Bewitcher: guitarrista M. Von Bewitcher fala sobre novo disco, o peso e a magia do rock

entrevista por Homero Pivotto Jr.

O Bewitcher não tem receio em se aventurar pelos caminhos tortuosos de quem opta por fazer rock nos dias de hoje. Desde 2013, quando foi fundada, a banda de Portland (EUA) passeia por rotas soturnas do estilo e firma ponto na encruzilhada entre speed, black metal, thrash e até d-beat. Com “Cursed Be Thy Kingdom” — terceiro álbum, previsto para ser lançado em 16 de abril —, o trio segue rumos guiados por bruxas e divindades malignas. Ora acelerando o passo, ora em ritmo mais cadenciado. Mas sempre conduzindo o ouvinte por paisagens sonoras do lado oculto da existência. É a trilha adequada para uma regozijante viagem pelo vale das sombras em meio à magia, prazeres mundanos e figuras míticas.

Três músicas já foram lançadas como singles/videoclipes (que você assiste ao londo do texto): “Mystifier (White Night City)”, “Satanic Magick Attack” e “Valley of the Ravens”. O disco completo é um caldeirão de 10 composições que abre com “Ashe”, intro em clima de balada heavy acústica. Mas não se engane: a primeira faixa chega de mansinho para enfeitiçar o ouvinte. Em seguida, dá espaço para petardos como “Death Returns…” e seu ataque com reminiscências de NWOBHM, a poderosa faixa-título “Cursed Be Thy Kingdom”, a rockona de inclinações motorhedianas “Metal Burner” e a derradeira “Sign of the Wolf” — boa para bater cabeça e sacudir os demônios que ali infernizam.

O reconhecimento que o trio M. Von Bewitcher (voz e guitarra), A. Hunter (bateria) e A. Magus (baixo e voz) conquistou ao longo do percurso, contudo, não é bruxaria. É resultado de dedicação, empenho e sons feitos com alma. Uma espécie de pacto de devoção para com o estilo musical que, segundo alguns, é apadrinhado pelo tinhoso. Na entrevista a seguir, feita por e-mail, o guitarrista M. Von Bewitcher responde questões sobre a prolífica cena de sua cidade natal, os ingredientes que compõem o novo registro, inspirações lúgubres e rituais de audição.

Portland tem uma cena prolífica de rock e subgêneros, do alternativo ao heavy, do punk ao post-punk. Nomes como Poison Idea, The Wipers, Toxic Holocaust e Red Fang são da cidade, assim como o Bewitcher. Como esse ambiente eclético dentro do gênero influenciou o som de vocês?
Do ponto de vista musical, na verdade, não nos influenciou muito. É legal que Portland tenha essa rica história ligada a bandas, mas sempre fomos bastante isolados em um mundo próprio, apenas preocupados em fazer nosso trabalho.

Quais bandas de Portland você citaria como importantes?
Além das clássicas que se criaram aqui e todo mundo conhece, tem nossos amigos do Soul Grinder e Dark Crucible. Ambos são nossos aliados há um bom tempo.

Joel Grind, do Toxic Holocaust, gravou e mixou seus primeiros discos. Como é sua relação com as bandas locais e como é cenário em Portland atualmente?
Conhecemos Joel há uns anos e ele esteve bem envolvido com nossos dois primeiros álbuns. A cena em Portland foi legal para a música pesada por um período, mas não estamos mais tão envolvidos como costumávamos em razão das turnês rigorosas. Com o isolamento recente, acredito que mal há cena para se comentar no momento.

O Bewitcher tem influência pesada do heavy metal mais tradicional e até mesmo do rock mais sujo, beirando coisas do começo do black metal. Mas tem, ainda, uma áurea dark, que remete ao post-punk ou algo próximo disso. E esse lado mais obscuro parece se destacar no novo disco. Essa impressão faz sentido para você?
Isso vem de qualquer lugar, na real. Pode ser inspirado por outros gêneros musicais, estética da natureza, livros, filmes ou energias de diferentes tradições ou práticas de magia. É diferente para cada som, então é complicado definir uma única fonte.

“Cursed be thy Kingdom” levou dois anos para ser concluído. Em material de divulgação você disse que foram “dois anos infernais”. Por quê?
É sempre um tanto angustiante fazer um álbum, mas com os tempos estando do jeito que estão, foi ainda mais louco. Nesses dois anos, rolaram troca de integrantes, shows em ambos os lados do Atlântico, um ano inteiro de apresentações canceladas pela pandemia, motins e incêndios florestais em nossa cidade. Além disso, nosso velho espaço de ensaio pegou fogo (nada a ver com as queimadas que mencionei anteriormente). Então, rolaram alguns contratempos haha.

Penso que, às vezes, seria mais fácil escolher um caminho regular, que não tivesse relação com música. Tipo ser um cidadão padrão. Mas, pegando emprestado o nome de uma coletânea do Black Sabbath: “We Sold Our Soul for Rock’n’Roll” (nós vendemos nossa alma ao rock’n’roll). O que você pensa disso?
Nunca fui um cidadão normal na vida. Mesmo com um trabalho regular e outras atividades, não me encaixava nesses grupos. Não seria mais fácil porque ficaria muito entediado. O caminho que escolhemos certamente não é simples o tempo todo, mas as pessoas que só fazem coisas fáceis ou confortáveis geralmente não significam muito. É importante desafiar a si mesmo.

Houve algum tipo de encruzilhada pela qual teve de passar para seguir fazendo música?
Trabalhar com música o tempo todo demanda muitos sacrifícios. Você precisa se acostumar a viver um dia após o outro, e a ideia de segurança na vida é quase inexistente. Você lida com isso apenas se adaptando e ajustando sua mentalidade para a variedade de desafios que podem surgir.

E sobre maldições: que tipo de reinos você está praguejando no título do novo trabalho? E quais tipos de reis nós devemos amaldiçoar hoje em dia?
Não leve o título do disco tão literalmente. Significa o que você quiser que signifique. É algo representativo de alguns diferentes temas explorados nas letras. Não deve demorar muito para as pessoas descobrirem.

Misticismo, forças ocultas, a noite que está sempre por encobrir o dia, o negro em oposição ao colorido e o lado sexy do demônio são temas recorrentes nas composições do Bewitcher. Quais características desses tópicos chamam sua atenção e os fazem interessantes para serem explorados nas letras?
Considero que é bom explorar o lado sombrio da vida e de nós mesmos para conseguir uma fotografia mais ampla de quem somos. Fazer essas músicas definitivamente ajudou nesse processo de descoberta. E vamos combinar, pode ser algo “das antigas” neste momento, mas esses temas são inseparáveis do heavy metal. Eles simplesmente andam juntos. Ainda há muito território inexplorado e novas maneiras de abordar tópicos com todas essas coisas. É preciso apenas criatividade, um pouco de imaginação e, acima de tudo, sinceridade.

Algum ritual que você sugere para os ouvintes apreciarem “Cursed be thy Kingdom” e selarem um pacto com a música tida por alguns como do tinhoso?
Acenda algumas velas, fique pelado e lacre o volume!

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.

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