopatra, e o Matt Green, que é o cara de A&R da gravadora, tiveram a ideia de que James e Deniz deveriam fazer um disco juntos com material original – e que esse álbum deveria ser elétrico. O James gostou da ideia e me perguntou se eu estaria disposto a fazer isso e eu topei. E eles nos deram um bom orçamento, forneceram recursos para podermos ter uma boa qualidade de som. Tivemos cerca de um ano, acho, pelo menos nove meses, para compor, produzir demos e trabalhar nos arranjos, para que quando chegássemos no estúdio estivéssemos realmente prontos e soubéssemos exatamente o que queríamos fazer. Foi uma boa experiência de gravação.

E como vocês trabalharam nas músicas? Porque o James vive em San Francisco, certo? Vocês trabalharam remotamente ou você foi para a Califórnia?
Bom, ele tem uma casa em San Francisco – na verdade, é mais perto de San Jose. Mas ele também tem uma casa no Havaí, que fica aqui perto. E nós jogamos tênis nas quintas à tarde, quando ele está por aqui. Então ele passa parte do tempo em sua casa na Bay Area e outra parte do tempo em sua casa aqui no Havaí. Na verdade, foi assim que nos reunimos pela primeira vez que fizemos um show juntos, no memorial do Ron Asheton, há cerca de 10 anos, em Ann Arbor. Foi quando descobrimos que nós dois tínhamos casas no Havaí. Então nos encontramos em Ann Arbor e dissemos “Quando voltarmos ao Havaí, deveríamos nos encontrar”. Então começamos a nos encontrar aqui e foi assim que tudo isso surgiu.

Sobre o processo de composição, nós tentamos dividir a composição de forma igual, 50/50. E o James não escreve letras, ele nunca escreve letras, apenas músicas. Quando ele escrevia algo, ele me passava e eu fazia sugestões e trabalhávamos juntos. E depois que concordássemos sobre a música, então eu escrevia as letras ou alguns dos amigos dele nos EUA. Ele (James) tem alguns amigos que fazem isso para ele, Frank Meyer e Paul Kimball. Então essas são as músicas do James.

Já quanto às músicas que escrevi, eu normalmente escrevo a música e as letras das minhas músicas. E o James normalmente dava sugestões nas duas partes. Se eu escrevesse algo que ele não gostasse, ele não tinha nenhum problema em me falar – “Ah, isso não vai funcionar. Melhor jogar fora ou mudar”, por exemplo. E então eu meio que voltava ao estúdio para trabalhar mais e voltava para ele “E que tal assim? Fica melhor?”, “Ah sim, assim está ótimo”. Eu escrevi minhas músicas com o estilo dele de tocar guitarra em mente, para fornecer um contexto para o estilo de tocar que eu queria dele. Sendo um fã, adoro o estilo old school dele de tocar solos, os mais brutais, como os que estão no “Raw Power”. Então eu tentei criar um contexto para que ele fizesse isso. O James é aberto a muitos estilos musicais, ele não é restrito a esse estilo, mas sei que é isso que os fãs querem que ele faça. Por isso, tentei prover um contexto apropriado para isso. E eu fiz solos em algumas músicas dele no disco.

Você mencionou o show em homenagem ao Ron Asheton, que aconteceu há 10 anos. Sei que os Stooges sempre foram uma banda muito importante para você – vocês são da mesma cidade, seu primeiro professor de guitarra tocava numa banda com o Iggy Pop (The Prime Movers), você sempre falou sobre a importância do “Raw Power” na sua vida e ao longo dos anos tocou com membros da banda, como os Irmãos Asheton. Por isso, queria saber como foi para você tocar com a banda no show de tributo ao Ron Asheton em 2011, ainda mais em uma ocasião tão especial e com uma orquestra acompanhando? Foi algo do tipo da sua lista de coisas para fazer antes de morrer, um sonho do jovem Deniz lá dos anos 1970?
Sim, eu não diria que era algo da minha lista de coisas a fazer antes de morrer porque só coloco coisas que são viáveis nessa lista e nunca pensei que fosse possível isso acontecer. E você está certo, toquei bastante até com o Ron (Asheton) – e com o Scott (Asheton) – em outras bandas, mas realmente poder ter feito um show com os Stooges foi um sonho para mim. E nunca esperei que fosse ter a oportunidade de fazer isso. E, por sorte, o Iggy e a Kathy (Asheton, irmã de Ron e Scott) me convidaram para fazer isso. Quando o Ron morreu, de forma inesperada, eles (Stooges) já tinham cerca de 50 shows agendados para aquele ano (2009). O Ron morreu em janeiro, e cerca de duas semanas depois de ele morrer, o Iggy me ligou e me perguntou se eu toparia fazer esses shows com eles. Eu disse que sim, que faria os shows. E então ele me ligou de novo, uma ou duas semanas mais tarde, dizendo: “Nós decidimos não fazer os shows, é muito cedo” – e eu disse que entendia e que provavelmente era uma boa ideia.

