Os 30 anos do disco de estreia da super banda Electronic

por Robson de Paiva Leandro

Grandes nomes da música tocando juntos não era exatamente uma novidade no início dos anos 90. Os chamados “super grupos” ou “projetos” sempre existiram. Acidentalmente ou não, essas junções de estrelas sempre chamara a atenção pelo inusitado ou pelo inesperado em tudo o que envolvia a colaboração. Para provar, o “Rat Pack” – composto por Frank Sinatra, Samy Davis Jr., Dean Martin, entre outros – se juntou na virada dos anos 60. Houve também, na mesma época, o verdadeiro dream team do jazz que se juntou a Miles Davis para gravação de “Kind of Blue” com nomes como Bill Evans, Wynton Kelly, Jimmy Cobb e ninguém menos do que John Coltrane. Depois ainda tivemos em 1968 a “Dirty Mac” formada por Eric Clapton, John Lennon, Keith Richards e Mitch Mitchell que existiu por apenas alguns minutos e duas músicas.

Esse tipo de encontro sempre chama a atenção e na maioria das vezes não tem pretensão comercial. Às vezes serve como válvula de escape para artistas que estão cansados de ter que entregar o mesmo que sempre entregam com suas bandas originais. Esse é um dos pilares da criação do Electronic.

O New Order era uma das maiores bandas do planeta em 1988. Acumulando 7 anos de carreira, um sucesso monumental com hits atrás de hits, quatro discos de sucesso, o single 12″ mais vendido da história (“Blue Monday”), turnês intermináveis, uma gravadora (a Factory) e naquela altura com um empreendimento de sucesso, o clube Hacienda que, depois de um longo período de fracassos, começava a gestar o que dali a poucos meses seria a explosão da acid house e o florescer da cena Madchester.

Tudo isso desabou na cabeça de Bernard Sumner, vocalista e, por assim dizer, líder da banda. Um dia, durante a turnê americana daquele ano ele se sentiu muito mal e foi parar no hospital. O médico foi claro no diagnóstico: ele estava para morrer. Bernard conta que já não aguentava mais a rotina de estrada o tempo todo com os companheiros de New Order. Também estava cansado das acusações de ser o responsável por levar a banda para o lado mais eletrônico e menos rock, o que vinha gerando divergências internas entre ele e Peter Hook, o baixista.

Ainda no hospital, Sumner tomou a decisão: aquela seria a sua última turnê. Quando acabasse tiraria férias por tempo indeterminado. O Brasil deu sorte: na agenda ainda contava com shows por aqui no final de 1988. A ideia sobre “férias” animou o vocalista a pensar em outras possibilidades além do New Order. Começou a pensar em fazer coisas que tivessem menos a ver com tudo aquilo e principalmente entender como outros músicos trabalhavam. “Senti a necessidade de me renovar como músico e aprender com outras pessoas, ver como elas escreviam músicas, observar a forma como faziam. No New Order e no Joy Division nós não tivemos nenhuma educação musical. Pegávamos um manual que ensinava o básico e o resto que aprendemos ouvindo discos e fomos em frente”, disse Sumner na sua autobiografia “Chapter and Verse -New Order, Joy Divison and me”.

Bernard Sumner conheceu Johnny Marr em 1984 quando ajudava na produção do disco “Pigs + Battleships”, da banda Quando Quango. Marr, que ficava conhecido em Manchester por ser um bom guitarrista de estúdio foi contratado para tocar no disco. Os dois fizeram amizade e ficaram em contato ao longo dos anos.

A história é conhecida. Nos anos seguintes, Johnny Marr se tonou gigante com os Smiths, mas sempre seguiu tocando em discos de outras bandas e artistas como Billy Bragg, Bryan Ferry, The Pretenders e Talking Heads. Com o fim dos Smiths em 1987, Johnny estava sem um projeto fixo. Foi nesse momento em que os dois se encontraram. Bernard conta que no final da turnê do New Order com o Echo and The Bunnymen, ele e Johnny foram ao Hacienda. “Nós estávamos no banheiro, cheirando uma, e eu perguntei para Johnny se ele não queria fazer um álbum. Ele topou na hora!”.

Os trabalhos começaram em 1988, quando o New Order ainda estava fazendo shows. Mas a notícia de que os dois estavam em estúdio produzindo um álbum começou a se espalhar. Apesar de se conhecerem e das afinidades, o começo foi difícil. Nenhum dos dois se sentia confortável com a presença do outro no estúdio. A razão é simples: ambos se admiravam e se respeitavam muito. Depois disso o trabalho fluiu. Bernard, que se sentia pressionado pelos colegas de banda por querer usar sintetizadores, pode se aprofundar no uso do equipamento. Muito encorajado por Marr que estava querendo aprender a tocar teclados. Sumner começou a se preocupar. “Johnny, se você não tocar guitarra nesse disco, as pessoas vão me matar.”