E então eles voltaram com o James para tocar o material do “Raw Power”. Porque na versão anterior da banda, com Ron, Scott e Mike Watt, eles não estavam tocando material do “Raw Power”, apenas dos dois primeiros discos. Por isso, fazia total sentido eles chamarem o James de volta para tocar material do “Raw Power” nos shows, o que foi uma ideia fantástica. Então quando isso aconteceu, nunca pensei que seria chamado para tocar com eles porque com o James você não precisa de outro guitarrista. Na verdade, ele fica mais confortável sem um segundo guitarrista. Mas acabou acontecendo apenas naquela noite (no show de 2011) e fiquei muito, muito feliz com isso. Eu estava nervoso, lembro de pensar: “Puta merda, preciso estar na minha melhor forma aqui e não fazer nenhuma merda”. Mas tudo acabou dando certo. E você não podia escutar a orquestra no palco, aliás. Eles estavam atrás de um painel de acrílico, atrás da gente. Não dava pra ouvir nada mesmo. Quer dizer, depois você podia ouvir no vídeo, mas isso foi bom porque eu não queria ouvir eles, só queria escutar os Stooges.

Aliás, se não me engano, o primeiro show da banda com o James nessa volta foi em São Paulo, em um festival com o Sonic Youth no fim de 2009.
É isso mesmo. E eu me lembro vividamente de assistir ao vídeo desse show. Porque eu tinha pensado em como seria com o James voltando depois de todo esse tempo. Então foi muito excitante ver isso acontecendo.

Falando no Brasil, você conhece algum artista ou banda do país?
Claro que há todo o jazz incrível que saiu daí, como Antônio Carlos Jobim e tudo mais, tenho esses discos e gosto de ouvi-los – realmente gosto disso. Não conheço muitas bandas de rock do Brasil, me lembro dos Mutantes, eles são incríveis. Além disso, não saberia dizer outros nomes. Sei que algumas bandas australianas também se saíram bem por aí, como o Hoodoo Gurus, que tocaram aí e se divertiram muito. Também sei que os Ramones se saíram muito bem no Brasil.

Em 2013, se não me engano, você lançou um ótimo disco solo chamado “Detroit”. Além disso, o Alice Cooper lançou recentemente um disco novo com parte da formação clássica da banda dele chamado “Detroit Stories” (2021) – isso, sem contar, é claro, diversas outras músicas e afins que falam da cidade, de nomes como Kiss e David Bowie. Na sua opinião, o que havia de tão diferente/interessante na cidade para gerar reações tão poderosas e ser tão imponente no imaginário das pessoas quando pensam em música, e especialmente em rock?
Acho que para as pessoas que são de Detroit, há muitas coisas sobre a cidade que são muito legais. A capacidade industrial da cidade é incrível: eles criaram carros fantásticos, os tanques e os bombardeiros que destruíram os alemães na guerra. E a música que saiu de Detroit é incrível. A Motown diminui todo o resto, na verdade. Nós falamos dos Stooges, do MC5, e do Alice Cooper, e eles são todos ótimos, mas em comparação com a Motown… Quer dizer, a Motown é realmente o gorila de 1 tonelada na sala. E ela possui uma importância enorme. Então tínhamos isso – e você também tinha todas essas ótimas bandas de rock

E Detroit também passou por momentos muito difíceis. A cidade foi parcialmente destruída por revoltas em 1967 e nunca se recuperou disso. Havia muita corrupção no governo local da cidade. Todo o dinheiro que deveria ter reconstruído a cidade foi para o bolso das pessoas. Apenas se tornou essa cidade devastada e distópica do futuro, mas ainda assim sobreviveu. E a cidade está aí desde Luís XIV, foi que ele a iniciou. Ele mandou o Barão de Cadillac para fazer um acordo e trocar pele de animais com os indígenas. Então as pessoas de Detroit possuem um grande senso de orgulho por serem de lá – e elas tem todas essas coisas para se orgulhar.

Mas de fora acho que tem esse tipo de qualidade mítica, simbólica. É uma cidade tão extrema, que desenvolveu um status simbólico e lendário. Parte disso é verdade e parte não é. Stalin disse que se você repetir uma mentira o bastante, ela se torna a verdade (Nota: Na verdade, em uma busca online a citação é atribuída a Lênin). Então parte é verdade e parte não é. Mas Detroit, para quem é de lá e quem é de fora, tomou essa qualidade especial.

Há pouco você falou sobre o Radio Birdman e como a banda não foi inicialmente aceita até ter um “empurrão” em meio à explosão do punk. Você pensa que a banda teve o reconhecimento devido depois com o passar do tempo, por si só, não por ser algo associado ao punk ou algo assim, mas pelo valor da sua música?
É uma boa pergunta. Espero que sim. Eu acho que sim. Há muitas bandas que surgiram depois da gente que tiveram sucesso e que disseram ter sido inspiradas ou influenciadas por nós. E isso é o melhor que você pode esperar na música, passar esse tipo de coisa para a geração seguinte. Nós também recebemos um prêmio da indústria musical na Austrália em 2007 (ARIA), entramos para o hall da fama local. Foi a terceira vez que eles nos convidaram para receber o prêmio, nós recusamos nas duas primeiras vezes. Não nos importávamos em fazer isso nem tínhamos interesse porque era algo da indústria e eles tinham nos rejeitado no início. E nunca tivemos um disco de sucesso. Nós provavelmente fomos a primeira banda no hall da fama que nunca teve um hit. Então pensamos “Por que eles nos querem no hall da fama agora?”. Mas acho que é apenas por causa da influência. E finalmente as nossas famílias torceram os nossos braços com força o bastante, dizendo “Vocês têm de fazer isso, vocês têm de fazer isso. Nós queremos ter esse prêmio em casa e queremos ir ao jantar de premiação”. E então nós aceitamos.

Me diga por favor três discos que mudaram a sua vida e porque eles fizeram isso.
Eu poderia dizer 300, seria mais fácil (risos). Quero dizer, eu apenas amo música, todo tipo de música, mas vamos lá. E essa resposta poderia ser diferente se você me fizesse a mesma pergunta amanhã. Ao citar esses três discos, não quero sugerir que outros não sejam tão importantes quanto esses. Você quer LPs ou singles?

Normalmente falamos de LPs, mas se preferir falar singles, está tranquilo.
LPs são melhores. Ok, vamos lá. “Blonde on Blonde” (1966), do Bob Dylan; “Let it Bleed” (1969), dos Stones, e “Funhouse” (1970), dos Stooges.

Ótima lista. Aliás, havia uma casa noturna famosa em São Paulo chamada Funhouse. Acho até que deveriam existir várias Funhouses mundo afora (risos).
Isso é incrível. Acho que podem existir outras agora (risos). Penso que é incrível como eles se tornaram tão conhecidos e bem-sucedidos nos seus últimos anos. Me lembro de quando eles eram completamente… o Ron e o Scott (Asheton), meus amigos, eles não tinham nada, nenhum dinheiro, estavam quebrados. Mas eles eram tão generosos que o Ron te compraria um drink com os últimos cinco dólares que ele tivesse – e te contaria uma história. Eles eram apenas tão generosos, caras ótimos. Fiquei muito feliz de ver eles terem algum tipo de sucesso no final. Quer dizer, eles sempre foram muito bem-sucedidos artisticamente, mas realmente ganhar algum dinheiro foi fantástico.

Essa é a última pergunta: do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Hmm, ter uma boa família, ter filhos que são boas pessoas, sabe? Ter uma família boa e sólida. Isso é a coisa mais importante.

–  Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!

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