O processo do disco foi lento e sem pressão. Afinal de contas, não fazia sentido correr com algo que era para, de certa forma, devolver o prazer de fazer música. Mesmo que esse trabalho tivesse começado ao longo da última turnê do New Order. Ao chegar ao Brasil, a gravação do disco ainda era um boato. Perguntado sobre o trabalho, Rob Gretton (empresário do New Order) desconversou dizendo que “talvez saia, não sei se existe…”

Isso só aumentou a aura de mistério e tensão que existia internamente. Em 1989, o New Order encerrou as turnês e literalmente se separou. Enquanto isso, Bernard se aprofundou no trabalho com Marr. Um dia, o telefone do estúdio tocou. Era Neil Tennant que tinha ouvido o boato sobre a gravação do disco e se ofereceu para participar. “Era meu sonho trabalhar com Bernard. ‘Blue Monday’ mudou minha vida para sempre e eu queria retribuir de alguma forma”, disse o vocalista dos Pet Shop Boys – que já declarou em diversas entrevistas que chorou copiosamente quando ouviu pela primeira vez o single mais vendido de todos os tempos. Estava formado o primeiro “super grupo” dos anos 90: New Order + Smiths + Pet Shop Boys.

Outro nome menos famoso, mas muito importante, participou da produção do disco: Anne Dudley, compositora vencedora do Oscar pela trilha sonora de “Ou Tudo ou Nada” (Full Monty), que tinha trabalhado com o ABC, a-ha, Marc Almond, Rick Astley e Lloyd Cole and the Commotions, entre outros, trabalhou com eles pensando no conceito e arranjo de várias faixas do disco.

O primeiro single foi lançado em dezembro de 1989: “Gettin’ Away With It”, que rapidamente avançou nas paradas de sucesso batendo na 12ª posição dos charts britânicos com o vídeo em alta rotação na MTV. “Electronic”, o disco, foi lançado em 27 de maio de 1991 após uma curta série de apresentações da banda com a sua formação completa (Bernard, Johnny e os dois Pet Shop Boys) incluindo a abertura de um show do Depeche Mode no Dodgers Stadium em Los Angeles e bateu na segunda posição da parada britânica.

Contendo 10 músicas no vinil original (11 no CD) que navegam pelo rock com riffs rápidos e ácidos – como em “Idiot Country” – misturado a um insuspeito Bernard Sumner cantando como um rapper e “Tighten Up”, onde Johnny Marr prova porque é um dos maiores guitarristas dos anos 80/90 e parece querer mostrar que tem o braço direito mais rápido do oeste, “Electronic” tem em “The Patience of a Saint” o momento onde a banda pendeu para um lado apenas. A sensação é de estar ouvindo uma música dos Pet Shop Boys e isso não é à toa: é nessa faixa que aparece tocando teclado Chris Lowe, a outra metade da dupla de música pop. Bernard canta como Neil Tennat e Johnny Marr vai para os sintetizadores.

Outro grande momento do disco é “Soviet”, uma verdadeira orquestra conduzida por Sumner a partir das orientações de Anne Dudley, que fez um longo questionário para desvendar sua personalidade e definir como os arranjos poderiam ser feitos. Ele pode enfim realizar o seu desejo de fazer algo completamente diferente. São camadas e camadas de cordas em um arranjo emocionante.

“Get the Message” foi o segundo single do disco e também foi muito bem nas paradas (avançando ao oitavo posto) e o vídeo foi outro que teve boa repercussão na MTV, um dos termômetros da época. A letra, com a acidez típica de Bernard Sumner comparando a doçura do amor a bombas de napalm, é uma das músicas cujo resultado mostra como os dois trabalharam bem no estúdio. O disco fecha com “Feel Every Beat”, onde novamente Bernard Sumner assume a persona “rapper” e Johnny Marr desce o braço na guitarra.

Em 1992, Neil Tennant voltou a se juntar ao Electronic para gravar “Disappointed”, música que fez parte da trilha sonora do filme “Cool World” (no Brasil, “Mundo Proibido”). Após as gravações, Bernard voltou para o New Order e em 1993 lançou “Republic” (do single “Regret”), número 1 no Reino Unido, 11º na parada da Billboard. Johnny Marr seguiu contribuindo com diversos artistas sem voltar a tocar em uma banda fixa até o retorno do Electronic em 1996 com “Raise the Pressure” (sem a dupla do Pet Shop Boys). Bernard e Johnny ainda lançariam um terceiro disco do Electronic, “Twisted Tenderness”, em 1999, mas o debute, que completa 30 anos em 2021, continua sendo o ponto alto da super banda.

“Electronic”, o álbum, foi relançando em 2013 em versão dupla, com as 11 faixas do álbum original no CD 1 e 12 raridades no CD 2 (entre versões editadas, remixes e faixas instrumentais). Quatro b-sides de singles do álbum (“Lucky Bag”, “Free Will”, “Lean to the Inside”, “Second to None” mais duas versões do single “Disappointed”) ficaram de fora dessa reedição em CD, mas apareceram numa versão do álbum para o iTunes, com outros remixes. A banda encerrou as atividades em 2001, mas sempre que Bernard e Johnny se encontram na estrada, rola um comeback (como mostram os dois últimos vídeos). Em seus dois shows no Brasil (no Lolla 2014 e no Festival Cultura Inglesa 2015), Johnny Marr tocou “Gettin’ Away With It”.

– Robson da Silva Leandro é fotógrafo. Conheça seu trabalho em instagram.com/robson.foto

One thought on “Os 30 anos do disco de estreia da super banda Electronic

  1. Excelente documento essa matéria.
    Acho que faltou citar o baterista do A Certain Rattio. Valeu!!!

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